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Palavra dos Pastores


O impacto com uma humanidade extraordinária
 
AUTOR: ALEX BARBOSA DE BRITO
 
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Responsável pelo Movimento Comunhão e Libertação na América Latina, religioso apaixonado pelo serviço de Deus e pelo próximo, Dom Filippo Santoro, Bispo de Petrópolis (RJ), conviveu longos anos com Mons. Luigi Giussani. Nesta entrevista, ele relata momentos edificantes desse relacionamento com o Fundador, falecido a 22 de fevereiro último. Nascido na Itália, Dom Filippo é simples e reservado, culto e acolhedor. Ao lhe perguntarmos quando entrou no Movimento, comovido, respondeu: "A entrada no movimento foi o encontro com Mons. Giussani. No relacionamento com ele, eu podia experimentar as grandes coisas do Cristianismo! O encontro com ele foi o impacto com uma humanidade extraordinária que me comunicava a presença de Cristo!"

ENTREVISTA COM DOM FILIPPO SANTORO

Alex Barbosa de Brito

Arautos do Evangelho: Quando e como o senhor conheceu Mons. Giussani?

Dom Filippo Santoro: Meu encontro com Mons. Giussani deu-se em 1971. Eu era seminarista no Colégio Capranica, em Roma, freqüentava a Universidade Gregoria

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Mons. Luigi Giussani

na e tinha feito o mestrado em Teologia, mas ainda não era sacerdote.

AE: Portanto, estava se preparando para o sacerdócio.

Dom Filippo: Estávamos nos preparando para o sacerdócio. Em conversa com meu Arcebispo – de Bari, sul da Itália – ele me propôs fazer o curso de Filosofia na Universidade Católica de Milão. Fui então para essa Universidade e lá encontrei Mons. Giussani, que era o professor de Introdução à Filosofia. Nessa época estudava também no Colégio Capranica um jovem seminarista que tinha sido seu aluno no Liceu Berchet, de Milão, e já tinha me falado a respeito dele. Mas quando conheci pessoalmente Mons. Giussani, foi um impacto muito grande! Junto com este meu amigo, nós o convidamos a pregar os exercícios espirituais para os seminaristas do Colégio Capranica.

Mons. Giussani, ao aceitar, comentou: “Pregar um retiro é uma ocasião para a minha conversão. Depois os resultados estão nas mãos de Deus.”

Foi aí que me beneficiei de uma semana inteira com ele. Depois de cada meditação, eu logo ia conversar com ele, porque vi que ele tinha uma experiência diferente, comunicava uma experiência de vida cristã muito intensa, que me atraía.

AE: Foi, portanto, um retiro muito proveitoso…

Dom Filippo: Lembro-me muito bem como o impacto foi grande. Não era simplesmente uma surpresa positiva do ponto de vista teológico, mas foi a comunicação de uma experiência de vida. Desde então, quando eu voltava a Milão para os estudos de Filosofia, ia sempre procurá-lo. Daí surgiu uma amizade muito profunda, tanto que, quando voltei para Bari, minha cidade, comecei, com outros amigos, a experiência do Movimento Comunhão e Libertação.

AE: O senhor estava já encaminhado para o sacerdócio. O contato com Mons. Giussani foi, então, um aprofundamento…

Dom Filippo: Sim, foi um aprofundamento decisivo, porque já estava encaminhado. Eu venho de uma família católica, tinha dois tios padres, então, já tinha o terreno bem preparado. Porém, eram os anos da contestação – 68, 69, 70 – a cultura me atraía, a política me atraía, e eu já participava de passeatas, de comícios, das coisas do movimento estudantil desses anos. No meio de tanta coisa, me perguntava: “O que vou fazer da minha vida? Como poderei de fato me dedicar a Deus?”

AE: Foi providencial, então, o encontro com Mons. Giussani.

Dom Filippo: Foi decisivo, porque, depois daquele retiro, eu fiquei profundamente confirmado na minha vocação. Sobretudo, marcou-me muito o entusiasmo que ele demonstrava pelo anúncio de Jesus ao mundo, o entusiasmo pela

presença na sociedade, na cultura, na vida cotidiana, em todas essas coisas.

AE: Nessa linha, o senhor poderia destacar um fato ou um pensamento que tenha marcado especialmente sua vida?

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D. Filippo: “Marcou-me muito o entusiasmo que Mons. Giussani
demonstrava pelo anúncio de Jesus ao mundo, pela presença
na sociedade, na cultura, na vida cotidiana.” 

Dom Filippo: Foi sobretudo o encontro com ele. Eu coloquei para ele a questão do celibato, da consagração, como é possível uma pessoa interessada em viver como protagonista na sociedade viver o celibato, a dedicação a Cristo… Respondeu-me ele: “Veja, primeiro temos que falar de virgindade, de afeição nova, de nova forma de viver a realidade. E virgindade significa, não renunciar à nossa capacidade afetiva, mas participar da capacidade afetiva que Jesus tinha, que Jesus ressuscitado tem, e que nós teremos no último dia. Então, não é uma renúncia pela qual vivemos menos, amamos menos, nos interessamos menos pelas pessoas, pela vida, pelos relacionamentos humanos, mas sim uma posse nova e uma nova forma de amar tudo com a verdade e a plenitude do amor de Cristo”.

AE: Vê-se que era um homem positivo.

Dom Filippo: Um homem positivo. E depois ele disse: “Por exemplo, a nossa é uma forma diferente de possuir as pessoas, possuir dentro de um desapego, o amor ao destino da outra pessoa, a paixão pela vida dos amigos, das amigas; de amar com a capacidade afetiva que Cristo tinha, que Cristo ressuscitado tem”. Eu falei: quero esta experiência aqui. Esse encontro foi decisivo para o meu sacerdócio, como possibilidade de uma entrega total a Cristo e de um amor intenso e humano à Igreja, seguindo o caminho da vocação.

AE: O que marcou sua entrada no Movimento foi…

Dom Filippo: Minha entrada no Movimento foi o encontro com ele! Vivi o relacionamento com ele e esse relacionamento era algo que me facilitava o encontro com Cristo.

Na Pontifícia Universidade Gregoriana eu tinha grandes professores – de primeira linha, como o Pe. Galot, Pe. Latourelle, Pe. Alfaro e muitos outros famosíssimos – mas Mons. Giussani era diferente.

E a diferença consistia no fato que no relacionamento com ele eu podia experimentar as grandes coisas do Cristianismo.

Era o encontro com uma autoridade, com alguém que me permitia viver a beleza do Cristianismo: não uma doutrina, não teorias, mas algo que tinha a ver com a realização da minha humanidade, da minha pessoa. Pe. Giussani me comunicava o método como as grandes verdades do Cristianismo se tornam carne.Era o encontro e o relacionamento com uma humanidade fascinante e apaixonada ao meu destino.

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“Minha entrada no Movimento foi o encontro com Dom
Giussani! O relacionamento com ele me facilitava o
encontro com Cristo.”

No encontro com Mons. Giussani se tornava atual para mim a experiência que os apóstolos faziam com Jesus. E a coisa extraordinária é que esta mesma experiência continua, mais intensa do que nunca, para mim hoje, quando o Senhor o chamou junto de Si.

AE: Como o senhor e o Pe. Renzi vieram para o Brasil?

Dom Filippo: A coisa foi bem simples. Num congresso em Roma, Mons. Giussani encontrou-se com o Cardeal Dom Eugênio Sales, então Arcebispo do Rio de Janeiro. Ao ouvir dele que o Movimento Comunhão e Libertação estava já instalado em várias cidades brasileiras, o Cardeal lhe disse: “Na próxima vez que você for ao Brasil, faça-me uma visita no Rio”. Mons. Giussani veio ao Brasil em dezembro de 1983 e fez a visita ao Cardeal. Eram tempos tumultuados, havia confusões, estava-se na fase aguda da Teologia da Libertação. Disse-lhe o Cardeal: “Mande-me um sacerdote para dar aulas na Pontifícia Universidade Católica; um sacerdote de confiança, com doutrina segura e que saiba trabalhar com jovens universitários”.

AE: Mons. Giussani, então, escolheu o homem certo…

Dom Filippo: Ele me convidou. Há uma história bem comprida atrás disso, mas vamos nos limitar ao essencial. Eram decorridos já doze anos desde o meu primeiro encontro com Mons. Giussani, e o Movimento Comunhão e Libertação tinha crescido, e eu cresci em responsabilidade no Movimento. Era responsável regional da Apulia, no sul da Itália.

Na ocasião, eu tinha preparado um grande encontro regional da Fraternidade do Movimento. Estando eu apresentando algumas questões, Mons. Giussani me interrompeu, perguntando: “Você iria com prazer para o Brasil, e já?” Dei resposta afirmativa e ele explicou que quando um Bispo faz um pedido, é um pedido da Igreja, e é mais importante atender ao pedido do Bispo do que cuidar dos nossos próprios projetos. “Seria bom – acrescentou ele – que nós saíssemos todos em missão, que nós esvaziássemos a bota da Itália, e fôssemos missionários”.

AE: Uma bela atitude…

Dom Filippo: Então, vim para atender a um pedido do Cardeal Dom Eugênio Sales e o Pe Giuliano Renzi de Rimini viajou comigo. Foi muito bonito porque, com o tempo, a experiência cresceu e eu não perdi os amigos que tinha na Itália, mas ganhei novos amigos aqui.

AE: O senhor tem sido, durante vários anos, responsável de Comunhão e Libertação na América Latina. Que balanço faz dessa etapa?

Dom Filippo: O balanço me deixa cheio de gratidão por aquilo que o Senhor realiza servindo-se de nós, da nossa disponibilidade para chegar a tantos lugares. Quando substituí nesse cargo um grande sacerdote, o Pe. Francesco Ricci, o Movimento estava já estabelecido no Brasil, que era a experiência maior, na Argentina, Chile, Paraguai, Peru, Uruguai. Comecei, então, a abrir novas comunidades: Colômbia, Cuba, Equador, Panamá, São Domingos. Foi uma experiência de grande crescimento, respondendo aos convites que recebíamos. Sobretudo, quando se tratava de atender ao pedido de um Bispo, porque nossa paixão era, e é, servir à Igreja.

AE: E agora, como Bispo de Petrópolis, em que medida o carisma e a formação recebidos em Comunhão e Libertação enriquecem sua função pastoral?

Dom Filippo: Em primeiro lugar, quero dizer que quem me despertou mais a consciência da minha dignidade episcopal foi Mons. Giussani. Lembro- me da primeira vez que o encontrei, em Milão, depois de ser nomeado Bispo. Logo que me viu, ele se atirou de joelhos na minha direção e me disse: “Antes de tudo, me dê a sua bênção de pai!” Eu me retraía: “Ma no!… no, no!” Aí me dei conta da dignidade da sucessão apostólica que ele reconhecia mais do que eu.

Não vejo nenhuma dificuldade em ser Bispo e, ao mesmo tempo, pertencer ao Movimento Comunhão e Libertação, pois ele me desperta à riqueza do episcopado. Pertencer ao Movimento é uma forma de ficar dentro do coração da Igreja e de aí apreciar todo o valor da sucessão apostólica, que é um dom especial do Espírito para a construção da Igreja. É um carisma fascinante que tem como objetivo educar as pessoas a aderir a Cristo e a amar a Igreja. Viver o Movimento é como um estilo de viver na Igreja. Trata- se de um carisma dentro da instituição, totalmente finalizado à construção do Corpo vivo de Cristo. O Movimento me ajuda mais a valorizar todas as experiências que existem na Igreja: as experiências paroquiais, as pastorais, os novos movimentos; exalta a função própria do Bispo de abraçar a todos, de ser pai de todos.

AE: Da carta escrita por João Paulo II a Mons. Giussani por ocasião do 50º aniversário de CL, qual aspecto destacaria?

Dom Filippo: O aspecto central que o Papa destaca nesta carta autógrafa por ele escrita a Mons. Giussani é que “o Movimento Comunhão e Libertação quis e deseja indicar não um caminho, mas o Caminho para alcançar a solução deste drama existencial. O caminho – quantas vezes V. Rev.ma o afirmou – é Cristo”. E este é o ponto: indicar, e não um caminho, mas O caminho no meio de tanta confusão do mundo, e, muitas vezes, de tanta incerteza na Igreja.

Outro aspecto muito importante é a dimensão pedagógica, a capacidade de educar os jovens. Ele deixou de ser professor no seminário, com uma carreira teológica brilhante, e foi dar aulas nas escolas públicas de Milão. Exatamente pela paixão de fazer com que os jovens encontrassem a Cristo. Então, tornou-se um grande educador, com capacidade de valorizar a riqueza que está no coração do homem e facilitar o contato deste coração com a presença de Cristo. Por isso o Papa acentua o fato de que ele formou várias gerações.

A carta ressalta também a construção de obras que nascem da fé, obras que são, também aqui no Brasil, escolas, creches nas favelas, projetos sociais de grandes proporções em Novos Alagados de Salvador, em Belo Horizonte, no Rio, em São Paulo, em Manaus. Quer dizer, uma obra que manifesta a paixão do Senhor pela felicidade das pessoas, por compartilhar a condição dos mais pobres e seu sofrimento a partir da experiência da fé.

AE: Quais os valores da alma de Mons. Giussani que mais enriqueceram a Igreja?

Dom Filippo: O magistério de Mons. Giussani pode ser com certeza comparado ao magistério de um dos Padres da Igreja, porque é de uma profundidade, de um fascínio extraordinário.

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“O movimento me ajuda a valorizar todas as experiências que
existem na Igreja; exalta a função própria do bispo de
abraçar a todos, de ser pai de todos”.

O primeiro aspecto é a defesa da razão. Parece que não tem nada a ver com a Fé, mas é importante. Num tempo no qua

l se exaltou a razão, depois não se acreditou mais em nada, num tempo de uma cultura toda relativista, ou niilista, ele diz: “A razão é o bem precioso do homem; mais ainda, é constitutiva do coração do homem”. E por que o “sim” a Cristo? Porque Cristo é Aquele que salva a razão e o meu coração. A razão abandonada, sozinha, se torna cega, se perde no caminho. Cristo é a salvação da razão, da inteligência, do amor, da capacidade construtiva, da pessoa e da sociedade.

Quando o Papa João Paulo II lançou sua primeira Encíclica, a Redemptor Hominis, na qual apresenta “Cristo como centro do Cosmos e da História” lembro-me de que Mons. Giussani vibrou: “É isso! Nós sempre quisemos dizer que Cristo é o centro da realidade! É a beleza feita carne. É a resposta à exigência de verdade, de justiça, de liberdade do coração do homem e da realidade toda”. Então, um reconhecimento de Cristo entendido como fato, como acontecimento presente que nos toca e nos abraça agora; não apenas a defesa das conseqüências do Cristianismo – como os valores, a moralidade, a cultura, a fraternidade, a paz etc. – mas a própria pessoa de Cristo. O que nós temos de mais caro? É a própria pessoa do Verbo feito carne, presente agora. É Cristo como fato que pode ser vivido, experimentado na comunhão da Igreja, na comunhão dos cristãos. Esta é a grande novidade da História: a presença de Cristo como fato afetivamente atraente que interessa e surpreende a minha humanidade.

E outro aspecto muito claro em Mons. Giussani é o que ele chama de “ecumenismo”, entendido como a valorização de todo o positivo que se encontra na realidade e a abertura a cada semente da verdade presente na História. Assim da Fé nascem um juízo novo sobre todas as coisas, uma afeição verdadeira pelo destino do homem e um desejo irresistível de que todos conheçam Cristo.

(Revista Arautos do Evangelho, Abril/2005, n. 40, p. 12 à 15)

 
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