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Palavra dos Pastores


O cristão está sempre em luta
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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A Eucaristia não é o lugar do repouso espiritual ou o espaço da tranquilidade psicológica que leva o cristão a se esquecer dos problemas cotidianos. É, sim, o lugar privilegiado do encontro com Jesus Cristo vivo com seus traços autênticos, conforme nos apresentam as Escrituras e a Tradição.

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana e Presidente na CNBB

No trecho que nos foi proclamado, o Evangelista Lucas reúne vários ditos de Jesus, pronunciados em contextos diversos, sobre sua missão, preparando assim a seção seguinte sobre a urgência de nos decidirmos por Ele.

Fogo divino que devora todas as coisas do mundo

O fogo será aceso por Jesus em sua Paixão. Entramos na profundidade do ânimo de Jesus que assim nos fala de Sua missão: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12, 49). Pode-se entrever nessa afirmação uma referência ao julgamento de Deus, numa imagem tomada dos profetas. O juízo parece ser o fogo que afastará os que não são destinados ao Reino.

Segundo Santo Ambrósio (In Luc., 7, 132, 135s), não se trata certamente do fogo que consome os bons, mas do fogo que suscita a boa vontade, que torna melhores os vasos de ouro da casa do Senhor, consumindo o feno e a palha (cf. I Cor 3, 12). Esse fogo divino devora todas as coisas do mundo acumuladas pela volúpia, queima as obras efêmeras da carne, e é o mesmo fogo que inflamava os ossos dos profetas, como diz Jeremias: “Era em meu coração como um fogo devorador, encerrado em meus ossos” (Jr 20, 9). É, na verdade, o fogo do Senhor, a respeito do qual está escrito: “Um fogo arderá diante dele” (Sl 96, 3).

“Quem não está comigo, está contra Mim”

O próprio Senhor Se apresenta como o fogo que queima e não se consome (cf. Ex 3, 2; 24, 17). O fogo do Senhor é de fato a luz eterna, e é nesse fogo que se acendem as lâmpadas das quais se diz: “Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas” (Lc 12, 35). A lâmpada é necessária porque os dias desta vida são como noite, conclui Santo Ambrósio.

Mas, a imagem do fogo pode ser também uma referência ao dom do Espírito Santo, concedido àqueles que aceitam o Cristo. Isso causa divisão, como em outro lugar diz o Senhor: “Quem não está comigo está contra Mim; quem não recolhe comigo, dispersa” (Mt 12, 30). E Jesus nos interpela: “Vós pensais que Eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, Eu vos digo, vim trazer divisão” (Lc 12, 51).

Esta afirmação não está em contradição com o que Ele mesmo diz: “Eu vos deixo a paz, Eu vos dou a minha paz” (Jo 14, 27). O que Jesus não tolera é uma paz obtida a qualquer preço. Ele não nos traz o repouso tranquilo do status quo, mas a espada que divide: de um lado, estão os acomodados e, de outro, os que se colocam na luta pelo Reino: “Daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a sogra” (Lc 12, 52).

O encontro com Jesus nos interpela

O cristão está sempre em luta. A mensagem de Jesus não é como água morna. Sua proposta nos desafia. Seu convite a seguirmos Seus passos nos desinstala. O encontro com Ele nos interpela, pois, Seu Evangelho não é inócuo nem como um verniz que só atinge as aparências.

Por isso a oração cristã, de modo especial a celebração litúrgica, não é algo anticéptico, imunizado de qualquer contato com os conflitos da vida, distante da dura realidade de cada dia. A Eucaristia não é o lugar do repouso espiritual ou o espaço da tranquilidade psicológica que leva o cristão a se esquecer dos problemas cotidianos. É sim o lugar privilegiado do encontro com Jesus Cristo vivo com seus traços autênticos, conforme nos apresentam as Escrituras e a Tradição que a Igreja transmite com fidelidade ao longo dos séculos.

A divisão se supera com o amor

Referindo-Se à Sua iminente Paixão, na qual será imerso, Jesus afirma: “Devo receber um batismo e como estou ansioso até que isso se cumpra!” (Lc 12, 50). Esta imagem, proveniente do Antigo Testamento, (especialmente como aparece no Salmo 124, 4-5), indica a profundidade da tristeza, da angústia e do sofrimento que o Filho do Homem deverá experimentar.

Mas, o próprio Senhor nos revela que a divisão se supera com o amor. Ele paga o mal com o bem; retribui o ódio com o perdão; vence a morte com a Ressurreição. Este mistério se faz presente na Eucaristia que celebramos. Aqui se realiza de forma sacramental o que diz o Apóstolo Paulo: “Ele derrubou o muro da inimizade, estabelecendo a paz no sangue de sua Cruz” (cf. Ef 2,14.16).
Amém!

(Homilia na Celebração de encerramento da reunião do Conselho Permanente da CNBB, 22/10/2009)

(Revista Arautos do Evangelho, Dez/2009, n. 96, p. 38-39)

 
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