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Contos Infantis


Vigiai e orai…
 
AUTOR: MARIA CRISTINA LISBÔA MIRANDA
 
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Muito se engana quem pensa que só os maus são espertos. A verdadeira piedade aguça a inteligência, faz desabrochar todas as qualidades do homem, e nos obtém o socorro do Céu.

Na pequena cidade bretã de Tréguier, na França, está sepultado o grande Santo Ivo, sacerdote, venerado como o “Advogado dos Pobres”. Faleceu ele em 1303 e foi canonizado em 1347. Seu túmulo tornou-se centro de peregrinações.

O ano de 1403 – em que se passa nossa história – foi de grande movimentação em Tréguier, todos comemorando com júbilo o primeiro centenário da entrada de Santo Ivo na glória celeste.

Passados os dias de festa, a população local retoma sua vida rotineira. Caía a tarde, dois cavaleiros entram na praça da Catedral e estacam diante de uma ampla casa cuja fachada ostentava uma artística insígnia com o seguinte título: “Pousada Santo Ivo das Duas Espadas”.

– A dona da Pousada está? – pergunta um deles.

– Sim, senhor, é com ela própria que falais. Chamo-me Teresa, às vossas ordens!

– Somos honrados negociantes de pedras preciosas. Queremos hospedagem por alguns dias. Meu nome é Marción e meu sócio se chama Nicanor.

– Sede bem-vindos à terra de Santo Ivo! Vou mandar acomodar vossas montarias e preparar-vos dois belos aposentos e uma boa refeição.

Enquanto atendia assim os dois forasteiros, Da. Teresa examinava-os atentamente. Embora com menos de 35 anos, tinha já uma grande experiência da vida. Com a morte repentina de seu marido, poucos anos antes, assumira corajosamente o comando da Pousada e o cuidado dos oito filhos menores. Habituada, já no primeiro contato, a fazer o “raio-X” das pessoas com as quais tratava, observara bem aqueles “honrados negociantes”, concluindo que seria prudente desconfiar de suas boas intenções.

Por sua vez, os dois recém-chegados examinaram com atenção sua interlocutora e a casa. Os arranjos, o grande crucifixo entronizado no salão, as numerosas imagens da Virgem e dos Santos – tudo ali denotava vida de piedade e devoção.

– Grande negócio à vista, hein, Marción!

– Sim, não falha! Ela é uma “beata”, portanto, deve ser uma tola. O negócio aqui vai ser fácil. Basta sermos bem espertos, cada vez mais espertos, certo?

– Claro! Para os bobos, os sermões e procissões. Para nós, os lucros…

Após se instalarem, os dois desceram para o restaurante, onde lhes foi servido um bom jantar. Antes de se recolherem, pediram para falar com a dona da Hospedagem. Disse-lhe Marción:

– Queremos que nos guarde em vosso cofre esta caixa, na qual estão nossas mais valiosas pedras!

– Perfeitamente, temos um cofre forte e seguro.

– Mas, não me tome a mal se pedir uma garantia – insistiu o hóspede.

– Sim, tendes todo o direito. Dizei-me qual deve ser essa garantia.

– Que só entregueis esta caixa a qualquer um de nós na presença do outro, pois este é o único meio de evitar… digamos assim, desavença entre nós dois. É uma importante medida cautelar, para não serdes vós mesma responsabilizada por alguma… alguma má ocorrência, entendeis?

– Entendido! Bom descanso, senhores.

A dona da Pousada foi guardar no cofre a preciosa caixa, os dois hóspedes dirigiram-se para seus quartos.

No dia seguinte, de manhã, pediram a Da. Teresa para trazer-lhes a caixa, retiraram as pedras que julgaram convenientes e saíram para seus negócios. Ao cair da tarde, retornaram satisfeitos e foram juntos solicitar novamente a caixa, na qual depositaram seus valores.

Passou-se assim uma semana, seguindo sempre essa mesma rotina.

Certo dia, Nicanor desceu sozinho, comunicou que desejava pagar as despesas de hospedagem, pois iriam partir para outra cidade. Da. Teresa fez as contas e lhe passou a nota. O comerciante abriu a bolsa e começou a contar moedas de ouro e prata.

– Meu sócio já vai descer. Não podeis já ir buscar a caixa, para entregar quando ele chegar?

Ouvindo os passos do outro no corredor em cima, a hospedeira não hesitou em abrir o cofre, tirar a caixa e depositá- la sobre a mesa. Nicanor, sorridente, pôs-lhe nas mãos a quantia da despesa e pediu um recibo. Da. Teresa foi ao armário, a dois metros, para pegar tinteiro e papel… quando voltou percebeu que estava sozinha na sala.

Em poucos segundos, o “honrado negociante” tinha desaparecido com a valiosa caixa de pedras preciosas!

Logo percebeu ela a armadilha que lhe haviam preparado os dois facínoras: Marción certamente iria reclamar em juízo indenização pela metade das pedras preciosas… Ela talvez tivesse que vender todos os seus bens, ficando reduzida à

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Dona Teresa observava com desconfiança aqueles dois
“honrados negociantes” …

indigência! Mas a Da. Teresa, mulher de vigilância e de oração, não faltava coragem nem presença de espírito. Ergueu à Protetora dos Cristãos e a Santo Ivo, padroeiro dos advogados, uma ardorosa prece, e traçou num relance seu “plano de combate”.

Entrando na sala, o outro bandido cumprimentou-a sorridente, como de costume, e manifestou surpresa por não ver lá seu sócio.

– É, eu achei estranho… ele saiu de modo inesperado, sem nada dizer, acho que não deve demorar. Enquanto aguardamos sua volta, dai-me licença de ir à cozinha tomar umas rápidas providências.

Dito isto, retirou-se, não para a cozinha, mas para a Capela da Pousada.

De joelhos diante da imagem de Santo Ivo, implorou fervorosamente sua ajuda.

Houve algum milagre? Não se sabe… O certo é que Da. Teresa sorriu e saiu confiante, sentindo uma mensagem gravada em sua alma.

Chamou o capataz da cavalariça e deu-lhe breves explicações, concluindo:

– Sigam, pois, a indicação que me deu Santo Ivo: vão a todo galope pela estrada de Saint-Brieuc, para agarrar o ladrão na Gruta do Trigal, onde estará escondido.

Retornando à sala, disse-lhe Marción, com um sorriso desdenhoso:

– Bem, senhora, já que meu sócio, pelo visto, desapareceu, peço trazer-me a caixa com as jóias, confiada aos vossos cuidados.

– Ah, senhor, isso nunca! Assumi o compromisso de trazê-la apenas quando os dois estejam presentes. Tereis de aguardar a chegada de vosso companheiro.

Por esta o farsante não esperava! Então dessa beata, dessa rezadeira de intermináveis “rogai-por-nós”, quem poderia esperar tamanha sagacidade? Na incerteza, resolveu sondar o terreno:

– Podeis, pelo menos, abrir o cofre, para provar que a caixa lá está?

– Acaso, desconfiais de vosso sócio?…

– Senhora! Não se brinca com um negociante experimentado como eu. Ou abris já o cofre, ou irei imediatamente fazer uma denúncia ao juiz.

– Esperai um pouco mais, senhor, Nicanor logo chegará… trazido pela polícia.

– Polícia?!…

– Isto mesmo! A polícia judiciária partiu a galope para pegá-lo na Gruta do Trigal, onde estaria à vossa espera, conforme havíeis combinado.

Ouvindo isto, o larápio percebeu que todo o plano estava descoberto. Inútil seria qualquer nova artimanha. Deixou-se ficar ali, passivo, aguardando os acontecimentos. Pouco tempo depois, entraram os policiais, trazendo Nicanor bem algemado. Sentindo-se já encarcerado para o resto da vida, Marción só teve força para indagar, confusamente:

– Como?… como descobristes tudo tão depressa?

– Fiz o que Jesus ensinou: vigiei, orei e agi. A verdadeira piedade aguça a inteligência e faz desabrochar todas as qualidades. Sobretudo, nos obtém o socorro do Céu. Rezei a Santo Ivo, ele me atendeu. No calabouço, não vos faltará tempo para meditar sobre vossa má vida. Tirai bom proveito para a salvação de vossa alma. ?

(Revista Arautos do Evangelho, Nov/2004, n. 35, p. 44-45)

 
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