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Palavra dos Pastores


Por amor a Deus, cuidar dos doentes com amor de mãe
 
AUTOR: JOSÉ MESSIAS LINS BRANDÃO
 
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Com que amor e carinho uma boa mãe cuida de seu filho único, quando ele está enfermo? Esta é a medida da dedicação recomendada por São Camilo de Léllis a seus religiosos, a serviço dos doentes nos hospitais.

ENTREVISTA COM O PROVINCIAL DA ORDEM DOS CAMILIANOS

José Messias Lins Brandão

É bonito ver como as diversas Instituições religiosas formam um caleidoscópio, um maravilhoso e harmônico conjunto, que cobre de esplendor a Igreja Católica. Entre elas, brilha com especial fulgor a Ordem dos Ministros dos Enfermos, mais conhecida como Ordem dos Camilianos.

Fundada em 1582 por São Camilo de Léllis, espalhou pelo mundo sua benéfica atuação. Seu fundador foi canonizado em 1746 e proclamado Padroeiro dos Enfermeiros e das Enfermeiras em 1930.

Além dos três votos comuns a todas as ordens e congregações religiosas – pobreza, obediência e castidade -, os Camilianos fazem um quarto: o de cuidar dos doentes com amor de mãe, e mesmo com risco da própria vida, nos casos de doença muito contagiosa.

O Pe. João Maria, Superior Provincial da Ordem no Brasil, revela a nossos leitores interessantes detalhes a respeito desta providencial obra, que desde sua fundação se destaca pela dedicação heróica no serviço dos enfermos.

Arautos do Evangelho: Qual a origem desse quarto voto?

Pe. João Maria: Ele foi instituído por nosso Fundador em vista, sobretudo, das grandes epidemias. A Ordem Camiliana nasceu numa época de grandes epidemias.

Conta-se que, certo dia, São Camilo e seus filhos espirituais dirigiam-se a Nápoles, onde estava grassando a peste negra. Perguntaram-lhes:

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 Pe. João Maria dos Santos recebeu os Arautos do
Evangelho em seu escritório, na Casa Provincial

– Aonde vão vocês?

– A Nápoles.

– Vocês não sabem que todo mundo está fugindo de lá por causa da peste?

– Pois é… É por causa da epidemia que estamos indo…

AE: Deve haver muitos Camilianos que morreram heroicamente nessa sublime missão. O senhor podia nos dar algum exemplo?

Muitos dos nossos morreram por contágio, são até chamados os mártires da caridade. Tivemos também heróis no ministério sacerdotal, nas grandes missões. Um deles, o Pe. Pedro Marielùz Garcés, é um “mártir do confessionário”. Durante a luta pela independência do Peru, ele fez um trabalho muito bonito com os presos políticos. Intimado pelas autoridades a revelar o que os presos diziam, ele recusou firmemente, pois, como sacerdote, nunca poderia revelar um segredo de confissão. Por isso foi fuzilado em praça pública.

AE: Como nasceu em São Camilo essa vocação?

PJM: Podemos dizer que se trata de uma vocação adulta. São Camilo, já pelos 25 anos, órfão de pai e mãe, recebeu apoio dos padres capuchinhos. Chegou até a ser noviço capuchinho. Mas adoeceu e foi internado no Hospital do Santo Espírito, em Roma, a fim de tratar-se para depois voltar à vida conventual. Os desígnios de Deus, porém, eram outros. Ele viu os doentes tão necessitados de apoio e de um carinho especial que, por inspiração divina, quis formar um grupo de jovens piedosos para cuidar deles com amor de mãe. No começo, não era sua intenção fundar uma Ordem religiosa. Mas o trabalho foi tão benéfico que deu origem à Ordem dos Ministros dos Enfermos.

AE: O senhor podia aprofundar a explicação do carisma?

PJM: São Camilo, ao fundar o Instituto, tomou o trecho do Evangelho de São Mateus em que diz: “Estive enfermo e me visitastes” (25,36).

Vendo no doente a imagem do Cristo sofredor, ele se colocou na presença dos doentes como quem faz o possível, e muitas vezes até o impossível, para aliviá-lo. Uma frase que ele repetia aos seus filhos espirituais, sobretudo nos momentos de decepção, era: “Mais coração nas mãos, irmãos!” Ele incentivava cuidar do doente como se fosse uma mãe cuidando do seu único filho. Para ele não existia doente pobre, doente rico, doente isso, doente aquilo. Todos precisam desse carinho, dessa atenção.

AE: Normalmente os Fundadores, por seus sofrimentos, obtêm graças para os filhos espirituais que virão depois. Como foi isso na vida de São Camilo?

PJM: Ele teve muitos sofrimentos, foi vítima de muitas incompreensões. E foi ali mesmo, no hospital, que as provações começaram a surgir. São Camilo via a necessidade de uma intensa vida de oração dentro do hospital, pois sem isso – pensava ele – não se podia dar um tratamento apropriado aos doentes. Construiu então, perto dos leitos dos enfermos, uma capelinha, onde todos os jovens enfermeiros, antes de seu trabalho, entravam em oração e em comunhão com Deus.

Mas o administrador do hospital, num ímpeto de raiva, destruiu a capela e disse: “Se vocês querem rezar, não faltam igrejas em Roma! Não é preciso fazer uma capela aqui”. Nosso Fundador pegou o crucifixo jogado ao chão e o levou para sua casa, muito decepcionado com essa incompreensão. Então, pensou: “Não vou levar à frente essa obra, porque quem deveria me apoiar não está me apoiando. Vejo que isso não vai para frente”. Mas ele teve uma visão mística, sentindo o crucifixo dizer para ele: “Avança, pusilânime! Essa obra não é tua, é minha”.

AE: E como ele se decidiu a ser sacerdote?

PJM: Esta foi outra de suas muitas provações. Ele não tinha a intenção de ser padre, queria ser enfermeiro para cuidar dos doentes, e não se julgava digno de ser sacerdote. Porém, para levar avante aquela sociedade de jovens piedosos, era necessário que eles se tornassem padres. Aí entraram os jesuítas, seus diretores espirituais, que mais tarde o encaminharam para um outro grande santo, São Felipe Néri. Todos esses incentivavam-no para que ele se fizesse padre, argumentando: “Se você for sacerdote, fica mais fácil pedir ao Papa a aprovação de sua obra; sendo um simples leigo, é muito difícil”. Por isso, ele começou a estudar teologia, etc., até poder ser ordenado. São os desígnios de Deus: de certa forma, a Providência Divina o levou a ser sacerdote para melhor tratar dos doentes na sua parte espiritual.

AE: Além de São Camilo, quais outros Camilianos receberam a honra dos altares?

PJM: O Beato Luís Tezza, Fundador da Província Camiliana da França e das Filhas de São Camilo, e o Beato Henrique Rebuschini, da Província de Verona, um grande capelão.

Temos também duas irmãs beatificadas: a Fundadora das Filhas de São Camilo, Madre Josefina Vaninni, e a das Ministras dos Enfermos de São Camilo, Madre Maria Barbantini.

AE: Há algum que se tenha destacado no Brasil?

PJM: Em nossa Pátria, o Pe. Novarino Brusco que, desde a fundação de Brasília até falecer, esteve atendendo os doentes no Hospital de Base. Era chamado “o anjo da caridade”. Quando morreu, eu era superior da casa de Brasília, e também pároco. Eu o sepultei dentro da igreja paroquial, por causa do afeto do povo para com ele.

E temos muitos outros heróis, em terras de missão, na África, na Índia e em tantos lugares. Houve os que foram contaminados com doenças graves, os heróis anônimos. Vemos neles um grande testemunho, para incentivar os mais jovens a abraçarem essa causa que não é só de São Camilo, mas de toda a Igreja.

AE: Como a Ordem veio para o Brasil?

Dom Silvério, Bispo de Mariana, esteve em Roma na visita ad limina, e lá adoeceu, foi hospitalizado no Hospital San Giovanni Laterano, onde os Padres Camilianos são capelães. Ele, vendo aquele trabalho, convidou-os a virem para a diocese de Mariana.

A proposta foi feita, e dois padres e um irmão se dispuseram a vir para o Brasil. Ao chegarem, Dom Silvério havia morrido. O sucessor dele não possuía nada por escrito a respeito dessa vinda, e não os aceitou lá. Os padres estavam hospedados com os Salesianos, e estes lhes aconselharam: “Vão para São Paulo, porque lá o arcebispo com certeza vai acolhê-los”.

Realmente, Dom Duarte os recebeu com muito carinho, e lhes deu a capelania da Santa Casa. Em seguida, doou-lhes um grande terreno na Vila Pompéia, com uma capelinha de Nossa Senhora do Rosário. E assim eles começaram a vida, em 1923.

AE: No Brasil, os Camilianos têm muitas vocações?

Sao Camilo de Lellis.JPG
São Camilo de Lellis via nos doentes a
imagem de Cristo Sofredor

 

Aqui elas sempre foram numerosas, desde a chegada dos padres em 1922. Em 1945 já era província, com uma maioria de padres brasileiros. E ainda estamos com nossos seminários praticamente cheios. Hoje temos 15 teólogos, mais 30 filósofos e outros 30 estão terminando o segundo grau, mais uns 15 no propedêutico. Como fruto desse trabalho, temos padres brasileiros na Bolívia, também em Roma, e tivemos um Superior Geral brasileiro, do fim da década de 60 até 80, o Pe. Calixto Vendrame.

AE: E o senhor, como teve a idéia de abraçar a Ordem Camiliana?

Desde criança, eu via o bom exemplo do Padres Salvatorianos em minha cidade, Barbalha, no Ceará. Estudei com eles, fiz o curso de auxiliar de enfermagem com as Irmãs de São Bento e trabalhei muitos anos no seu hospital. Quando conheci os camilianos, juntou-se a vocação sacerdotal ao campo da saúde. Entrei na Ordem e aqui estou.

AE: Pode contar-nos algum fato marcante de sua vida?

PJM: Quando trabalhava no hospital das Irmãs de São Bento, nos fins de semana fazíamos a pastoral da saúde nas casas. Aconteceu, então, um fato que me deixou muito triste. Um senhor pediu para confessar-se. Embora sua doença não parecesse grave, ele insistiu: “Eu gostaria de me confessar hoje”. Mas o padre, sozinho naquela ocasião, realmente não podia ir. Quando, no dia seguinte fui avisar o padre, o homem já havia morrido. Ele quis confessar-se antes, porque sabia que ia morrer. Aquilo me fez crescer mais na minha vocação: “Por que não ser padre para atender os doentes?” Naquele momento tão difícil eu podia ter estado ao lado dele. Então, hoje, eu deixo qualquer coisa para atender um doente, porque não sei se ele estará vivo amanhã.

AE: E algum fato marcante da Ordem?

PJM: Destaco dois. Numa ocasião em que a Ordem estava sendo dizimada por uma grande epidemia, o Superior Geral convocou um capítulo extraordinário para consagrá-la a Nossa Senhora, e daí para frente ela começou a reflorescer. Essa consagração, nós a renovamos todo dia 8 de dezembro.

São Camilo teve como empenho e como missão a obediência ao Santo Padre. Na verdade, era a Santa Sé que enviava os religiosos para qualquer lugar do mundo. No princípio, nossa Ordem era uma espécie de prelazia pessoal do Papa. Hoje nós continuamos, é claro, a cultivar o respeito ao Santo Padre.

(Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2004, n. 32, p. 12 à 14)

 
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