Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Palavra dos Pastores


Santuário do amor e da vida
 
AUTOR: D. JOAQUIM MENDES
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
0
0
 
É necessário fazer com que as famílias do nosso tempo recuperem a esperança e a confiança em si mesmas e em Deus.

D. Joaquim Mendes
Bispo Auxiliar de Lisboa

No Domingo dentro da oitava do Natal a Igreja celebra a Festa da Sagrada Família.

Ela convida-nos a contemplar a Família de Jesus e a descobrir nela um modelo e um estímulo para as nossas famílias.

Os textos bíblicos recordam-nos alguns valores perenes que fazem parte do patrimônio moral e espiritual da família, bem como a experiência da família de Nazaré que, como tantas famílias do nosso tempo, passam por momentos difíceis e obscuros na sua vida.

O texto bíblico do livro de Ben- Sirá, também conhecido como livro de Siracide ou do Eclesiástico, (nome que deriva da sua frequente utilização na catequese das comunidades eclesiais, escrito no início do século II ano 132 antes de Cristo) na descrição das virtudes que devem acompanhar a sabedoria, um agir sábio, justo e moral coloca o amor para com os pais.

Podemos considerar este texto como um belo comentário ao quarto mandamento da lei de Deus, que manda “honrar pai e mãe”.

img_pastori.jpg
“A família, santuário do
amor e da vida, existe
para que cada pessoa
possa ser amada por
si mesma, e aprenda
a dar-se e a amar.”
 “Sagrada Família” –
Mosteiro dos
Jerónimos, Lisboa

O verbo “honrar”, biblicamente, indica amor, ajuda concreta, respeito. Este amor, esta ajuda e este respeito devido aos pais estende-se até à velhice e a todas as situações, mesmo na sua degeneração física e mental.

“Honrar os pais”: reconhecer a sua importância como mediadores de Deus

“Honrar os pais” significa reconhecer a sua importância como mediadores de Deus, no dom da vida. É a eles que devemos a existência, e esta é um ato de amor, de generosidade, de acolhimento da vida, dom de Deus.

O reconhecimento de que os pais são a fonte, através da qual Deus dá a vida, deve conduzir à gratidão, traduzida em amor, afeto, solicitude, proximidade, gestos e atitudes que o autor sagrado explicita, como amparar os pais na velhice, não os desprezar nem abandonar; assisti-los materialmente, para quer nada lhes falte; não os desgostar ou entristecer; escutá-los, tendo em conta as suas orientações e conselhos fundados na experiência e na sabedoria adquirida ao longo dos anos; ser indulgentes para com as suas limitações devidas à doença, aos achaques e à idade.

O autor sagrado diz que aquele que “honra” os pais será copiosamente abençoado por Deus: “acumula um tesouro”, “alegrar-se-á nos filhos”, “será atendido na sua oração”, “terá longa vida”. “O bem que é feito aos pais não será esquecido

Há muitos pais que, embora vivos, estão mortos para os filhos

Estas recomendações tão sábias e justas são um grito profético para alguns filhos da sociedade do nosso tempo, para o seu egoísmo, ingratidão, indiferença em relação aos pais que lhes deram a vida, se sacrificaram, sofreram e amaram, deram o seu melhor e agora se sentem sós, numa solidão dolorosa, abandonados, esquecidos e até muitas vezes, explorados nos magros recursos que têm para sobreviver.

Não há nada que o justifique: nem as ditas exigências da vida de hoje, nem a mobilidade na vida profissional, nem as múltiplas ocupações, nada, apenas a falta de amor, a gratidão. É a morte pelo esquecimento. Alguém escreveu: “Os mortos são realmente tais quando morrem na recordação dos vivos” (Oliveira Santos). Infelizmente há muitos pais que, embora vivos, estão mortos para os filhos.

Esta página traz-me à mente o quadro das centenas dos sem-abrigo com quem me encontrei no domingo passado e as confidências e desabafos amargos de tantos idosos.

O esquecimento e abandono a que estão votados são verdadeiramente dolorosos e de grande injustiça por parte não só dos filhos, mas de uma sociedade que ajudaram a construir e de que a população activa de hoje usufrui.

O texto bíblico é uma advertência não só aos filhos, mas a toda uma sociedade e cultura marcada pela indiferença, carente de humanismo, de justiça, de valores éticos e morais, que não nos devia deixar indiferentes.

É um apelo à valorização da cultura familiar permeada de amor, de afeto, de gratidão e de humanismo. A presença dos idosos numa família e numa sociedade não devia ser considerada uma questão incômoda e pesante, mas um valor de humanização, que deveria levar ao apreço e valorização da vida, em todas as suas fases, desde o nascimento até à morte.

(…)

A Igreja não pode renunciar ao grave dever de proclamar o Evangelho da família, santuário da vida e sede firme de esperança.

A realidade demonstra que quando se debilita e deforma a família, se pervertem as realidades humanas mais sagradas, surge o sofrimento e a falta de esperança e projeta-se uma sombra amarga de solidão sobre a história colectiva e sobre toda a vida social.

Família: a grande prioridade social no mundo

A família foi e não pode deixar de continuar a ser a primeira e grande prioridade social no mundo, onde se joga o futuro do homem e da sociedade.

Na existência do homem, nas suas alegrias, sofrimentos e esperanças, a família é determinante. É na família que cada um é reconhecido, respeitado e valorizado em si mesmo. É na família que o homem cresce e onde todos aprendemos a olhar e compreender o mistério da vida e a ser pessoas, ou seja, a relacionarmo- nos com Deus e com os homens de modo justo, adequado à verdade do nosso ser.

A família, santuário do amor e da vida, existe para que cada pessoa possa ser amada por si mesma, e aprenda a dar-se e a amar.

O empenho e o esforço em prol da família é, inseparavelmente, empenho e esforço em favor de uma nova geração capaz de edificar um mundo onde a vida seja acolhida, respeitada e cuidada com atenção. É também esforço e empenho para fazer possível uma nova época em que o amor seja puro e fiel e irradie alegria e beleza (Cf. Bento XVI, Homilia em Sidney, 20 Junho 2008).

Coração e célula da sociedade

É imprescindível recordar, afirmar e defender a importância da família como coração e célula da sociedade, como realidade básica para o desenvolvimento da personalidade humana e para o futuro da sociedade.

Todos estamos obrigados a promover e a fortalecer os valores e as exigências da família e ir para além do debate político, social e cultural, oferecendo e reafirmando a visão cristã da família, dentro do projeto de Deus.

Somos chamados a promover e a divulgar uma cultura cristã da família. É necessário fazer com que as famílias do nosso tempo recuperem a esperança e a confiança em si mesmas e em Deus, e remar contra a corrente de um derrotismo, desconcerto, medo de constituir família, por influência do relativismo, de meios e correntes de opinião ou legislações adversas.

Há que ajudar, estimular, alentar as famílias para que recuperem a realidade e vitalidade que lhes são próprias e mostrar-lhes que Deus colocou nelas possibilidades enormes, que podem contar com os meios da graça divina e que a Igreja está realmente com elas e as apoia com a sua solicitude materna e com todos os meios ao seu alcance.

Que a Sagrada Família abençoe e interceda por todas as famílias e por esta grande família que hoje aqui se reuniu para a celebrar e aprender com ele a ser fiel ao Senhor.

Homilia na Paróquia de Nossa Senhora dos Mártires Lisboa, 27 de Dezembro 2009

(Revista Arautos do Evangelho, Fevereiro/2010, n. 81, p. 38-39)

 
Comentários