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Artigo Terceiro: A Família
 
AUTOR: PAPAS
 
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I. A INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA

84. “Pois que o Criador de todas as coisas constituiu o matrimônio princípio e fundamento da sociedade humana”(Apostolicam Actuositatem, n. 11); a família tornou-se a “célula primeira e vital da sociedade”. A família possui vínculos vitais e orgânicos com a sociedade, porque constitui o seu fundamento e alimento contínuo mediante a sua função de serviço à vida: saem, de fato, da família os cidadãos e na família encontram a primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade. Assim por força da sua natureza e vocação, longe de fechar-se em si mesma, a família abre-se a outras famílias e à sociedade, assumindo a sua tarefa social. (Familiaris Consortio, n. 42)

85. A primeira e fundamental estrutura a favor da “ecologia humana”é a família, no seio da qual o homem recebe as primeiras e determinantes noções acerca da verdade e do bem, aprende o que significa amar e ser amado e, consequentemente, o que quer dizer, em concreto, ser uma pessoa. Pensa-se aqui na família fundada sobre o matrimônio, onde a doação recíproca de si mesmo, por parte do homem e da mulher, cria um ambiente vital onde a criança pode nascer e desenvolver as suas potencialidades, tornar-se consciente da sua dignidade e preparar-se para enfrentar o seu único e irrepetível destino. Muitas vezes dá-se o inverso; o homem é desencorajado de realizar as autênticas condições da geração humana, e aliciado a considerar a si próprio e à sua vida mais como um conjunto de sensações a ser experimentadas do que como uma obra a realizar. Daqui nasce uma carência de liberdade que o leva a renunciar ao compromisso de se ligar estavelmente com outra pessoa e de gerar filhos, ou que o induz a considerar estes últimos como uma de tantas “coisas”que é possível ter ou não ter, segundo os próprios gostos, e que entram em concorrência com outras possibilidades. É necessário voltar a considerar a família como o santuário da vida. De fato, ela é sagrada: é o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico. Contra a denominada cultura da morte, a família constitui a sede da cultura da vida. (Centesimus Annus, n. 39)

86. Mas o homem só é homem quando integrado no seu meio social, onde a família desempenha papel de primeira ordem. Este foi por vezes excessivo, em certas época e regiões, quando exercido à custa de liberdades fundamentais da pessoa. Os antigos quadros sociais dos países em via de desenvolvimento, muitas vezes demasiado rígidos e mal organizados, são ainda necessários por algum tempo, embora devam ir diminuindo o que têm de influência exagerada. Porém, a família natural, monogâmica e estável, tal como o desígnio de Deus a concebeu e o cristianismo a santificou, deve continuar a ser esse “lugar de encontro de várias gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social”(GS, n. 52). (Populorum Progressio, n. 36)

87. No seio do “povo da vida e pela vida”, resulta decisiva a responsabilidade da família: é uma responsabilidade que brota da própria natureza dela-uma comunidade de vida e de amor, fundada sobre o matrimônio e da sua missão que é “guardar, revelar e comunicar o amor”(Familiaris Consortio, n. 17). Em causa está o próprio amor de Deus, do qual os pais são constituídos colaboradores e como que intérpretes na transmissão da vida e na educação da mesma segundo o seu projeto de Pai (cf. GS, n. 50). (Evangelium Vitae, n. 92)

88. Núcleo originário da sociedade, a família tem direito a todo o apoio do Estado, para cumprir plenamente a sua missão peculiar. Por isso, as leis estatais devem ser orientadas para a promoção do seu bem estar, ajudando-a a realizar as tarefas que lhe competem. Perante a tendência, hoje cada vez mais insistente, de legitimar como sucedâneos da união conjugal, formas de união que, pela sua intrínseca natureza ou intencional transitoriedade, não podem de modo algum exprimir o sentido e assegurar o bem da família, é dever do Estado encorajar e proteger a autêntica instituição familiar, respeitando a sua fisionomia natural e os seus direitos congênitos e inalienáveis. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1994, n. 5)

II. MATRIMÔNIO

89. Segundo o desígnio de Deus, o matrimônio é o fundamento da mais ampla comunidade da família, pois que o próprio instituto do matrimônio e o amor conjugal se ordenam à procriação e educação da prole, na qual encontram o seu coroação (cf. GS, n. 50). (Familiaris Consortio, n. 14)

90. A sexualidade está ordenada para o amor conjugal entre o homem e a mulher. No casamento a intimidade corporal dos esposos se torna um sinal e um penhor de comunhão espiritual. Entre os batizados os vínculos do matrimônio são santificados pelo sacramento. “A sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com os atos próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente biológico, mas que diz respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Ela só se realiza de maneira verdadeiramente humana somente se for parte integral do amor com o qual homem e mulher se empenham totalmente um para com o outro até a morte”(…). “Os atos com os quais os cônjuges se unem íntima e castamente são honestos e dignos. Quando realizados de maneira verdadeiramente humana, testemunham e desenvolvem a mútua doação pela qual os esposos se enriquecem com o coração alegre e agradecido”(GS, n. 49). A sexualidade é fonte de alegria e de prazer: “O próprio Criador (…) estabeleceu que nesta função (isto é, de geração) os esposos sentissem prazer e satisfação do corpo e do espírito. Portanto os esposos não fazem nada de mal em procurar este prazer e em gozá-lo. Eles aceitam o que o Criador lhes destinou. Contudo os esposos devem saber manter-se nos limites de uma moderação justa”(Pio XII, Discurso, 1951). Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do matrimônio: o bem dos cônjuges e a transmissão da vida. Estes dois significados ou valores do casamento não podem ser separados sem alterar a vida espiritual dos casal sem comprometer os bens matrimoniais e o futuro da família. Assim o amor conjugal entre o homem e a mulher atende à dupla exigência da fidelidade e da fecundidade. (Catecismo da Igreja Católica, nn. 2360-2363)

91. A íntima comunidade de vida e de amor conjugal que o Criador fundou e dotou com Suas leis é instaurada pelo pato conjugal, ou seja, o consentimento pessoal irrevogável. Dessa maneira, do ato humano pelo qual os cônjuges se doam e recebem mutuamente, se origina, também diante da sociedade, uma instituição firmada por uma ordenação divina. No intuito do bem, seja dos esposos como da prole e da sociedade, esse vínculo sagrado não depende do arbítrio humano. Mas o próprio Deus é o autor do matrimônio dotado de vários bens e fins, que são todos de máxima importância para a continuação do gênero humano, para o aperfeiçoamento pessoal e a sorte eterna de cada um dos membros da família, para a dignidade, estabilidade, paz e prosperidade da própria família e da sociedade humana inteira. A instituição do matrimônio e o amor dos esposos estão pela sua índole natural ordenados à procriação e à educação dos filhos em que culminam como numa coroa. Por isso o homem e a mulher, que pelo pato conjugal, “já não são dois, mas uma só carne”(Mt 19, 6), prestam-se mutuamente serviço e auxílio, experimentam e realizam cada dia mais plenamente o senso de sua unidade pela união íntima das pessoas e das atividades. Essa união íntima, doação recíproca de duas pessoas, e o bem dos filhos exigem a perfeita fidelidade dos cônjuges e sua indissolúvel unidade. (Gaudium et Spes, n. 48).

92. Uma certa participação do homem no domínio de Deus manifesta-se também na específica responsabilidade que lhe está confiada no referente à vida propriamente humana. Essa responsabilidade atinge o auge na doação da vida, através da geração por obra do homem e da mulher no matrimônio, como nos recorda o Concílio Vaticano II: “O mesmo Deus que disse “não é bom que o homem esteja só”(Gn 2, 18) e que “desde a origem fez o ser humano varão e mulher”(Mt 19, 6), querendo comunicar uma participação especial na sua obra criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: “crescei e multiplicai-vos (Gn 1, 28)”(GS, n. 50). Ao falar de “uma participação especial”do homem e da mulher na “obra criadora”de Deus, o Concílio pretende pôr em relevo que a geração do filho é um fato não só profundamente humano mas também altamente religioso, enquanto implica os cônjuges, que formam “uma só carne”(Gn 2, 24), e simultaneamente o próprio Deus que Se faz presente. (Evangelium Vitae, n. 43)

III. FILHOS E PAIS

93. (É) quando da união conjugal dos dois nasce um novo homem, este traz consigo ao mundo uma particular imagem e semelhança do próprio Deus: na biologia da geração está inscrita a genealogia da pessoa. Ao afirmarmos que os cônjuges, enquanto pais, são colaboradores de Deus Criador na concepção e geração de um novo ser humano, não nos referimos apenas às leis da biologia; pretendemos sobretudo sublinhar que, na paternidade e maternidade humana, o próprio Deus está presente de um modo diverso do que se verifica em qualquer outra geração “sobre a terra”. Efetivamente, só de Deus pode provir aquela “imagem e semelhança”que é própria do ser humano, tal como aconteceu na criação. A geração é a continuação da criação. (Gratissimam Sane, n. 43)

94. Revelando e revivendo na terra a paternidade mesma de Deus, o homem é chamado a garantir o desenvolvimento unitário de todos os membros da família. Cumprirá tal dever mediante uma generosa responsabilidade pela vida concebida sob coração da mãe e por um empenho educativo mais solícito e condividido com a esposa (cf. GS, n. 52), por um trabalho que nunca desagregue a família mas a promova na sua constituição e estabilidade, por um testemunho de vida cristã adulta, que introduza mais eficazmente os filhos na experiência viva de Cristo e da Igreja. (Familiaris Consortio, n. 25)

95. Não há dúvida de que a igual dignidade e responsabilidade do homem e da mulher justificam plenamente o acesso da mulher às tarefas públicas. Por outro lado, a verdadeira promoção da mulher exige também que seja claramente reconhecido o valor da sua função materna e familiar em confronto com todas as outras tarefas públicas e com todas as outras profissões. De resto, tais tarefas e profissões devem integrar-se entre si se se quer que a evolução social e cultural seja verdadeira e plenamente humana. (Familiaris Consortio, n. 23)

IV. FAMÍLIA, EDUCAÇÃO E CULTURA

96. O dever de educar mergulha as raízes na vocação primordial dos cônjuges à participação na obra criadora de Deus: gerando no amor e por amor uma nova pessoa, que traz em si a vocação ao crescimento e ao desenvolvimento, os pais assumem por isso mesmo o dever de ajudar eficazmente a viver uma vida plenamente humana. Como recordou o Concílio Vaticano II: “Os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de educar a prole e, por isso, devem ser reconhecidos como os primeiros e principais educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir, dificilmente será suprida. Com efeito, é dever dos pais criar um ambiente de tal modo animado pelo amor, pela piedade para com Deus e para com os homens que favoreça a completa educação pessoal e social dos filhos. A família é, portanto, a primeira escola das virtudes sociais que todas as sociedades têm necessidade”(Gravissimum Educationis, n. 3). O direito-dever educativo dos pais qualifica-se como essencial, ligado como está com a transmissão da vida humana; como original e primário, em relação ao dever de educar dos outros, pela unicidade da relação de amor que subsiste entre padres e filhos; como insubstituível e inalienável e, portanto, não delegável totalmente a outros ou por outros usurpável. (Familiaris Consortio, n. 36)

97. Assim como a sociedade civil, a família, conforme atrás dissemos, é uma sociedade propriamente dita, com a sua autoridade e o seu governo paterno, é por isso que sempre indubitavelmente na esfera que lhe determina o seu fim imediato, ela goza, para a escolha e uso de tudo o que exige a sua conservação e o exercício de uma justa independência, de direitos pelo menos iguais aos da sociedade civil. Pelo menos iguais aos da sociedade doméstica tem sobre a sociedade civil uma prioridade lógica e uma prioridade real, de que participam necessariamente os seus direitos e os seus deveres. E se os indivíduos e as famílias, entrando na sociedade, nela achassem, em vez de apoio, um obstáculo, em vez de proteção, uma diminuição de seus direitos, dentro em pouco a sociedade seria mais para evitar do que para procurar. (Rerum Novarum, n. 8)

98. A função social da família não pode certamente fechar-se na obra procriativa e educativa, ainda que nessa encontre a primeira e insubstituível forma de expressão. As famílias, quer cada uma por si, quer associadas, podem e devem portanto dedicar-se a várias obras de serviço social, especialmente em prol dos pobres, e de modo de todas aquelas pessoas e situações que a organização de previdencial e assistencial das autoridades públicas não consegue atingir. O contributo social da família tem uma originalidade própria, que pode ser conhecida melhor e mais decisivamente favorecida, sobretudo à medida que os filhos crescem, empenhando de fato o mais possível todos os membros. (Familiaris Consortio, n. 44)

99. Querer, pois, que o poder civil invada arbitrariamente o santuário da família, é um erro grave e funesto. Certamente, se existe em alguma parte uma família que se encontre numa situação desesperada e que faça esforços vãos para sair dela, é justo que, em tais extremos, o poder público venha em seu auxílio, porque cada família, é um membro da sociedade. Talvez em tão extrema necessidade que por seus próprios meios não pudesse sair dela, é justa a intervenção do poder público ante necessidade tão grave, porque cada a uma das famílias é parte da sociedade. Da mesma forma, se existe um lar doméstico que seja teatro de graves perturbações dos direitos mútuos, que o poder público intervenha para restituir a cada um o seus direitos. Não é isto usurpar as atribuições dos cidadãos, mas fortalecer os seus direitos, protegê-los e defendê-los como convém. Todavia, a ação daqueles que presidem ao governo público não deve ir mais além; a natureza proíbi-lhes passar esses limites. (Rerum Novarum, n. 10)

100. No seio do “povo da vida e pela vida”, resulta decisiva a responsabilidade da família: é uma responsabilidade que brota da própria natureza dela uma comunidade de vida e de amor, fundada sobre o matrimônio e da sua missão que é “guardar, revelar e comunicar o amor”(Familiaris Consortio, n. 17). Em causa está o próprio amor de Deus, do qual os pais são constituídos colaboradores e como que intérpretes na transmissão da vida e na educação da mesma segundo o seu projeto de Pai (GS, n. 50). É, por conseguinte, o amor que se faz generosidade, acolhimento, doação: na família, cada um é reconhecido, respeitado e honrado porque pessoa, e se alguém está mais necessitado, maior e mais diligente é o cuidado por ele. A família tem a ver com os seus membros durante toda a existência de cada um, desde o nascimento até à morte. Ela é verdadeiramente “o santuário da vida (…), o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico”(CA, n. 39). Por isso, o papel da família é determinante e insubstituível na construção da cultura da vida. Como igreja doméstica, a família é chamada a anunciar, celebrar e servir o Evangelho da vida. Esta tríplice função compete primariamente aos cônjuges, chamados a serem transmissores da vida, apoiados numa consciência sempre renovada do sentido da geração, enquanto acontecimento onde, de modo privilegiado, se manifesta que a vida humana é um dom recebido a fim de, por sua vez, ser dado. Na geração de uma nova vida, eles tomam consciência de que o filho “se é fruto da recíproca doação de amor dos pais, é, por sua vez, um dom para ambos: um dom que promana do dom”(João Paulo II, Discurso aos participantes no VII Simpósio dos Bispos da Europa, 1989, n. 5). (Evangelium Vitae, n. 92)

101. O Evangelho da vida está no centro da mensagem de Jesus. Amorosamente acolhido cada dia pela Igreja, há de ser fiel e corajos- amente anunciado como boa nova aos homens de todos os tempos e culturas. Na aurora da salvação, é proclamado como feliz notícia o nascimento de um menino: “Anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias, Senhor”(Lc 2, 10-11). O motivo imediato que faz irradiar esta “grande alegria”é, sem dúvida, o nascimento do Salvador; mas, no Natal, manifesta-se também o sentido pleno de todo o nascimento humano, pelo que a alegria messiânica se revela fundamento e plenitude da alegria por cada criança que nasce (cf. Jo 16, 21). Ao apresentar o núcleo central da sua missão redentora, Jesus diz: “Vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”(Jo 10, 10). Ele fala daquela vida “nova”e “eterna”que consiste na comunhão com o Pai, à qual todo o homem é gratuitamente chamado no Filho, por obra do Espírito Santificador. Mas é precisamente em tal “vida”que todos os aspectos e momentos da vida do homem adquirem pleno significado. (Evangelium Vitae, n. 1)

V. A SACRALIDADE DA VIDA HUMANA

102. A vida do homem provém de Deus, é dom seu, é imagem e figura d’Ele, participação do seu sopro vital. Desta vida, portanto, Deus é o único senhor: o homem não pode dispor dela. Deus mesmo o confirma a Noé, depois do dilúvio: “Ao homem, pedirei contas da vida do homem, seu irmão”(Gn 9, 5). E o texto bíblico preocupa-se em sublinhar como a sacralidade da vida tem o seu fundamento em Deus e na sua ação criadora: “Porque Deus fez o homem à sua imagem”(Gn 9, 6). (Evangelium Vitae, n. 39)

103. “A vida humana é sagrada, porque, desde a sua origem, supõe a ação criadora de Deus e mantém-se para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é senhor da vida, desde o princípio até ao fim: ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o direito de destruir diretamente um ser humano inocente”. Com estas palavras, a Instrução Donum Vitae (n. 7) expõe o conteúdo central da revelação de Deus sobre a sacralidade e inviol- abilidade da vida humana. (Evangelium Vitae, n. 53)

104. A inviolabilidade da pessoa, reflexo da inviolabilidade absoluta do próprio Deus, tem a sua primeira e fundamental expressão na inviolabilidade da vida humana. É totalmente falsa e ilusória a comum defesa, que aliás justamente se faz, dos direitos humanos- como por exemplo o direito à saúde, à casa, ao trabalho, à família e à cultura,-se não se defende com a máxima energia o direito à vida, como primeiro e fontal direito, condição de todos os outros direitos da pessoa. A Igreja nunca se deu por vencida perante todas as violações que o direito à vida, que é próprio de cada ser humano, tem sofrido e continua a sofrer, tanto por parte dos indivíduos como mesmo até por parte das próprias autoridades. O titular desse direito é o ser humano, em todas as fases do seu desenvolvimento, desde a concep- ção até à morte natural, e em todas as suas condições, tanto de saúde como de doença, de perfeição ou de deficiência, de riqueza ou de miséria. (Christifideles Laici, n. 38)

105. Ao aceitar amorosa e generosamente toda a vida humana, sobretudo se fraca e doente, a Igreja vive hoje um momento fundamental da sua missão, tanto mais necessária quanto mais avassaladora se tornou uma “cultura de morte”. De fato, “a Igreja firmemente acredita que a vida humana, mesmo se fraca e sofredora, é sempre um dom maravilhoso do Deus da bondade. Contra o pessimismo e o egoísmo, que ensombram o mundo, a Igreja está do lado da vida: e em cada vida humana ela consegue descobrir o esplendor daquele “Sim”, daquele “Amém”, que é o próprio Cristo (cf. 2 Cor 1, 19; Ap 3, 14). Ao “não”que avassala e aflige o mundo, contrapõe esse vivo “Sim”, defendendo dessa maneira o homem e o mundo daqueles que ameaçam e mortificam a vida”(Familiaris Consortio, n. 30). Pertence aos fiéis leigos, que mais diretamente ou por vocação ou por profissão se ocupam do acolher a vida, tornar concreto e eficaz o “sim”da Igreja à vida humana. (Christifideles Laici, n. 38)

106. Ora, a razão atesta que há objetos do ato humano que se configuram como “não ordenáveis”a Deus, porque contradizem radicalmente o bem da pessoa, feita à Sua imagem. São os atos que, na tradição moral da Igreja, foram denominados “intrinsecamente maus”(intrinsece malum): são-no sempre e por si mesmos, ou seja, pelo próprio objeto, independentemente das posteriores intenções de quem age e das circunstâncias. Por isso, sem querer minimamente negar o influxo que têm as circunstâncias e sobretudo as intenções sobre a moralidade, a Igreja ensina que “existem atos que, por si e em si mesmos, independentemente das circunstâncias, são sempre gravemente ilícitos, por motivo do seu objeto”(Reconciliatio et Paenitentia, n. 17). O mesmo Concílio Vaticano II, no quadro do devido respeito pela pessoa humana, oferece uma ampla exemplificação de tais atos: “Tudo quanto se opõe à vida, como são todas as espécies de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instru- mentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador”(GS, n. 27). (Veritatis Splendor, n. 80)

VI. O MAL DO ABORTO E DA EUTANÁSIA

107. A vida humana atravessa situações de grande fragilidade, quer ao entrar no mundo, quer quando sai do tempo para ir ancorar-se na eternidade. Na Palavra de Deus, encontramos numerosos apelos ao cuidado e respeito pela vida, sobretudo quando esta aparece ameaçada pela doença e pela velhice. Se faltam apelos diretos e explícitos para salvaguardar a vida humana nas suas origens, especialmente a vida ainda não nascida, ou então a vida próxima do seu termo, isso explica-se facilmente pelo fato de que a mera possibilidade de ofender, agredir ou mesmo negar a vida em tais condições estava fora do horizonte religioso e cultural do Povo de Deus. (Evangelium Vitae, n. 44).

108. Nada nem ninguém pode autorizar a morte de um ser humano inocente, seja feto ou embrião, criança ou adulto, idoso, enfermo incurável ou agonizante. Além disso, ninguém pode requerer tal gesto homicida para si mesmo ou para alguém confiado à sua responsabilidade, nem pode aprová-lo explícita ou implicitamente. Nenhuma autoridade pode legitimamente impô-lo ou permiti-lo. (Iura et Bona, n. 2)

109. Portanto, com a autoridade que Cristo conferiu a Pedro e aos seus Sucessores, em comunhão com os Bispos da Igreja Católica, confirmo que a morte direta e voluntária de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral. Esta doutrina, fundada naquela lei não escrita que todo o homem, pela luz da razão, encontra no próprio coração (cf. Rm 2, 14-15), é confirmada pela Sagrada Escritura, transmitida pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magistério ordinário e universal (LG, n. 25). (Evangelium Vitae, n. 57)

110. Um pensamento especial quereria reservá-lo a vós, mulheres, que recorrestes ao aborto. A Igreja está a par dos numerosos condicionalismos que poderiam ter influído sobre a vossa decisão, e não duvida que, em muitos casos, se tratou de uma decisão difícil, talvez dramática. Provavelmente a ferida no vosso espírito ainda não está sarada. Na realidade, aquilo que aconteceu, foi e permanece profundamente injusto. Mas não vos deixeis cair no desânimo, nem percais a esperança. Sabei, antes, compreender o que se verificou e interpretai-o em toda a sua verdade. Se não o fizestes ainda, abri-vos com humildade e confiança ao arrependimento: o Pai de toda a misericórdia espera-vos para vos oferecer o seu perdão e a sua paz no sacramento da Reconciliação. Dar-vos-eis conta de que nada está perdido, e podereis pedir perdão também ao vosso filho que agora vive no Senhor. Ajudadas pelo conselho e pela solidariedade de pessoas amigas e competentes, podereis contar-vos, com o vosso doloroso testemunho, entre os mais eloqüentes defensores do direito de todos à vida. Através do vosso compromisso a favor da vida, coroado eventualmente com o nascimento de novos filhos e exercido através do acolhimento e atenção a quem está mais carecido de solidariedade, sereis artífices de um novo modo de olhar a vida do homem. (Evangelium Vitae, n. 99)

VII. PENA CAPITAL

111. A legitima defesa das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição de matar o inocente, que caracteriza o homicídio voluntário. “A ação de defender-se pode acarretar um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor (É) Só se quer o primeiro; o outro não”(Sto. Tomás de Aquino, STh, II-II, 64, 7). A legitima defesa pode ser não somente um direito, mas dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outros, pelo bem comum da família ou da sociedade. Preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor se prive das possibilidades de prejudicar a outrem. A este título, o ensinamento tradicional da Igreja reconheceu como fundamentado o direito e o dever da legítima autoridade pública de infligir penas proporcionadas à gravidade dos delitos, sem excluir, em casos de extrema gravidade, a pena de morte. Por razões análogas, os detentores da autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são responsáveis. A pena tem como primeiro efeito compensar a desordem introduzida pela falta. Quando esta pena é voluntariamente aceita pelo culpado, tem valor de expiação. Além disso, a pena tem um valor medicinal, devendo, na medida do possível, contribuir para a correção do culpado (Lc 23, 40-43). (Catecismo da Igreja Católica, nn. 2265-2266)

112. Nesta linha coloca-se o problema da pena de morte, à volta do qual se regista, tanto na Igreja como na sociedade, a tendência crescente para pedir uma aplicação muito limitada, ou melhor, a total abolição da mesma. O problema deverá ser enquadrado na perspectiva de uma justiça penal, que seja cada vez mais conforme com a dignidade do homem e portanto, em última análise, com o desígnio de Deus para o homem e a sociedade. Na verdade, a pena que a sociedade inflige, tem “como primeiro efeito o de compensar a desordem introduzida pela falta”(CIC, n. 2266). A autoridade pública deve justiça pela violação dos direitos pessoais e sociais, impondo ao réu uma adequada expiação do crime como condição para se readmitido no exercício da própria liberdade. Deste modo, a autoridade procurará alcançar o objetivo de defender a ordem pública e a segurança das pessoas, não deixando, contudo, de oferecer estímulo e ajuda ao próprio réu para se corrigir e redimir (cf. CIC, n. 2266). Claro está que, para bem conseguir todos este fins, a medida e a qualidade da pena serão ponderadas e decididas, não se devendo chegar à medida extrema da execução do réu senão em caso de absoluta necessidade não fosse possível de outro modo. Mas, hoje, graças às organizações cada vez mais adequada da instituição penal, esses casos são já muito raros, se não mesmo praticamente inexis- tentes. (Evangelium Vitae, n. 56)

113. O tradicional ensino da Igreja não exclui, quando a identidade e responsabilidade do réu constam com plena clareza, o recurso à pena de morte, se esta é o único meio viável para proteger eficazmente, frente ao injusto agressor, a vida de seres humanos. Porém, se os meios não-sangrentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana. De fato, hoje, dado os meios que dispõem o Estado de suprimir efetivamente a criminalidade rendendo inofensivo o agressor sem privá-lo da possibilidade deste se redimir, mesmo nestes casos de necessidade absoluta de suprimir o agressor “mas, hoje (É) esses casos são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes”(Evangelium Vitae, n. 56). (Catecismo da Igreja Católica, n. 2267)

VIII. A DIGNIDADE DAS MULHERES

114. Certamente, resta ainda muito a fazer para que o ser mulher e mãe não comporte discriminação. Urge conseguir onde quer que seja a igualdade efetiva dos direitos da pessoa e, portanto, idêntica retribuição salarial por categoria de trabalho, tutela da mãe trabal- hadora, justa promoção na carreira, igualdade entre cônjuges no direito de família, o reconhecimento de tudo quanto está ligado aos direitos e aos deveres do cidadão num regime democrático. Trata-se não só de um ato de justiça, mas também de uma necessidade. Na política do futuro, os graves problemas em aberto verão sempre mais envolvida a mulher: tempo livre, qualidade da vida, migrações, serviços sociais, eutanásia, droga, saúde e assistência, ecologia, etc. Em todos estes campos, se revelará preciosa uma maior presença social da mulher, porque contribuirá para fazer manifestar as contradições de uma sociedade organizada sobre critérios de eficiência e produtividade, e obrigará a reformular os sistemas a bem dos processos de humanização que delineiam a “civilização do amor”. (Carta às Mulheres, n. 4)

115. A tal heroísmo do cotidiano, pertence o testemunho silen- cioso, mas tão fecundo e eloqüente, de “todas as mães corajosas, que se dedicam sem reservas à própria família, que sofrem ao dar à luz os próprios filhos, e depois estão prontas a abraçar qualquer fadiga e a enfrentar todos os sacrifícios, para lhes transmitir quanto de melhor elas conservam em si”(João Paulo II, Homilia de Beatificação, n. 4). No cumprimento da sua missão, “nem sempre estas mães heróicas encontram apoio no seu ambiente. Antes, os modelos de civilização, com freqüência promovidos e propagados pelos meios de comuni- cação, não favorecem a maternidade. Em nome do progresso e da modernidade, são apresentados como já superados os valores da fidelidade, da castidade e do sacrifício, nos quais se distinguiram e continuam a distinguir-se multidões de esposas e de mães cristãs (…) Nós agradecemo-vos, mães heróicas, o amor invencível! Nós vos agradecemos a intrépida confiança em Deus e no seu amor. Nós vos agradecemos o sacrifício da vossa vida (…) Cristo, no Mistério Pascal, restituiu-vos o dom que Lhe fizestes. Ele, de fato, tem o poder de vos restituir a vida, que Lhe levastes em oferenda”(João Paulo II, Homilia de Beatificação, n. 5). (Evangelium Vitae, n. 86)

116. “Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou”(Gn 1, 27). Esta passagem concisa contém as verdades antropológicas fundamentais: o homem é o ápice de toda a ordem criada no mundo visível; o gênero humano, que se inicia com a chamada à existência do homem e da mulher, coroa toda a obra da criação; os dois são seres humanos, em grau igual o homem e a mulher, ambos criados à imagem de Deus. Esta imagem e semelhança com Deus, essencial para o homem, o homem e a mulher transmitem-na, como esposos e pais, aos seus descendentes: “Sede fecundos e multiplicai-vos, povoai a terra; submetei-a”(Gn 1, 28). O Criador confia o “domínio”da terra ao gênero humano, a todas as pessoas, a todos os homens e a todas as mulheres, que haurem a sua dignidade e vocação do “princípio”comum. (Mulieris Dignitatem, n. 6)

117. Nessa viragem cultural a favor da vida, as mulheres têm um espaço de pensamento e ação singular e talvez determinante: compete a elas fazerem-se promotoras de um “novo feminismo”que, sem cair na tentação de seguir modelos “masculinizados”, saiba reconhecer e exprimir o verdadeiro gênio feminino em todas as manifestações da convivência civil, trabalhando pela superação de toda a forma de discriminação, violência e exploração. Retomando as palavras da mensagem conclusiva do Concílio Vaticano II, também eu dirijo às mulheres este premente convite: “Reconciliai os homens com a vida”(Mensagem do Concílio à humanidade [1965]: às mulheres). Vós sois chamadas a testemunhar o sentido do amor autêntico, daquele dom de si e acolhimento do outro, que se realizam de modo específico na relação conjugal, mas devem ser também a alma de qualquer outra relação interpessoal. A experiência da maternidade proporciona-vos uma viva sensibilidade pela outra pessoa e confere-vos, ao mesmo tempo, uma missão particular: “A maternidade comporta uma comunhão especial com o mistério da vida, que amadurece no seio da mulher (…). Este modo único de contato com o novo homem que se está formando, cria, por sua vez, uma atitude tal para com o homem-não só para com o próprio filho, mas para com o homem em geral-que caracteriza profundamente toda a personalidade da mulher”(Mulieris Digni- tatem, n. 18). Com efeito, a mãe acolhe e leva dentro de si um outro, proporciona-lhe forma de crescer no seu seio, dá-lhe espaço, respeitando-o na sua diferença. Deste modo, a mulher percebe e ensina que as relações humanas são autênticas quando se abrem ao acolhimento da outra pessoa, reconhecida e amada pela dignidade que lhe advém do fato mesmo de ser pessoa e não de outros fatores, como a utilidade, a força, a inteligência, a beleza, a saúde. Este é o contributo fundamental que a Igreja e a humanidade esperam das mulheres. E é premissa insubstituível para uma autêntica viragem cultural. (Evangelium Vitae, n. 99)

 
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