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Palavra dos Pastores


O sacerdote é um outro Cristo
 
AUTOR: PE. JOSÉ FRANCISCO HERNÁNDEZ MEDINA, EP
 
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Em entrevista exclusiva à revista "Arautos do Evangelho", o Secretário da Congregação para o Clero define com riqueza e profundidade teológica a identidade do sacerdote, a dignidade sobrenatural de que está revestido e a necessidade de lembrar estas realidades em face de um mundo secularizado e relativista.

Encerrar-se-á no próximo mês o Ano Sacerdotal, instituído por Bento XVI para favorecer o avanço dos sacerdotes na via da perfeição espiritual. Poderia Vossa Excelência adiantar alguns dos resultados obtidos, sobretudo no referente à santificação pessoal dos presbíteros?

Antes de tudo, a focalização da própria identidade sacerdotal, na declinação do compromisso ministerial que essa identidade traz, com o consequente incremento da vida espiritual, não “apesar” da prática pastoral, mas “por meio” desta.

O que levou a Congregação para o Clero a promover o Congresso Teológico “Fidelidade de Cristo, fidelidade do Sacerdote”, e quais frutos espera colher desse evento?

Certamente a necessidade de esclarecer a teologia do sacerdócio, centralizada na cristologia, a diferença essencial entre o sacerdócio batismal e o ordenado, a prioridade da dimensão vertical, da qual deriva a horizontal.

Os frutos que esperamos são, da parte dos sacerdotes, a plena consciência da própria consagração virginal e, em consequência, uma forte motivação em vista deste dom recebido de Deus, bem como a alegria de ver a própria identidade conformada segundo Cristo. Esperamos também que – embora sobrecarregados de tarefas e fatigados pelo contínuo dever de responder com o próprio testemunho à objeção apresentada pela sociedade secularizada – os sacerdotes se sintam sempre reconhecidos, sustentados pelas preces dos fiéis, encorajados e circundados pelo afeto das respectivas comunidades. Assim, o clima dentro da Igreja se tornará ainda mais propício para o desabrochar de respostas positivas às vocações que, da parte do Senhor da messe, certamente não faltam.

Em uma das reflexões sobre o Ano Sacerdotal, Vossa Excelência recorda que o sacerdócio é um dom sobrenatural que comporta uma dignidade que todos – leigos e ministros consagrados – precisam reconhecer. Qual deve ser a atitude do presbítero perante sua própria dignidade?

Uma profunda humildade que comporta o esvaziar-se de si mesmo para ceder lugar a Jesus Bom Pastor, numa progressiva conformação ao Tu que é o verdadeiro fim do próprio eu.

À vista de um mandato tão nobre quanto imerecido, a inteligência, a vontade, a afetividade, todas as potências da nossa alma são depositadas na patena do ofertório para que, apresentadas a Ele, os limites da natureza humana possam ser transbordados pelo Seu Amor infinito. Diante da altíssima dignidade da ontologia sacerdotal, portanto, compreende- se bem a exigência de compromisso na castidade do sagrado celibato, na obediência e na pobreza evangélica. Isto requer uma imensa humildade, inspirada na da Santíssima Virgem, que, meditando sobre o singular encargo que o Senhor Lhe

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“É necessário que os sacerdotes vivam a própria
identidade, não apenas interiormente, mas também
exteriormente, mostrando a pureza do cultodivino, a
beleza da consagração virginal, a plenitude do
relacionamento com Deus na oração”.  
D. Mauro em entrevista concedida a Revista Arautos
do Evangelho,durante o Congresso Eucarístico
Internacional

solicitava, reconheceu com simplicidade como Ele “olhou para a humildade da sua Serva” (Lc 1, 48).

Assim, no caminho cotidiano traçado pela Celebração Eucarística de cada dia, o programa de cada sacerdote é “tornar-se aquilo que ‘é'”!

Influenciados por um mundo cada vez mais secularizado, certos fiéis tendem a ver o sacerdote como se fosse apenas um líder, um coordenador, um amigo. Como levá-los a reconhecer a dignidade intrínseca dos presbíteros, com o respeito devido à sua altíssima missão?

Deus quer o sacerdócio para que Sua Vida chegue a todos os homens por meio de alguns que Ele mesmo chama – voca – a Si no Sacramento da Ordem, fazendo-os participar, com um caráter indelével e de modo todo especial, de Seu poder.

É necessário que o sacerdote tenha essa consciência do próprio ministério; e o fiel tem o direito sacrossanto de exigir uma catequese adequada, dada segundo a sã doutrina – conforme o Magistério e o Catecismo da Igreja Católica -, os inumeráveis exemplos dos Santos e o testemunho de tantos bons sacerdotes de todos os tempos e lugares.

O sacerdote consciente de seu próprio pertencer a Cristo “exalará” com naturalidade o seu mundo interior, através de sua humanidade consumada n’Ele, na delicadeza de trato, no sentimento de paz, no profundo espírito de acolhida, na simplicidade e na dignidade celebrativa.

Neste mundo – que Vossa Excelência tão oportunamente qualifica de entrelaçamento de relativismo e de modelos democráticos mal-entendidos, de autonomismo e liberalismo – permanece válido o voto de obediência que os presbíteros fazem ao Bispo? Qual é o significado dessa obediência?

A obediência não apenas permanece válida, mas é essencial ao ser sacerdotal e ao seu consequente agir. No presbítero Se prolonga o Jesus Redentor que Se fez “obediente até a morte, e morte de Cruz” (Fl 2, 8). A salvação passa pela Cruz, e a Cruz é obediência salvífica.

O pecado entrou no mundo precisamente pela desobediência. O velho Adão afastou-se pela desobediência, rebelando-se contra o amor imerecido de Deus, colocando-se, assim, numa condição de aparente autossuficiência que evidencia a não submissão à sua identidade de filho. Cristo, o novo Adão, revelou ao homem sua verdadeira natureza, mostrando, no seu “sim” à vontade do Pai, a obediência filial como condição essencial do homem.

O sacrifício da Cruz, a obediência total, é renovado cada dia na Santa Missa. Nela, o sacerdote não é um ator que representa o papel principal num “palco litúrgico”, mas é outro Cristo e, enquanto tal, deve-se submeter à realidade do que acontece no Sacramento da Eucaristia. Um sacerdote desobediente é uma contradição nos termos, é como um pecado contra a natureza. Ele deve ser portador de salvação, consciente de que esta passa forçosamente pela obediência ao Bispo, o qual, por sua vez, também precisa prestar a obediência eclesial do modo mais leal, teológico, comunial, concreto e efetivo.

A obediência consiste, portanto, em aderir àquele único Corpo que é a Igreja e nele permanecer. São nocivos os “livres atiradores” que dele se separam, provocando “hiatos”. Destacados da Videira, não podem dar fruto. Nesse caso, acontece em âmbito eclesial o que clinicamente ocorre na embolia.

Fala-se muito que, em certos países, estão diminuindo as vocações para o sacerdócio. Contudo, verifica-se que em outros há um notável aumento. Como interpretar isso?

Quando se considera o número de respostas efetivas à vocação sacerdotal, há muitos fatores a ponderar; não se pode ser simplista. É possível, entretanto, encontrar alguns pontos essenciais como, por exemplo, o quociente de fé existente num determinado contexto histórico-social, a educação recebida em família, a efetiva experiência eclesial.

Para obteremse vocações, é preciso juntar as mãos em oração! Diz-nos com clareza inequívoca o Evangelho: “A messe é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para sua messe” (Mt 9, 37- 38). Portanto, é fundamental a prece, a súplica ao Senhor baseada na necessidade de ver repetirse o milagre de um homem que decide aderir ao grande projeto de Cristo, no dom total de si mesmo.

É de particular importância fazer a Adoração Eucarística e rezar o Rosário nesta intenção. É também necessário que os sacerdotes vivam a própria identidade não apenas interiormente, mas também exteriormente, mostrando a pureza do culto divino, a beleza da consagração virginal, a plenitude do relacionamento com Deus na oração. Um sacerdote que não se apresenta como “outro Cristo”, oferece uma imagem falsa de Cristo, nebulosa, e em consequência não pode atrair nem orientar.

Por fim, não se mede o número das vocações segundo os padrões da sociologia, das pesquisas populacionais, mas pelos critérios da fé! São estes que nos devem mover, e só as metodologias que aplicam esses critérios devem ser utilizadas para avaliar as vocações.

Quais são os pontos que mais seria necessário reforçar, na formação dos novos sacerdotes, preparando-os para exercer seu ministério neste mundo secularizado?

À imagem do modo de agir de Cristo, que salva o homem partindo da sua condição limitada, será certamente necessário um olhar sobre o mundo. Isso comporta, porém, uma desintoxicação do espírito do mundo, baseada num senso construtivamente crítico, sobretudo no relativo às culturas dominantes. Esse juízo deve ser construtivo, isto é, deve partir das facetas que definem a realidade social, analisando em profundidade suas motivações, para depois identificar pontos fracos e sanálos, salvando assim o homem de enveredar pelos caminhos que o desviam de Cristo e até de qualquer valor positivo fundado n’Ele. Portanto, será particularmente proveitoso criar “anticorpos” contra o relativismo, o subjetivismo individualista e o pacifismo como um fim em si mesmo. Com esse objetivo, será importante um sadio “travamento” filosófico, aprofundado na metafísica, na lógica e na crítica.

Importa, além disso, que os novos sacerdotes sejam logo educados na ortodoxia doutrinal, num ascético trabalho sobre si mesmos, com o objetivo de corrigir eventuais secularizações, contágios doutrinários da sociedade contemporânea, ou individualismos que conduzem à procura de mensagens novas, mas desviadas do eterno, puro e sempre novo conteúdo do Evangelho transmitido há dois mil anos, na continuidade do Magistério.

O Papa proclamará São João Maria Vianney “Padroeiro de todos os Sacerdotes”. Assim, é útil e oportuno seguir seu exemplo. É de altíssima atualidade a força profética que marcou a personalidade humana e sacerdotal desse pastor,

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Importa que os novos sacerdotes sejam educados
num ascético trabalho sobre si mesmos, com o
objetivo de corrigir eventuais secularizações,
contágios doutrinários da sociedade
contemporânea, ou individualismos
D. Mauro Piacenza, durante a terceira sessão
do Congresso Teológico

naquele tempo e naquelas terras feridas pelas consequências da Revolução Francesa e por sua vontade de “sair do estado de minoridade” causado pelo assim denominado Ancien Régime. O santo pároco conseguiu penetrar no âmago das almas, mesmo das mais afastadas, simplesmente mostrando a todos aquilo que intimamente vivia, isto é, a sua relação de amizade com Cristo.

É esse o método que desde sempre a Igreja pede a seus filhos prediletos, chamados a servi-la na totalidade!

Na última Audiência Geral de 2009, Bento XVI insistiu sobre a necessidade de celebrar com dignidade e decoro os Sacramentos. Qual é o papel da beleza no exercício do ministério sacerdotal?

Em seu livro O Idiota, dizia Dostoiévski: “A beleza salvará o mundo”. A via estética, que conduz a Deus, foi sempre uma via privilegiada para o homem, pois a arte, subdividida em todas as suas disciplinas, lhe serve de instrumento para atingir algo que supera suas simples capacidades. A essa luz, a Igreja foi levada, no decorrer dos séculos, a desenvolver a arquitetura, a música, as artes plásticas e o artesanato numa sinfonia harmoniosa capaz de manifestar ao mundo, do modo mais direto possível, o grande e pacificante mistério de Deus que Se fez homem por nós.

Sendo o belo, junto com o verdadeiro e o bom, um transcendental do ser, uma faceta do Ser subsistente em Si mesmo, que é Deus, é tarefa do sacerdote comunicar da melhor maneira possível esse conjunto de articulações do Único Mistério na sagrada Liturgia que lhe foi confiada. Fala-se, com efeito, de ars celebrandi, visando precisamente ao melhor modo de exprimir a Beleza inefável do Amor divino, que nos é dado celebrar e mostrar ao Povo de Deus, de maneira especial na Santíssima Eucaristia. A dignidade e o decoro da Liturgia derivam daí como consequência direta, pois a objetividade e o realismo da Encarnação não se comunicam por meio de gestos e palavras improvisadas, mas na obediência a um critério que não foi estabelecido por nós, mas comunicado e revelado pelo próprio Deus como um imenso dom. Assim, nas coisas sagradas, a arte torna-se culto e catequese, piedade e caridade.

Entre os principais elementos que definem o sacerdócio, está o serviço litúrgico e, mais especialmente, o ministério do Altar. Como ajudar os presbíteros a aprofundar cada vez mais o significado teológico e espiritual da Liturgia?

O senso do eterno, do divino, do sobrenatural – que constitui o cerne amplo da formação sacerdotal – deve transparecer naquela pessoa a qual, uma vez conformada a Cristo pelo Sacramento da Ordem, é constituída em vínculo entre o “aqui” e o “além”.

O amor ao Senhor, único fundamento real do sacerdócio, prova- se de modo eminente por aquele aspecto não suficientemente sublinhado, mas absolutamente central, que é o amor à divina Presença de Cristo Ressuscitado na Eucaristia. Na Santa Missa, o sacerdote tem a possibilidade de perceber, na própria carne, o que significa pertencer ao Corpo Místico e agir in persona Christi, participando, inclusive com seus próprios sofrimentos, no mistério da substituição vicária, que é chamado a viver em si mesmo cotidianamente. Nisso deve residir a verdadeira felicidade do ministério sacerdotal, já que em Cristo até mesmo o sacrifício é alegria, participação no grande projeto de salvação, querido pelo Pai para a Redenção dos homens.

D MAURO_1.jpgDom Mauro Piacenza, Secretário da Congregação para o Clero, nasceu em Gênova (Itália) em 1944 e recebeu a ordenação sacerdotal em 1969, das mãos do Cardeal Giuseppe Siri. É professor de Direito Canônico na Faculdade Teológica da Itália Setentrional, e de Cultura Contemporânea e História do Ateísmo, no Instituto Superior de Ciências Religiosas “Ligure”.

O Papa João Paulo II nomeou-o, em 2003, presidente da Pontifícia Comissão para o Patrimônio Cultural e, em 2004, da Pontifícia Comissão de Arqueologia Sacra. Foi ordenado Bispo pelo Cardeal Tarcísio Bertone em 15 de novembro de 2003.

Desde 1990 tem atuado na Congregação para o Clero, da qual foi chefe de escritório e sub-secretário. Ao ser nomeado,
em 2007, Secretário desse dicastério, foi também elevado à dignidade de Arcebispo.

(Revista Arautos do Evangelho, Maio/2010, N. 101, P. 24 À 27)

 
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