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Espiritualidade


A lagarta e a seda
 
AUTOR: MARCOS ENOC SILVA ANTONIO
 
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Deus, que povoou a natureza com seres e panoramas maravilhosos, quis deixar de certo modo inconclusa a obra da Criação, à espera do concurso das criaturas racionais para requintar-lhe a beleza.

Narra uma antiquíssima lenda que, por volta do ano de 2.650 antes de Cristo, a Imperatriz da China, Hsi Ling Shi, tomava chá à sombra de uma frondosa amoreira quando desta se desprendeu um pequeno casulo dourado. Levado pela brisa, veio ele cair exatamente no meio do prezado líquido, sobressaltando a imperatriz e perturbando o ambiente meditativo no qual ela se encontrava.

Passado o susto, quis tirar da xícara de porcelana o inesperado invasor. E, ao fazê-lo, admirou-se ao notar como o casulo desmanchava entre seus dedos, deixando pairar no tépido chá uma brilhante madeixa de filamentos.

Com delicadeza e paciência, a imperatriz foi desenovelando-a, e obteve como resultado um longíssimo fio de textura suave e resistente. Teve então uma ideia: reunir vários desses casulos para compor com eles um tecido. Ajudada por engenhosos servos, foi fazendo tentativas e mais tentativas até conseguir, certo dia, tecer com aquelas fibras um manto para seu esposo, Hwang-Di, o Imperador imga.jpgAmarelo, um dos lendários “Cinco Imperadores” da China, soberanos sábios e moralmente perfeitos. Foi assim inventada a seda!

Mais próxima do mitológico que da realidade histórica, essa legenda ressalta, entretanto, os atributos de nobreza, charme e distinção aos quais sempre esteve associado esse cobiçado tecido. E sublinha de forma poética o fato de terem sido os chineses os primeiros – e por muitos séculos, os únicos – a produzi-lo e comercializá-lo.

Com efeito, a tecelagem da seda foi durante milhares de anos um dos segredos mais bem guardados da História. Seria apenas no terceiro século da Era Cristã que a Índia conseguiria desvendar os mistérios da sericicultura, privando os chineses da exclusividade de fabricação.

No Ocidente, os comerciantes importavam avidamente da China aquele tecido lustroso e macio sem, entretanto, ter qualquer noção de como ele era produzido. Mas na época do imperador Justiniano I (527-565), as relações entre Bizâncio e a Pérsia, cada vez mais tensas, dificultaram a chegada de mercadorias do Oriente interrompendo a famosa Rota da Seda.

Conta-se que, então, o soberano decidiu enviar espiões ao Extremo Oriente para desvendar o arcano da sua fabricação. E estes, após inúmeras peripécias, conseguiram cumprir o delicado encargo, trazendo até Constantinopla alguns ovos do bicho-da-seda, acomodados em gomos de bambu para poderem resistir à longa e aventurosa viagem.

Qual terá sido a reação da refinada corte bizantina ao contemplar aquelas banais larvas que davam origem a um dos mais belos e nobres tecidos? Podemos imaginar os artistas e cortesãos, tomados pela surpresa, manifestando ruidosamente seu desapontamento.

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Amostras de tecidos de seda contemporâneos, procedentes da Espanha,
Indonésia e China. Acima: Casaco masculino francês de inícios
do séc. XVIII – Museu do Condado de Los Angeles (EUA)

Mas é igualmente legítimo supor que a esse primeiro movimento de desencanto tenha sucedido um ímpeto de admiração, ao constatarem como Deus, que povoou a natureza com seres e panoramas maravilhosos, quis ocultar a seda no rústico casulo de uma lagarta, ou a púrpura na prosaica mucosa de certos caramujos marinhos. Assim, dir-se-ia ter Ele deixado de certo modo inconclusa a obra da Criação, à espera do concurso das criaturas racionais para, por meio delas, requintar-lhe a beleza. (Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2011, n. 116, p. 50-51)

 
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