Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Santos


São Fernando de Castela: O santo rei vitorioso
 
AUTOR: IRMÃ CARMELA WERNER FERREIRA, EP
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
6
0
 
Jamais derrotado em batalha, amado pelos seus súditos e até pelos adversários, São Fernando considerava o exercício da realeza como uma privilegiada oportunidade de glorificar a Deus, a Quem haveria de prestar severas contas no dia do Juízo.

As inspiradas páginas do Antigo Testamento exaltam a figura de seus monarcas, surgidos na história do povo eleito a partir da extinção do regime teocrático. Finda a era dos juízes com a rejeição de Samuel por parte do povo, Saul é ungido rei e, em seguida a este, Davi e Salomão. Sem dúvida, a estirpe de Jessé goza, até nossos dias, de uma aura não desmentida pelo valor de seus mais notáveis expoentes, pois o rei-profeta, seu sábio filho e tantos outros revelaram qualidades paradigmáticas, dignas de suscitar a admiração dos homens de todas as épocas.

San Fernando de Castela.jpg
“São Fernando de Castela” – Catedral
de Sevilha (Espanha)

Entretanto, o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo e a subsequente consolidação da Cristandade trouxeram também novas dinastias, com seus respectivos soberanos, nobres e fidalgos. Tal como os governantes dos antigos tempos, muitos deles prevaricaram. Contudo, outros foram tão íntegros na fé e no exercício do direito, que não se mostram menos grandiosos se comparados com aqueles de outrora. É justo mencionarmos, junto aos nomes dos reis de Israel, os que subiram ao trono sob as bênçãos da Santa Igreja, e em cuja vida não encontramos nódoas, infidelidades ou ambições, mas sim o brilho fulgurante de uma acrisolada santidade.

São Fernando III, rei de Castela e Leão, conta-se entre os que hoje veneramos nos altares e admiramos na História com um deslumbramento semelhante ao despertado pelos antepassados do Messias. Ao conhecermos os feitos por ele empreendidos, sentimo-nos inclinados a exclamar como a rainha de Sabá: “Tua sabedoria e tua opulência são muito maiores do que a fama que havia chegado até mim” (I Rs 10, 7).

Infância marcada pela figura da mãe

Acompanhando o luminoso despontar do século XIII, que se abria carregado de promessas para o povo cristão, Fernando veio a este mundo numa data que os pergaminhos da época não lograram registrar. As hipóteses dos estudiosos oscilam entre os anos de 1198 a 1202, sem que por meio delas tenham chegado a uma conclusão absoluta. Já uma sólida tradição situa o local do nascimento como tendo sido junto a um cerro no trajeto entre Zamora e Salamanca, em meio a uma viagem empreendida por seus pais, razão pela qual o pequeno príncipe foi chamado carinhosamente de “o Montanhês”.

O que sabemos com toda certeza é haver sido marcado pelo selo do infortúnio o casamento real do qual nasceu São Fernando, pois seus pais, Afonso IX, de Leão, e Berenguela, de Castela, tiveram as núpcias anuladas pelo Papa Inocêncio III, por serem parentes próximos em grau proibido, segundo a legislação eclesiástica da época.

Assim, no ano de 1203, separaram-se os consortes e voltaram cada qual para seus domínios, tendo Dona Berenguela levado consigo Fernando, o filho herdeiro, e os outros três infantes – Constança, Afonso e Berenguela, pois a pequena Leonor falecera no ano anterior -, a fim de educá-los na corte de seu pai, Afonso VIII de Castela. Certamente pressentia a rainha mãe, dama de grandes dotes naturais e não menores virtudes, a decisiva responsabilidade depositada pela Providência em suas mãos naquela triste circunstância: seria ela a formadora de um varão predestinado, o qual não teria sido quem foi sem o seu magnífico exemplo de vida.

Fernando crescia sedento das coisas de Deus, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, que do mais alto dos Céus governa todo o orbe, e a respeito de Quem sua mãe contava belíssimas histórias, incitando-o a amar com ternura e a temer com humildade o Soberano da criação. Este Senhor, por amor ao gênero humano e desejo de redimi-lo, aceitara ser condenado à morte, coroado de espinhos e recebera como cetro uma cana, e era apresentado por Berenguela a Fernando como o arquétipo dos reis, divino modelo de justiça para um bom governante.

Suas admoestações não foram vãs, pois “as boas disposições do santo menino foram como a terra fértil do Evangelho, em que caiu a boa semente dos ensinamentos, exortações e exemplos da egrégia Dona Berenguela, destinada, assim como sua irmã Dona Branca na França, a dar à Espanha um santo rei”.1

Dona Berenguela_.jpg
Coube a Dona Berenguela a
formação de um varão
predestinado

“Dona Berenguela de Leão
e Castela”, por Alfonso de la
Grana, Parque do
Retiro, Madri

Soberano de Castela e Leão

A vida de corte em Castela transcorreu serena durante a infância de Fernando, que progredia na piedade, nas ciências e nas armas com uma desenvoltura propriamente régia, denotando pela perfeição dos atos exteriores a grandeza de seu coração. Sonhava em poder um dia construir belas igrejas à sua “Virgem Santa Maria” – realizando o sonho, de fato – e dispensava generosas esmolas aos pobres.

Passou cerca de um ano com seu pai em Leão, tendo regressado a Castela com a alma fortalecida pelo duro combate que a integridade na prática da virtude exigiu dele nesse período. De regresso ao território materno, Dona Berenguela preparou- lhe uma surpresa: ela tencionava proclamá-lo rei, abdicando à coroa que lhe cabia por herança após o falecimento do pai.

Procedeu-se, pois, à coroação do santo no ano de 1217, numa memorável cerimônia em Valladolid, acompanhada pela entusiástica adesão do clero, nobreza e povo do reino, os quais se sentiam encorajados à prática do bem pela figura encantadora do jovem monarca, cuja simples presença parecia atrair as bênçãos do céu e a paz para o reino. Bons presságios trazia aquele regente, no frescor da juventude e, ao mesmo tempo, na maturidade do espírito.

A missão da realeza – sempre considerada por ele como uma dádiva recebida de Deus e uma privilegiada oportunidade para glorificá-Lo, da qual prestaria severas contas no dia do Juízo – iniciou-se com dificuldades próprias a desanimar os espíritos pouco resolutos. Decidido a enfrentá-las até as últimas consequências, entregou- se à sua vocação com tanto ardor como o mais fervoroso dos frades num convento, e começou a desmelindrar os espinhosos assuntos de Estado, conforme ditava o dever.

Eis como uma das suas biógrafas descreve o prêmio dado por Deus aos seus esforços: “O rei Fernando, em seu incessante percurso pelo reino administrando justiça, cada vez ouvia menos querelas e mais bênçãos. Via sua Castela estancada do sangue das feridas feitas por tantas guerras, conflitos e alvoroços, forte e valente, desejando lançar-se de novo no rumo que Deus, árbitro supremo da História, havia lhe traçado”.2

Falecido seu pai em 1230, obteve também a coroa de Leão, através de tortuoso caminho, envolvendo a renúncia ao trono por parte das infantas Sancha e Dulce, filhas do primeiro casamento de Afonso IX. Resolvida a questão da sucessão, graças ao auxílio divino e ao tino diplomático de Dona Berenguela, foi coroado rei leonês passados 13 anos da primeira aclamação, unindo de maneira definitiva ambos os Estados.

“Dominus adjutor meus”

Ao escolher o lema de seu escudo real, a preferência de Fernando recaiu sobre um trecho do Salmo 28: “Dominus adjutor meus” – “O Senhor é a minha força”, frase por meio da qual traduziu seu ideal de vida. Um profundo senso do divino animava o soberano, o qual deu-lhe, desde cedo, a convicção de que, sem a ajuda do Altíssimo, a sua mão não empunharia o cetro com a devida firmeza, nem conduziria o povo em conformidade com a sua vontade.

Impulsionado por uma cega – no entanto, paradoxalmente, quão lúcida! – confiança em Nosso Senhor, e por um amor incondicional a Ele, era considerado por todos como o melhor cristão do reino, tanto por sua fidelidade no cumprimento
dos preceitos, como pela largueza de horizontes com que compreendia e praticava o Evangelho.

Reservava para a oração longas horas do dia. E quando elas não bastavam a seus anseios, avançava recolhido madrugada adentro, descansando apenas em colóquios com o seu “Conselheiro”, como chamava à relíquia do Santo Rosto de Cristo, hoje venerada na catedral de Jaén. Os membros da corte insistiram com ele, certa vez, para descansar mais, porém o santo teria respondido: “Se eu não velasse, como poderíeis vós dormir tranquilos?”.

Uma discreta suspeita, acompanhada de um burburinho que corria de boca a ouvido no reino, difundia o comentário de que o Senhor do véu falava com São Fernando, revelando- lhe mistérios do tempo e da eternidade. Ninguém se aventurava a perguntar detalhes a tal respeito. Não obstante, os fatos pareciam comprovar a pia desconfiança, pois os planos do rei, audaciosos, inusitados e até humanamente temerários, cumpriam-se com invariável êxito, parecendo sobrepujar os mais sagazes cálculos e se identificar com a vontade divina.

Jamais perdeu uma batalha

São Fernando viveu em plena Reconquista espanhola, numa época em que guiar os exércitos para a guerra era uma das principais obrigações dos reis, para a qual eram preparados desde a infância.

Tal situação fez dele um homem de armas. Suas campanhas militares iniciaram-se em 1224 e, a partir de 1231, continuaram sem interrupções até o momento da sua morte. Foram mais de 20 anos de esforço bélico durante o qual as hostes castelhanas recuperaram, entre outras, as cidades de Córdoba, Jaén, Sevilha e Múrcia.

As corajosas conquistas do Rei Santo ainda hoje infundem respeito nos maiores estrategistas, pois ele jamais perdeu uma batalha, por maiores que fossem as desproporções numéricas e de forças, fato que levou Inocêncio IV a chamá-lo de “campeão invicto de Jesus Cristo”.

Usando do seu poder a serviço do bem

Vendo seu poderio político e militar avantajar-se a cada dia, São Fernando teve virtude para não envaidecer-se por isso, tão certo estava de tudo lhe vir de Deus e a Ele pertencer. Dedicou-se a administrar sabiamente seus bens, dando a cada um o que era seu, e a Deus mais do que a todos.

Nesse intuito, beneficiou com largueza as obras espirituais e materiais da Igreja, lançando os fundamentos das catedrais de Toledo e Burgos, contadas entre as maiores joias góticas erigidas em solo espanhol. Ambas estão dedicadas a Nossa Senhora, a quem consaSao Fernando Castela_altar de Sevilha.jpggrava indescritível afeto.

O povo, vendo-se amparado em suas necessidades de maneira tão extraordinária pelo rei, tinha por ele um entusiasmado e filial devotamento. Narra o historiador Weiss que “ele próprio visitava seus estados, ouvia os pleitos e os sentenciava […]. Em seu longo reinado favoreceu sempre ao pobre, contra as injustas pretensões dos ricos, e este ponto estava tão marcado em sua consciência, que chegou a ter em seu palácio de Sevilha uma pequena grade nas salas de audiência para ver bem se os juízes atuavam com retidão”.3

Mesmo seus inimigos aprenderam a admirá-lo, até o ponto de príncipes e reis abraçarem pelo seu exemplo a verdadeira Fé. Foi o caso do rei valenciano Abu Zayd, que recebeu o Batismo alguns anos depois do encontro com São Fernando. “Começou amando o cristão e terminou amando a Cristo”,4 comenta espirituosamente uma das autoras consultadas.

O povo encheu-se de respeito por ele

Na hora de sua morte, ocorrida em Sevilha no dia 30 de maio de 1252, ele fechou sereno os olhos para este mundo, pronto para encontrar- -se com seu Senhor, após ter feito render os talentos d’Ele recebidos. De fato, afirma um célebre historiador ibérico, “nenhum príncipe espanhol, desde o oitavo até o décimo terceiro século, tinha recolhido tão rica herança como a legada por São Fernando a seu filho primogênito Afonso”.5

Na catedral sevilhana, sob o maternal olhar da padroeira da cidade, a Virgem dos Reis, está conservado seu corpo, com uma placa onde se lê em espanhol antigo o seguinte epitáfio: “Aqui jaz o muito honrado Rei Dom Fernando, senhor de Castela e de Toledo, de Leão, de Galícia, de Sevilha, de Córdoba, de Múrcia e de Jaén, o que conquistou toda a Espanha, o mais leal, o mais verdadeiro, o mais franco, o mais esforçado, o mais garboso, o mais ilustre, o mais sofrido, o mais humilde, o que mais temeu a Deus, o que mais Lhe prestava serviço, o que abateu e destruiu todos os seus inimigos, o que elevou e honrou todos os seus amigos, e conquistou a cidade de Sevilha, capital de toda a Espanha”.

A nobreza de sua alma tornou-o merecedor de tais elogios, porque São Fernando é “um desses modelos humanos que conjugam em alto grau a piedade, a prudência e o heroísmo; um dos enxertos mais felizes, por assim dizer, dos dons e virtudes sobrenaturais nos dons e virtudes humanos”.6 Embora seus súditos tenham-no celebrado em vida com justa veneração, o transcurso do tempo foi delineando sua estatura como exemplo de virtudes, razão pela qual o povo cristão de todas as épocas “encheu-se de respeito por ele, pois via-se que o inspirava a sabedoria divina para fazer justiça” (I Rs 3, 28). (Revista Arautos do Evangelho, Maio/2012, n. 125, p. 34 à 37)

 

 
Comentários