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Eucaristia


Resposta à pergunta de um leitor sobre a Eucaristia
 
AUTOR: PE. RODRIGO ALONSO SOLERA LACAYO, EP
 
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Como se explica que na Eucaristia permaneçam idênticos todos os elementos físicos e químicos do pão e do vinho após a Transubstanciação? E que tomados em grande quantidade, a Sagrada Hóstia continue a alimentar e o Vinho Consagrado a inebriar?

O estudo piedoso da doutrina católica, mesmo quando todos os esforços da razão humana se vejam superados pela elevação e profundidade dos mistérios divinos, é uma ocasião de progredir na vida espiritual, uma fonte de alegria neste vale de lágrimas e um utilíssimo meio de nos unirmos mais a Deus. Por isso, no intuito de compreender melhor um tema Eucaristia.jpgtão importante como a Transubstanciação, um leitor nos solicitou o esclarecimento de uma dúvida relativa ao artigo O milagre que mais estremece a ordem do universo, publicado na edição de dezembro de 2013, p.18-24, desta Revista.

Tendo em vista que pelas palavras da Consagração toda a substância do pão e do vinho se converte, respectivamente, em toda a substância do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, pergunta o leitor: se o termo filosófico de substância compreende também o de matéria-prima, por que permanecem na Eucaristia os elementos físicos e químicos do pão e do vinho, tais como moléculas, átomos, partículas, carboidratos, etc.? Acaso não correspondem eles à matéria-prima, conforme pareceria à primeira vista?

A dúvida é compreensível. De fato, se realizarmos uma análise científica das espécies eucarísticas antes da Transubstanciação, e outra depois, não encontraremos nenhuma diferença entre ambas. Nelas inclusive permanecem os efeitos próprios à substância do pão e do vinho, pois o primeiro continua a alimentar e o segundo, tomado em grandes quantidades, ainda pode inebriar. Como se justifica isso?

A matéria-prima: fundamento do edifício metafísico

Para responder adequadamente à questão, precisemos antes o significado filosófico de matéria-prima. Uma tarefa complexa…

Explicar o que não se pode ver ou apalpar, ou conhecer por meio dos outros sentidos, seria mais ou menos como um cego de nascença descrever as cores de um belo amanhecer a outra pessoa na mesma situação. Ou, com toda franqueza, como procurarmos definir a matéria-prima, talvez o conceito filosófico mais difícil de se atingir, por ser tão genérico e abstrato. Não obstante, se buscarmos com fins didáticos uma analogia, poderíamos dizer que ela, em certo sentido, se assemelha aos fundamentos de um edifício: apesar de não serem visíveis nem separáveis do resto do prédio, sua existência é inegável, pois eles sustentam toda a construção.

A matéria-prima, com efeito, é o alicerce de todos os seres do universo físico, o primeiro elemento de sua composição. Unida a uma forma substancial, constitui as substâncias materiais – portanto, conforme o leitor acertadamente observou, o conceito filosófico de substância compreende o de matéria-prima, e também o de forma substancial. Por outra parte, do mesmo modo como as colunas e as paredes de um edifício se erguem do solo tendo os fundamentos como sustentáculo, sobre a substância são acrescentados os acidentes para constituir os seres tais como os encontramos na natureza. Por exemplo, lembremos que a substância homem não consiste só na alma (a forma substancial), nem apenas no corpo (o qual possui como fundamento a matéria-prima), mas no composto de ambos os elementos; e, além disso, cada pessoa possui características particulares e não essenciais (os acidentes), como estatura, idade, peso, e assim por diante.

Verifiquemos, a seguir, se há alguma contradição em afirmar que a matéria-prima não permanece após a Consagração, embora não haja no pão nem no vinho alguma mudança de efeitos ou constituição física e química.

Não há contradições na doutrina da Transubstanciação

Pode-se dizer que os elementos químicos – as moléculas, os átomos com suas respectivas partículas, e também os carboidratos, as proteínas, e as gorduras no caso dos seres vivos – constituem a matéria-prima de um objeto? É compreensível que mais de um leitor, à primeira vista, assim o tenha julgado. Porém, a resposta é negativa.

Alguns autores, com o louvável objetivo de demonstrar a atualidade da filosofia de Aristóteles e de São Tomás, procuraram aproximar os conceitos metafísicos aos da ciência contemporânea. Entretanto, esse esforço tão bemSantíssimo Sacramento.jpgintencionado não deixou de ser inapropriado, pois a metafísica e a física conformam duas áreas de conhecimento diferentes, embora não haja contradição entre elas. Seria como tentar vincular a alma humana – uma forma substancial – a algum órgão corpóreo, ou procurar analisá-la sob um microscópio.

Na metafísica, conforme o diz a palavra, estamos diante de realidades além da física, fora do alcance de nossos sentidos, as quais, contudo, não deixam de ser verdadeiramente existentes. Como os fundamentos de um edifício concluído – os quais só podem ser conhecidos pela análise e pelo exercício da razão, por estarem embaixo da terra -, a matéria-prima não é accessível aos nossos sentidos nem à análise de um laboratório. Um carboidrato, por exemplo, é algo definido – uma molécula – que possui características e efeitos próprios.

Em sentido diverso, a matéria-prima não tem nenhuma qualidade definida, nem pode ser delimitada ou identificada dentro de um ser; não é sem razão que Santo Agostinho a definiu como “quase nada”.1

Em síntese, não há contradição alguma na doutrina eucarística por se constatar que os elementos químicos do pão e do vinho continuam sem nenhuma alteração depois da Transubstanciação,visto que eles não correspondem à matéria-prima. Resta-nos verificar, finalmente, como é possível que as espécies eucarísticas continuem com os efeitos próprios da substância do pão e do vinho.

A permanência dos acidentes do pão e do vinho na Eucaristia

Conforme nossos sentidos testemunham, os acidentes do pão e do vinho permanecem na Eucaristia. Ora, assim como a matéria-prima não pode existir sem estar unida a uma forma substancial e a formas acidentais, também os acidentes não podem subsistir sem uma substância como sujeito ou fundamento. De fato, quem conseguiria separar um objeto de seu tamanho? Quando muito, é factível alterar suas dimensões ao acrescentar ou diminuir-lhe alguma coisa, mas ficar com o objeto numa mão e seu tamanho na outra é impossível! Como então se explica a permanência dos acidentes do pão e do vinho sem suas substâncias naturais após a Transubstanciação?

A resposta é simples: por um milagre divino. Ouçamos a explicação do Doutor Angélico: “Os acidentes do pão e do vinho, que os sentidos percebem permanecerem neste mento depois da Consagração, não têm por sujeito a substância do pão e do vinho, que não permanece. […] Além do mais, é evidente que tais acidentes não têm por sujeito a substância do Corpo e Sangue de Cristo. Pois, estes acidentes não podem de modo nenhum afetar a substância do corpo humano, como também é impossível que o Corpo de Cristo, que existe de modo glorioso e impassível, se altere para receber tais qualidades. […] Daí se segue que os acidentes neste Sacramento permanecem sem sujeito. Isso pode ser feito pelo poder divino”.2

Entretanto, os prodígios operados na Consagração não terminam com a permanência dos acidentes do pão e do vinho na Eucaristia, pois este Sacramento estremece ainda mais a ordem do universo. Com efeito, a virtude onipotente de Deus, que primeiro opera o milagre de conservar as espécies eucarísticas após a Transubstanciação, concede aos acidentes a possibilidade de continuar exercendo a ação natural de suas respectivas substâncias: “Na Consagração, assim como a substância do pão se converte milagrosamente no Corpo de Cristo, também por milagre se concede que os acidentes subsistam, o que é próprio da substância, e portanto, que possam fazer tudo e serem passíveis de tudo quanto a substância poderia fazer e ser passível, se aí estivesse. Por isso, sem um novo milagre podem embriagar e nutrir, apodrecer, serem incinerados, segundo o mesmo modo e a mesma ordem, como se estivesse presente a substância do pão e do vinho”.3

Assim como Deus formou o Corpo de Nosso Senhor no seio virginal de Maria Santíssima sem o concurso de um varão, seu poder infinito também pode produzir os efeitos próprios dos seres criados, sem a ação destes.4 É deste modo que Consagração_Missa.jpgos acidentes do pão e do vinho permanecem de maneira milagrosa na Sagrada Eucaristia, continuando a exercer os efeitos de sua respectiva substância.

“Começa, avança, persiste!”

Caro leitor, esperamos que o presente artigo lhe seja útil para esclarecer dúvidas sobre a doutrina da Sagrada Eucaristia. Contudo, bém estamos conscientes de que ele pode ter gerado mais interrogações do que respostas…

De fato, os princípios filosóficos e as explicações teológicas servem para nos demonstrar que não há contradições nas verdades da Fé, permitindo-nos aprofundar nossos conhecimentos a seu respeito. Mas nunca poderão rasgar todos os véus que cobrem os olhos de nosso entendimento, os quais são incapazes de vencer a grandeza e a luminosidade dos mistérios divinos. É o que nos diz o Espírito Santo através do Eclesiástico: “A ti foram reveladas muitas coisas que ultrapassam o alcance do espírito humano” (Eclo 3, 25).

Entretanto, isso não deve ser motivo para desanimarmos de estudar a doutrina sagrada. Pelo contrário! Esta impossibilidade, tal como as demais adversidades na vida, deve servir-nos de estímulo para progredir, conforme nos aconselha o Doutor Angélico: “No campo das mais altas realidades, é uma imensa alegria poder, humilde e fracamente, perceber alguma coisa. Esta opinião é confirmada pela autoridade de Santo Hilário, o qual, em seu livro sobre a Trindade, escreve a propósito desta verdade: ‘Em tua fé, começa, avança, persiste. Por certo, não chegarás ao termo, eu bem sei, mas me alegrarei pelo teu progresso. Quem procura com fervor a verdade infinita, progride sempre, mesmo sem conseguir alcançá-la'”.5 (Revista Arautos do Evangelho, Maio/2014, n. 149, p. 19 à 21)

1 SANTO AGOSTINHO. Confissões. L.XII, c.6.
2 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.77, a.1.
3 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Contra os Gentios. L.IV, c.66.
4 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, ibidem.
5 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Contra os Gentios. L.I, c.8.

 
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