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Espiritualidade


Os Salmos: paradigma da oração perfeita
 
AUTOR: IR. MARIA CECÍLIA LINS BRANDÃO VEAS, EP
 
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Síntese da experiência religiosa do povo israelita no Antigo Testamento, os Salmos cumprem os cinco requisitos expostos por São Tomás para uma oração perfeita.

Narra o Gênesis que Deus passeava pelo Jardim do Éden à hora da brisa da tarde (cf. Gn 3, 8), e podemos imaginá-Lo descendo, sobretudo, para conversar e conviver com Adão. Dar-se-ia ali um diálogo sublime: de Adão emanariam cânticos e hinos de louvor ao Altíssimo, e d’Ele, um convite a Adão para elevar-se mais na contemplação das coisas criadas e divinas.

O homem é convidado a dialogar com Deus

Nesta cena divisada por nossa piedade, deparamo-nos com o aspecto mais insigne da dignidade humana, que “consiste na sua vocação à união com Deus. É desde o começo da sua existência que o homem é convidado a dialogar com Deus”,1 e isto não é senão o cerne de sua vida espiritual: a oração.

Rei David - Museu Nazional di Villa Guinigi - Lucca - Italia.jpg
Agrada sumamente a Deus a confiança em
sua misericórdia, porque assim honramos
     e exaltamos aquela sua infinita bondade        – O Rei Davi – Museu Nacional de Villa
Guinigi, Lucca (Itália)

Santa Teresinha afirma que “a oração é um impulso do coração, é um simples olhar que se lança para o Céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no seio da provação, como no meio da alegria”.2 É através da oração que o homem se comunica com o seu Criador, pois no coração humano está vincada uma tendência natural para Ele, como corolário do inestimável dom de haver sido criado à sua “imagem e semelhança” (Gn 1, 26).

Partindo deste pressuposto, poderemos melhor compreender a força dos Salmos, enquanto verdadeiros colóquios com Deus.

Constância humilde e confiante

“Bendize, ó minha alma, o Senhor! Senhor, meu Deus, Vós sois imensamente grande!” (Sl 103, 1), canta o salmista. Brilham no Antigo Testamento, inspiradas pelo Divino Espírito Santo que “intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26), estas belas orações, que se apresentam como hinos a expressar louvor, gratidão, lamentos, súplicas ou pedidos de perdão ao Criador.

Não obstante, cumprem os Salmos, no seu conjunto, os cinco requisitos mais importantes expostos por São Tomás para uma oração perfeita? Ensina o Doutor Angélico que esta deve ser “confiante, reta, ordenada, devota e humilde”.3 Analisemos, então.

“Agrada sumamente a Deus a nossa confiança em sua misericórdia, porque assim honramos e exaltamos aquela sua infinita bondade que Ele quis manifestar ao mundo nos criando”.4 De fato, para maior impetração no atendimento da súplica, nela deve transparecer uma confiança toda amorosa e humilde para excitar a misericórdia de Deus: “Quando Me invocar, Eu o atenderei” (Sl 90, 15).

Por isso, “os que se cansam, depois de haver rogado durante um tempo, carecem de humildade ou de confiança, e deste modo não merecem ser escutados. Pareceria como se pretendêsseis ser obedecida a vossa oração no mesmo instante, como se fosse um mandato. Não sabeis que Deus resiste aos soberbos e se compraz com os humildes? Acaso vosso orgulho não vos permite sofrer, ao voltar mais de uma vez para a mesma coisa? É ter muito pouca confiança na bondade de Deus o desesperar-se tão rápido, o tomar as menores demoras por desprezos absolutos”.

Modelos preclaros de constância humilde e confiante são os Salmos, nos quais se entrevê a esperança do salmista a clamar e elevar aos Céus sua prece, implorando o auxílio do Todo-Poderoso, por piores que sejam as circunstâncias em que esteja imersa sua alma. Eis porque canta o rei e profeta David: “Tende piedade de mim, Senhor, porque vivo atribulado, de tristeza definham meus olhos, minha alma e minhas entranhas. Realmente, minha vida se consome em amargura, e meus anos em gemidos. Minhas forças se esgotaram na aflição, mirraram-se os meus ossos. […] Mas eu, Senhor, em Vós confio. Digo: Sois Vós o meu Deus” (Sl 30, 10-11.15).

Que haveria de mais belo e atraente aos olhos do Senhor quanto o coração de um filho, cuja confiança é a fina ponta da esperança a crepitar dentro de si? “Quando esperamos alguma coisa, temos alegria e a convicção de que algo de bom nos virá. É essa confiança que dá forças às nossas almas de caminhar para frente”.

Vontade pronta para se entregar ao serviço de Deus

Ora, assim como a humildade incita a confiança, esta proporciona a devoção. “Correrei pelo caminho de vossos Mandamentos, porque sois Vós que dilatais meu coração” (Sl 118, 32). Aqui canta o salmista cheio do élan com o qual o homem experimenta um pedaço do Céu: a virtude da devoção. Por ela somos ateados no fogo do amor divino e recebemos um novo alento para agir de acordo com as vias do sobrenatural, como assegura São Tomás: “a devoção nada mais é do que a vontade pronta para se entregar a tudo que pertence ao serviço de Deus”.

Uma vez possuidora de tão grande benefício, a alma não duvida em pedir o mais conveniente para si, e deseja, na verdade, apenas o que lhe é lícito e ordenado. Por isso, a oração será “retíssima quando se pede o que o Senhor mesmo incita a pedir”. 8 E o que estimula Deus? O desejo da santidade e da união íntima com Ele, para se preferir as coisas celestes às terrenas. Não é esta, senão, a voz do salmista: “Como a corça anseia pelas águas vivas, assim minha alma suspira por Vós, ó meu Deus” (Sl 41, 2).

“Que bonita esta comparação: uma fonte que brota; e Deus, que fez ‘brotar’ tudo do nada! Como isso é majestoso! A fonte é um sinal de Deus. Assim como o cervo que corre velozmente encontra uma fonte e para, para se dessedentar, assim nossa alma, correndo pelos caminhos da vida, tem sede de Deus. E nossa alma para diante de Deus e ‘bebe'”.

Fundamento para a vida espiritual

Os Salmos, síntese da experiência religiosa do povo israelita no Antigo Testamento, merecem ser perpetuados na Igreja, portanto, como paradigma da oração perfeita, autênticos diálogos com o Criador. Eles são, também, um fundamento para nossa vida espiritual, pois suas eloquentes preces nos dão, antes de tudo, o apoio para nunca perdermos de vista, a cada dia, o nosso destino eterno. (Revista Arautos do Evangelho, Fevereiro/2015, n. 158, p. 26-27)

 
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