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Comentários ao Evangelho


Os Apóstolos ou as Santas Mulheres?
 
AUTOR: MONS. JOÃO SCOGNAMIGLIO CLÁ DIAS, EP
 
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A diversidade de comportamento entre os seguidores do Divino Mestre no dia da Ressurreição indica-nos como agradar a Deus, apesar de sermos imperfeitos.

1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. 2 Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde O colocaram”. 3 Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. 4 Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. 5 Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou. 6 Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão 7 e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. 8 Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou. 9 De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos (Jo 20, 1?9).

Monsenhor João Sconamiglio Clá Dias EP.jpgI – É a Páscoa do Senhor!

Após quarenta dias de espera e penitência, acompanhamos de perto as dores inenarráveis de Nosso Senhor Jesus Cristo na Semana Santa. E finalmente celebramos a Ressurreição do Senhor – mistério essencial de nossa Redenção -, cujas alegrias e aleluias se estenderão por cinquenta dias, recordando o tempo que Jesus esteve junto aos seus na Terra, até subir aos Céus, e a fase na qual Nossa Senhora e os Apóstolos aguardaram a descida do Espírito Santo. É um período de júbilo, por significar a passagem da vida anterior, marcada pela culpa original, para a vida nova trazida por Jesus, abrindo as portas do Céu, que estavam fechadas para a humanidade.

Morte e Ressurreição do Homem-Deus

Dentre os efeitos da queda de Adão está a perda do dom de imortalidade e, em consequência, a separação da alma e do corpo no fim da vida, sofrimento tão tremendo, horroroso e intenso que não há palavras capazes de exprimi-lo. Quem retornou para descrever este trágico momento? Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo, que jamais cometeu qualquer falta, quis passar por este transe e suportar as dores da morte como nós as padeceremos, para retribuir a Deus a glória que Lhe fora negada pelo pecado e nos redimir. E quando Ele, tendo inclinado a cabeça, entregou o espírito e sua Alma sacrossanta abandonou aquele Corpo adorável e sagrado, ambos permaneceram unidos à divindade.

Resurreição de Cristo - Catedral de Manresa - Espanha..jpg
Nossa Senhora foi, sem dúvida, a
primeira a tomar conhecimento da
Ressurreição

Ressurreição de Cristo
Catedral de Manresa (Espanha)

Como mostram os Evangelhos, a Paixão de Nosso Senhor teve um caráter processivo: depois de ser julgado, flagelado, esbofeteado, coroado de espinhos e de carregar a Cruz às costas, sua agonia durou cerca de três horas (cf. Mt 27, 45; Mc 15, 33; Lc 23, 44). E “só quando Ele realizou tudo quanto julgou necessário realizar foi que chegou a hora marcada, não pela necessidade, mas por sua vontade; não pelas exigências de sua natureza, mas por seu poder”.1 Em sentido contrário, a Ressurreição foi repentina. Eis um aspecto deste mistério que devemos ter sempre presente: ao terceiro dia, Cristo retomou o Corpo por seu poder divino, de modo instantâneo. Não mais um corpo mortal como o nosso – que assumira ao longo de sua vida terrena, por um milagre negativo2 -, e sim em seu estado normal, ou seja, glorioso, como correspondia à bem-aventurança de sua Alma. E isto por um simples ato de sua divina vontade.

Imaginemos que nessa hora a imensa pedra que cerrava o sepulcro tenha saltado dos trilhos. Ela havia sido selada pelos membros do Sinédrio, que se empenharam, ademais, em pôr uma guarda no local para evitar que o Corpo fosse roubado. Embora sem fé, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus eram profundamente inteligentes e sabiam que tudo quanto Jesus prometera se havia cumprido, o que os levou a fazer deduções claras a respeito da possibilidade de se dar algo inesperado (cf. Mt 27, 62?66). Assim, os soldados foram os primeiros – depois, sem dúvida, de Nossa Senhora3 – a tomar conhecimento da Ressurreição. Assustados, correram para contar aos sinedritas o ocorrido. Estes, presas do pânico, chegaram a pagar-lhes a fim de espalharem o boato de que o Corpo de Nosso Senhor tinha sido retirado à noite pelos discípulos (cf. Mt 28, 11?13). Eis as imediatas reações diante de um acontecimento que fixaria definitivamente o rumo da História da salvação.

II – O testemunho do Discípulo Amado

O Apóstolo São João demonstra especial zelo ao redigir seu Evangelho. Escreve-o, enquanto testemunha ocular, para pessoas que não tiveram contato com Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitado, o que constituiu um privilégio dos Onze, das Santas Mulheres e dos discípulos. Estes últimos somavam mais de quinhentos, que O encontraram quiçá na Galileia (cf. I Cor 15, 6), e é provável que tenham presenciado a sua subida aos Céus, em Betânia (cf. Lc 24, 50?51). Neste sentido, declara São Pedro na primeira leitura (At 10, 34a.37?43), extraída dos Atos dos Apóstolos: “Deus O ressuscitou no terceiro dia, concedendo-Lhe manifestar-Se não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia escolhido: a nós, que comemos e bebemos com Jesus, depois que ressuscitou dos mortos” (10, 40?41). Com efeito, Nosso Senhor teve a delicadeza de tomar alimento na companhia deles para perderem qualquer receio de que fosse um fantasma. Eles viram, acreditaram, e alguns até puderam n’Ele tocar; outros, em contrapartida, serão chamados a crer, sem ver, vivendo da fé dos primeiros.

Fé tão robusta, firme e inabalável, que os levou a propagar a notícia da Ressurreição do Senhor por toda a parte, dispostos a sofrer o martírio, se necessário fosse, em defesa desta verdade que haviam constatado. Assim, os Apóstolos enfrentaram ufanos as perseguições mais terríveis, e acabaram dando testemunho deste extraordinário episódio com a própria vida. Desta forma, a Fé Católica se espalhou pelo mundo inteiro, a ponto de Tertuliano afirmar dos cristãos que se multiplicavam no Império Romano: “Nós somos de ontem; todavia, enchemos vossas cidades, ilhas, fortes, vilas, conselhos, bem como os campos, tribos, decúrias, o palácio, o senado, o foro; apenas vos deixamos os vossos templos. […] Nós poderíamos migrar e vos deixar em situação de vergonha e desolação”.4 Santo Agostinho,5 muito atilado e inteligente, chegou a dizer aos incrédulos de sua época que ao negarem a Ressurreição mostravam grande estultice, pois se Nosso Senhor não tivesse ressuscitado, então havia feito um milagre bem maior: a difusão da Igreja Católica por todo o orbe sem ter ressurgido dos mortos.

Analisemos, nesta perspectiva, o trecho recolhido pela Liturgia do Domingo da Páscoa, conjugado com os relatos dos outros evangelistas.

Imprudência temerária?

1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo.

São Marcos narra terem sido três as mulheres que partiram de manhã cedo para o túmulo: “Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé” (Mc 16, 1). À primeira vista, como definir seu proceder?

As Santas Mulheres..jpg
A ação era comprometedora, pois mesmo que elas não lograssem sequer se
aproximar, a mera tentativa ocasionaria um escândalo

As Santas Mulheres diante do sepulcro vazio Basílica de São Marcos,
Veneza (Itália)

Imprudência! Elas não planejaram nada ou, quando muito, o fizeram de maneira insuficiente, não usaram a razão e agiram por impulso. Afinal, sabiam perfeitamente que o Corpo de Jesus já fora preparado (cf. Mt 27, 59?61; Mc 15, 46?47; Lc 23, 53?55), pois antes do sepultamento passara por um cuidadoso processo nas mãos de Nicodemos e de José de Arimateia, que compraram para tal os melhores perfumes e bálsamos (cf. Jo 19, 38?40). Além disso, o Corpo sagrado de Nosso Senhor fora depositado num túmulo fechado por uma lápide, que corria entre dois trilhos e havia sido lacrada. Como três mulheres conseguiriam girá-la? Só no caminho elas pensaram neste detalhe: “Quem nos há de remover a pedra da entrada do sepulcro?” (Mc 16, 3). Sim, quem lhes prestaria este auxílio àquela hora da manhã, num local custodiado por guardas (cf. Mt 27, 66)? Outra agravante eram as prescrições do Direito Romano, que proibiam a violação de uma sepultura, o que, na verdade, é também contrário ao direito natural. Elas estavam prestes a transgredir as leis civis, num regime tão estrito quanto o do Império.

É também evidente que não tinham pedido licença a São Pedro e aos demais Apóstolos, a qual, decerto, não lhes teria sido concedida. Eles, cientes da suspeita dos judeus de que o Corpo poderia ser roubado, não queriam dar margem a uma calúnia, mandando mulheres ao sepulcro numa hora imprópria. A ação era comprometedora, pois mesmo que elas não lograssem sequer se aproximar, a mera tentativa ocasionaria um escândalo, e seria interpretada como uma atitude insuflada pelos Apóstolos, com o objetivo de sondar as condições do lugar para retirar o cadáver. Na aparência, o intento era motivado apenas por irreflexão, loucura, imaginação e fantasia. Terá sido exatamente isto? Mais adiante analisaremos com vagar este ponto. Por fim, quando se depararam com o túmulo aberto e vazio, resolveram informar os Onze, às pressas.

Autoridade mais respeitada que os vínculos familiares

2 Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde O colocaram”. 3 Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. 4 Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. 5 Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou.

Entrementes, onde se encontravam os Apóstolos? Reunidos no Cenáculo, com as portas e janelas fechadas: o extremo oposto da atitude imprudente das mulheres. Ante a notícia do desaparecimento do Corpo, São Pedro e São João saíram correndo para certificar-se da veracidade do anúncio de Santa Maria Madalena. Era o que lhes cabia fazer ante tal surpresa.

São João adiantou-se e chegou primeiro ao túmulo, pois era jovem e ágil, enquanto São Pedro já sentia sobre si o peso das décadas. Chama a atenção o respeito do Evangelista por Pedro, em virtude da idade. É este, sem dúvida, um aspecto real, porém não o mais importante. Sabemos que os familiares gozam de precedência sobre os corpos dos seus falecidos, inclusive com relação às autoridades. Ora, na qualidade de parente de Nosso Senhor, João teria direito de ingressar no sepulcro de imediato, precedendo Pedro que não possuía qualquer vínculo sanguíneo com o Mestre. No entanto, compreendendo que ele fora constituído Chefe da Igreja nascente, o Discípulo Amado ignorou os laços humanos e deteve-se à entrada, para esperar que o primeiro Papa chegasse.

São Pedro e São João diante do Sepulcro vazio - Biblioteca do Mosteiro de Yuso - San Millán de la Cogolla - Espanha.jpg
Ao penetrar no sepulcro e ver tudo
em perfeita ordem, São Pedro
concluiu que o
Corpo não fora roubado

São Pedro e São João diante
do sepulcro vazio Biblioteca
do Mosteiro de Yuso, San
Millán de la Cogolla (Espanha)

A incompreensão de São Pedro

6 Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão 7 e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte.

Ao penetrar no sepulcro e ver tudo em perfeita ordem – conforme a descrição deste versículo -, São Pedro concluiu que o Corpo não fora roubado. É incontestável que a única preocupação de um ladrão consiste em furtar aquilo que deseja e nunca se empenha em deixar objetos remexidos por ele no seu devido lugar; pelo contrário, o caos é o indício normal de sua passagem por uma casa. “Se alguém tivesse mudado a localização do Corpo” – comenta São João Crisóstomo – “não o teria desnudado para isso. Ou, se o tivessem roubado, não teriam tido o trabalho de tirar o sudário da cabeça, enrolá-lo e colocá-lo à parte. Como teriam feito? Teriam levado o Corpo tal como estava”.6 A despeito das evidências, São Pedro não entendeu o que sucedera e não acreditou. Ele ainda não havia recebido uma graça especial para crer na Ressurreição.

O Discípulo Amado acreditou pela fé de Nossa Senhora

8 Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou. 9 De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos.

Bem diversa foi a reação do Discípulo Amado. Ele entrou, fez uma inspeção do túmulo junto com São Pedro e acreditou. Por conseguinte, foi o primeiro a ter fé – depois de Nossa Senhora -, mesmo sem qualquer contato com Jesus ressuscitado e, neste sentido, superou inclusive Santa Maria Madalena. Como podemos explicar isto? “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus!” (Mt 5, 8). De fato, a condição de Apóstolo Virgem conferia a São João uma elevada visão da realidade e uma superior sabedoria.

Não nos esqueçamos, também, da cena aos pés da Cruz: “Quando Jesus viu sua Mãe e perto d’Ela o discípulo que amava, disse à sua Mãe: ‘Mulher, eis aí teu filho’. Depois disse ao discípulo: ‘Eis aí tua Mãe’. E dessa hora em diante o discípulo A levou para a sua casa” (Jo 19, 26?27). Fiel aos desígnios do Senhor, “ele A guardará como seu bem, ele substituirá junto a Ela seu Divino Amigo; ele A amará como sua própria mãe; ele será por Ela amado como um filho”.7 É natural que, desde então, se estabelecesse um entrelaçamento profundo e um relacionamento íntimo entre ambos. Como seriam as conversas de Maria com João! Em circunstâncias tão trágicas quanto estas, o tema dos colóquios terá sido a Paixão e Morte de Nosso Senhor. Maria Santíssima, embora com a alma traspassada de dor, era a única que conservava acesa a certeza da Ressurreição do Senhor, enquanto todos os outros, insuficientes na fé, eram incapazes de alcançar o significado daquilo que Jesus lhes revelara repetidas vezes: “O Filho do Homem deve ser entregue nas mãos dos pecadores e crucificado, mas ressuscitará ao terceiro dia” (Lc 24, 7). A Igreja vivia, portanto, de sua extraordinária fé.

Num misto de sofrimento, alegria e santa ansiedade, Nossa Senhora ardia em desejos de que seu Filho ressurgisse, e o terá confidenciado a São João para consolá-lo, manifestando-lhe o momento em que isto aconteceria. De forma que, quando Santa Maria Madalena irrompeu no Cenáculo e contou que o Corpo não estava no túmulo, ele se lembrou imediatamente das palavras de Maria Santíssima. E, mais tarde, ao constatar que não se tratava de roubo, soube discernir, na meticulosa disposição das faixas de linho e do pano, a mão daquele Senhor que é a ordem por excelência, a própria ordem do universo. E ele acreditou! Por isso escreve estes versículos para convencer os que não viram e deveriam crer, como se dissesse: “Eu acreditei sem ter visto e só depois recebi a confirmação. Vós também precisais acreditar”.

III – Perante a Ressurreição: amor ou indiferença?

Curto foi o espaço de tempo transcorrido entre os episódios narrados neste trecho e a aparição de Nosso Senhor às Santas Mulheres, que partiram em seguida para dar a Boa-nova da Ressurreição aos Apóstolos (cf. Mt 28, 9?10; Mc 16, 9?10; Jo 20, 14?18). Porém, a reação deles foi de descrença (cf. Mc 16, 11), pois “essas notícias pareciam-lhes como um delírio” (Lc 24, 11), deixando-os alarmados (cf. Lc 24, 22). O contraste entre a postura dos discípulos – resguardados por medo dos judeus (cf. Jo 20, 19) – e a de Santa Maria Madalena e suas companheiras mostra que enquanto os homens são prudentes e guiam-se pela razão, as mulheres cometem loucuras… Contudo, como procedeu Jesus ante a cautela de uns e a temeridade de outros?

Aos Apóstolos, Ele “censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, por não acreditarem nos que O tinham visto ressuscitado” (Mc 16, 14), e só Se pôs no meio deles depois de ter ido ao encontro das mulheres, às quais, pelo contrário, demonstrou complacência, além de enviar-lhes Anjos (cf. Mt 28, 1?7; Mc 16, 5?7; Lc 24, 4?7; Jo 20, 12?13) que as trataram com especial cortesia. E mais, os discípulos, incumbidos de divulgar a verdade pelo mundo inteiro, acabaram por ser evangelizados pelas Santas Mulheres que, ao sair correndo para anunciar a Ressurreição, se tornaram apóstolos dos Apóstolos.

O amor conquista a benevolência de Deus

Subentende-se, então, que Nosso Senhor gosta de atitudes irrefletidas? Com efeito, o amor delas não era totalmente puro por estar misturado com imprudências. Basta observarmos que Nossa Senhora não Se incorporou à aventura, sinal de não ser esta isenta de certo desatino. E elas próprias tampouco creram logo de início, uma vez que o aviso dado a São Pedro  e a São João foi apenas sobre o desaparecimento do Corpo. Não obstante, possuíam um amor mais intenso que o dos Apóstolos. Sua conduta, apesar dos defeitos, é de quem ama.

Nossa Senhora e São João veneram as relíquias da Paixão.jpg
Nossa Senhora ardia em desejos de que seu Filho ressurgisse, e o terá
confidenciado a São João para consolá-lo

Nossa Senhora e São João veneram as relíquias da Paixão Convento
de São Pedro de Alcântara, Arenas de San Pedro (Espanha)

Isto põe em evidência uma realidade impressionante sintetizada na célebre frase de Santo Agostinho: “Dilige, et quod vis fac – Ama e faze o que queres”.8 Quando há caridade, ainda que imperfeita, Deus aceita as nossas disposições com benevolência e as aprimora. Assim, entre a prudência dos discípulos e o desvario das Santas Mulheres, Nosso Senhor Jesus Cristo pendeu para este último. Por quê? No comportamento prudente não havia amor e no insensato, sim. Se Jesus premiou a audácia, foi graças a algo de saudável e santo a ela ligado.

A supremacia do amor

Que concluir deste episódio em benefício de nossa vida espiritual? Ele serve para nos mostrar quanto a razão é importante e a doutrina deve ser assimilada de modo exímio. Mas, ao mesmo tempo, manifesta que a ousadia com base numa intuição dada pelo amor pode sobrepujar a ação originada do simples conhecimento. Isto porque a audácia está vinculada ao dom de conselho, e este é superior à virtude da prudência. Ora, se alguém age de acordo com a prudência, seus atos são humanos, embora auxiliados pela graça; enquanto pelo dom de conselho a alma recebe uma inspiração certeira – que transcende a razão discursiva -, mediante a qual escolhe o caminho a seguir e, saltando as premissas, chega logo à conclusão, sob uma moção do Espírito Santo. Inúmeros feitos, no decurso dos séculos, revelam isto. Conta-se que Hernán Cortés, prevenindo a defecção dos homens de sua comitiva – tentados de abandoná-lo na heroica gesta de conquistar o imenso México para Nosso Senhor Jesus Cristo com algumas poucas centenas de soldados -, mandou destruir os navios de sua própria frota, a fim de impedir-lhes a retirada. Audácia levada ao extremo, resolução épica, não fruto de um pausado silogismo, mas de uma infusão do dom de conselho. É como a mãe que, pelo instinto materno, discerne com clareza a doença do filho que os médicos não conseguem descobrir.

Princípio este que com tanta propriedade exprimiu Joseph de Maistre: “La raison ne peut que parler, c’est l’amour qui chante – A inteligência só sabe falar, o amor é que canta”. 9 E também Pascal, em sua famosa sentença: “O coração tem suas razões que a razão não compreende!”.10 De fato, este amor é fonte de conselho, de entusiasmo, de certos arrojos que dificilmente brotam do puro raciocínio. É, pois, primordial amar, porque a nossa Santa Religião é sobremaneira grande para ser só entendida, ou para a ela aderirmos partindo do mero intelecto. Com Santa Teresinha do Menino Jesus, é preciso exclamar:

“Compreendi que só o Amor fazia agir os membros da Igreja e que se o Amor viesse a se extinguir, os Apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os mártires recusariam derramar seu sangue… Compreendi que o Amor encerra todas as vocações, que o Amor é tudo, que abraça todos os tempos e todos os lugares… Numa palavra, que ele é eterno!…”.11

Se condensássemos o Evangelho num único termo, este seria amor! Eis um dos importantes ensinamentos contidos nos relatos evangélicos da Ressurreição. Com o coração abrasado entreguemo-nos a Cristo por inteiro, sabendo que as nossas audácias são tomadas por Ele com benevolência.

IV – A Ressurreição: prenúncio da glória reservada aos batizados

Em muitos países de tradição cristã costuma-se comemorar a Ressurreição com a troca de ovos de Páscoa. Belo símbolo, porque o ovo contém em si um germe de vida. Ele representa o inestimável benefício trazido pela Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, pré-figura da nossa.

A Ressurreição conquistou-nos a verdadeira vida

Nós estávamos mortos, porque carregávamos a herança do pecado original cometido por nossos pais Adão e Eva, mas o Salvador nos obteve uma vida nova, infinitamente mais valiosa que a humana: a participação na própria vida divina. E este tesouro merece ser tratado com especial carinho, dirigindo nosso amor no rumo certo, segundo o ensinamento da Liturgia do Domingo da Páscoa.

Aparição aos Apóstolos no Cenáculo - Catedral de Notre Dame, Paris.jpg

Aos Apóstolos, Ele “censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração”

Aparição aos Apóstolos no Cenáculo – Catedral de Notre Dame, Paris

Por isso São Paulo nos recomenda na segunda leitura (Col 3, 1?4) que, uma vez mortos para os vícios e ressuscitados com Cristo, orientemos nossas preocupações para o que vem do alto e não para as coisas concretas que desviam os olhos e o coração de nosso destino eterno, tal como os defuntos não mais se ocupam de seus antigos afazeres ao deixarem esta Terra. Quanta febricitação, fruto do egoísmo e da vaidade! Quanta ilusão com o mundo, os elogios, a repercussão social! Quanta atenção à saúde e ao dinheiro! Cuidados que, até no que têm de legítimo, nos arrastam e nos toldam os horizontes, e constituem uma falta contra o Primeiro Mandamento, tão pouco considerado em nosso exame de consciência.

A alegria da ressurreição final

Entretanto, tenhamos presente que Nosso Senhor Jesus Cristo virá para julgar os vivos e os mortos. Então, a uma voz de comando d’Ele, num só instante, as almas reencontrarão os corpos, auxiliadas pelos Anjos da Guarda que se encarregarão de reunir as cinzas.12 Enquanto peregrinamos neste vale de lágrimas, recordemos que há apenas dois caminhos ao término dos quais nos espera a eternidade feliz no Céu ou a padecente e infeliz, no inferno. Não há uma terceira via!

Após a nossa ressurreição, quando afinal sairmos deste “ovo”, a contemplação de Deus nos cumulará de tanta alegria e consolo que não haverá mais possibilidade do menor sofrimento. Será um gozo espiritual, já que nossos olhos carnais não foram feitos para ver a Deus. No entanto, é necessário que o corpo acompanhe a alma neste estado, dada a entranhada união existente entre ambos. Assim, ele se tornará espiritualizado e a tal ponto a alma o dominará que, por um simples desejo, esta elaborará as próprias roupas sem precisar recorrer a ilustres alfaiates. No exterior transparecerão as maravilhas postas no interior por um dom divino, conforme afirma São Paulo, ainda na segunda leitura: “Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com Ele, revestidos de glória” (Col 3, 4). A ressurreição produzirá em cada Bem-aventurado uma tão grande transformação que não nos reconheceremos mais.

Eis o futuro que nos aguarda, tão superior a qualquer expectativa que não somos sequer capazes de excogitar como será. “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que O amam” (I Cor 2, 9). Peçamos a Cristo Jesus que nos conceda, em sua infinita misericórdia, a plenitude da vida sobrenatural conquistada por sua Morte e Ressurreição. (Revista Arautos do Evangelho, Abril/2015, n. 160, pp. 8 à 16)

Cristo Ressuscitado com Maria Santíssima e os Apóstolos.jpg
“Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis
também com Ele, revestidos de glória”
Cristo Ressuscitado com Maria Santíssima e os Apóstolos
Catedral de Valência (Espanha)

 

 
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