Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Contos Infantis


O monge cego de um olho
 
AUTOR: BÁRBARA HONÓRIO
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
0
0
 
Tanta era a felicidade de Teodoro que essa noite ele não dormiu. E só quando os primeiros raios da madrugada entraram por sua janela percebeu que já não enxergava do olho direito.

Numa antiga abadia construída à beira da floresta, uma piedosa comunidade de monges se dedicava à oração, aos estudos e a humildes trabalhos prescritos pela regra de sua Ordem. Entre eles destacava-se Teodoro, conhecido por sua ardente devoção à Santíssima Virgem.

Durante anos empenhou-se em mais amá-La e melhor conhecê-La. Para isso, rezava muito e estudava tudo o que a respeito d’Ela haviam escrito os Santos. E quanto mais rezava, mais lhe crescia a devoção, e quanto mais lia, mais lhe aumentava a sede de conhecer.

Um dia, ficou profundamente impressionado ao ler no Novo Testamento esta passagem de São Paulo: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2, 9). Após muito considerar, chegou à seguinte conclusão: “Sim, nada do que se escreve sobre a Virgem é suficiente. Oh, se eu pudesse vê-La com meus próprios olhos!”

O monge cego de um olho - RAE 52.JPGE desde então essa idéia não mais lhe saiu da mente. Com esse anseio ele despertava e adormecia. E mesmo durante os trabalhos, por vezes um suspiro lhe saía dos lábios: “Se ao menos pudesse vê-La uma vez!” Já não tinha outra intenção em suas infindáveis orações, e tanto golpeou as portas celestes que elas por fim se abriram… Uma noite, a humilde cela do ardoroso monge enche-se de intensa luz. Acordando sobressaltado, ele vê diante de si uma figura angélica que lhe diz:

– Teodoro, sou teu Anjo da Guarda! A Rainha do Céu ouviu tuas insistentes orações e deseja atender-te. Contudo, para teres o imerecido dom de, ainda em vida, contemplá-La face a face, é necessário que ofereças um duro sacrifício: o de perder tua vista direita. Estás disposto a fazê-lo?

Só isso?! – pensa o monge. E logo responde:

– Mas claro! Aceito com alegria! O anjo então inclina-se, abre os braços e milagrosamente desaparecem as paredes do mosteiro, a luz redobra de intensidade, um inefável perfume impregna o ar e uma maravilhosa música se faz ouvir…

Oh! maravilha! Precedida por uma coorte de anjos, surge a Mãe de Deus. Com maternal bondade, Ela olha para Teodoro e… sorri! O mais belo de todos os sorrisos que já houve e haverá… O afortunado monge está fora de si de alegria. Passado um breve instante, a fulgurante luz começa a diminuir, a visão lentamente se desvanece e Teodoro fica sozinho na escuridão da noite.

Tanta era sua felicidade que essa noite não dormiu. Jamais algo ficara tão bem gravado em sua memória. E só quando os primeiros raios da madrugada entraram por sua janela percebeu que já não enxergava do olho direito.

Todos se compadeceram do infortúnio daquele homem que se deitara são e inexplicavelmente despertara cego de um olho. E admiravam-se de não vê-lo triste, mas, pelo contrário, mais contente do que nunca. Teodoro a ninguém revelou o que se passara naquela noite.

Transcorreram assim os dias e os meses. Teodoro, sempre feliz, vivia da lembrança daquele inesquecível momento em que, diante de seus olhos, o céu baixara à terra. Aprendeu a suportar o incômodo de ter só uma vista, e quando sofria algum tropeço ou acidente por causa de sua limitada visão, logo pensava: “Sim, valeu a pena! Isso não é nada em comparação com aquele inefável sorriso!”

Entretanto, com o passar dos anos sua alegria foi aos poucos se misturando com certa dor. Teodoro sentia saudades daquele olhar indescritível. Qualquer maravilha que encantava os outros monges para ele parecia sem expressão. As belas cores do pôr-do-sol, a matizada luz dos vitrais, nada eram em comparação com a celestial face da Virgem Maria. Os harmoniosos acordes do órgão pareciam um pobre sussurro perto da música que tinha ouvido. E todas as flores que cobriam os montes na primavera nem de longe tinham o perfume que invadira sua cela naquela bendita noite.

Em seu coração renasceu o antigo desejo: “Se eu pudesse vê-La novamente!…” E pôs-se a rezar com redobrada insistência, pedindo que mais uma vez lhe fosse concedida a incomparável graça.

E eis que, do mesmo modo como havia se passado anos antes, sua cela foi invadida pela sobrenatural luz que prenunciava a aparição do anjo.

– Teodoro, aqui me tens de volta! Se queres mesmo ver de novo a Virgem Santíssima, sabe que isso irá custar- te outro sacrifício, maior do que o primeiro: estás disposto a oferecer a vista que te resta?

Em um momento, Teodoro lembrou- se de todas as agruras e dificuldades que lhe ocasionou a falta de um olho. Agora, ficar completamente cego! No entanto, seu amor foi mais forte, e com vigor respondeu:

– Sim, aceito! Ver Nossa Senhora mais uma vez, ainda que seja por poucos segundos, bem vale a dor de ficar cego o resto da vida!

E tal como se passara na vez anterior, pôde ele contemplar por alguns instantes o celeste rosto da Mãe de Deus. Que alegria, que felicidade!

Sozinho na escuridão de sua cela, Teodoro demorou-se largo tempo deleitando-se com a lembrança do que acabara de ver, e só no meio da madrugada lembrou-se: “Agora devo preparar-me para levar a vida de cego”. E num misto de alegria e resignação, fixando na memória o gáudio passado e prevendo a dor futura, adormeceu.

Ecoando pelo claustro e pelos corredores, o toque do sino que chama os monges a começar mais um dia o despertou. O monge cego de um olho_1- RAE 52.JPGLevantou-se com rapidez, e qual não foi sua surpresa ao se dar conta de que continuava a ver! E mais, com os dois olhos! Abriu a janela, e com satisfação viu os campos verdejantes, o azul do céu e as flores do jardim.

A vista que perdera anteriormente lhe havia sido restituída!…

Chorando de alegria e gratidão, Teodoro correu à capela para dar graças. Admirada por vê-lo curado, toda a comunidade o cercou, e ele por fim decidiu revelar seu segredo, contando em detalhes tudo o que havia acontecido. Deslumbrados, os monges visitaram sua cela, ainda impregnada pelo suave perfume da Celeste Visitante.

Vivamente impressionado, o velho e experiente abade disse aos monges:

– O demônio, pai da mentira, nunca dá o que promete. Deus, pelo contrário, sempre dá além do que esperamos. E Nossa Senhora, segundo diz um adágio, retribui com um boi a quem Lhe dá um ovo. Irmãos, não há que temer entregar-se a Deus! Pois, segundo Ele mesmo disse, “o meu jugo é suave, e meu peso é leve“. Esse milagroso fato nos ensina a cada vez mais amar e confiar em Maria Santíssima, nossa Mãe e Senhora!

E saíram todos a rezar e agradecer. Confortado pelo sublime dom que recebera, Teodoro suportou com paciência a vida nesta terra, aguardando o dia em que Deus o chamaria, para, aí sim, contemplá-Lo e a sua Mãe Santíssima por toda a eternidade.

O feliz monge morreu santamente em avançada idade, e os que o conheceram deram testemunho de que até o fim de seus dias lia sem dificuldade as menores letras, pois, segundo diziam, “nunca houve monge com vistas tão boas…”

(Revista Arautos do Evangelho, Abril/2006, n. 52, p. 46-47)

 
Comentários