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Contos Infantis


Deus pode ser enganado?
 
AUTOR: IR. CLOTILDE THALIANE NEUBURGER, EP
 
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Todos aguardavam o primeiro toque do grande sino. Qual não foi o estupor geral quando, no momento esperado, ele não emitiu nenhum ruído!...

Nos tempos medievais floresciam as catedrais e os povos caminhavam à luz do Evangelho. Ao sul da França viviam os Clochers, família dotada de muita arte. Dedicavam-se eles à complexa tarefa de fundir sinos. Conheciam os metais em seus mais específicos aspectos e sabiam as ligas, a espessura, o peso e a dimensão da boca ou do badalo de cada sino, para que tivesse o timbre desejado e tocasse a nota que lhe correspondia. Não só faziam sinos para as igrejas com um único campanário, como eram especialistas em carrilhões.

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Pressentindo a morte próxima, o velho Clocher chamou os filhos junto a si

Os Clochers se ufanavam de ser descendentes do patriarca que, havia alguns séculos, servira a Carlos ­Magno, o ilustre imperador do Sacro Império, motivo pelo qual a fama de sua linhagem se espalhara pela Europa.

Louis Clocher pertencia à décima segunda geração e herdara não só o talento e a virtude de seus ancestrais, como também a tradicional oficina. Tivera três filhos, aos quais educara eximiamente. Pierre, o caçula, nascera-lhe na velhice e era seu preferido; Jacques, o do meio, era muito reto, mas um tanto desastrado com os sinos… Ambos eram piedosos como o pai e se dedicavam ao campo. ­François, o mais velho, possuía o dote artístico dos avós e, desde a infância, ajudava o pai, demonstrando muita aptidão para o ofício. Porém, não tinha suas qualidades sobrenaturais, pois não gostava de rezar nem de assistir à Missa…

Debilitado em sua saúde e pressentindo a morte próxima, o velho Clocher mandou chamar um sacerdote a fim de receber os Santos Óleos. Revigorado por tal consolo espiritual, chamou junto a si os filhos a fim de dar-lhes suas últimas recomendações.

– Pierre e Jacques, meus queridos filhos, sede em tudo fiéis a Deus e observantes de seus Mandamentos! Por mais árduo que vos pareça, nunca afasteis do caminho da virtude! Tende coragem! Deixo-vos por herança nossos rebanhos e campos. Administrai com honestidade vossos próprios bens e vigiai, pois de tudo tereis que prestar contas ao Juiz Eterno.

Após dar-lhes a bênção paterna, Louis fitou detidamente o primogênito e disse:

– François, meu filho, a ti confio o mais precioso legado que recebemos de nossos antepassados: a Religião Católica! Peço-te que, de hoje em diante, sejas mais devoto de Nossa Senhora e assíduo aos Sacramentos! Tu deves continuar nossa tradição, nascida da fé de nossos avoengos, e para isso será tua a oficina e os utensílios que, há tantas gerações, são usados na fabricação dos sinos e carrilhões Clochers. Contudo, nunca te deixes arrastar pela ambição! Sê reto e íntegro em teus empreendimentos e não desonres nosso nome. Sobretudo, não ofendas a Deus!

Poucos dias depois Louis entregou santamente sua alma a Deus. O carrilhão da catedral deu o toque fúnebre e suas exéquias foram muito concorridas, pois todos queriam homenagear tão exemplar artesão.

Os anos se passaram. Jacques e Pierre, além de cuidar do que lhes coube, tornaram-se comerciantes de tecidos e lã, sem se desviar do cumprimento dos ditames paternos. François, por sua vez, dedicou-se com êxito ao ofício familiar. No entanto, lhe entrara no fundo da alma o verme da cobiça… Desprezando as advertências do pai, não era honesto em seus negócios, jamais rezava e visitava as igrejas apenas para fazer propaganda de seu trabalho, levando uma vida fora da graça de Deus.

Certo dia, ao limpar a torre da catedral, um sacristão percebeu que o grande sino – o bourdon – estava rachado. Tomado de zelo, comunicou ao Bispo e a notícia se espalhou pela cidade.

François, muito esperto, logo se apresentou ao sacristão oferecendo-se para fundir um novo sino. Pensava ele em um meio desonesto para conseguir muito lucro com o serviço… O sacristão não percebeu aquela má intenção e conduziu-o ao prelado. O ganancioso François então lhe garantiu:

– Dom Jean, eu poderei fazer o novo sino. Só preciso de algumas toneladas de bronze… e também de prata… Prometo que farei um bourdon superior ao que agora está na catedral!

O Bispo não era homem de poupar esforços para abrilhantar a liturgia e dar maior esplendor à casa de Deus. Sem desconfiar de nada, Dom Jean ordenou que fornecessem a François o donativo em metais que a diocese recebera de uns nobres da região.

Tendo François recebido matéria-prima tão excelente, consumou seu funesto plano: escondeu tudo em seu depósito e, em pouco tempo, fabricou um sino grosseiro com as ligas metálicas mais ordinárias que possuía. Unindo arte e esperteza, lustrou-o tão bem que parecia de primeira qualidade…

Antes de completar um mês da encomenda, lá estava François para entregá-la! O Bispo ficou surpreso e contente com tamanha rapidez, marcando logo a data da bênção do sino:

– Meu bom sineiro, no próximo dia 22 de julho celebraremos Santa Maria Madalena, nossa padroeira. É uma boa ocasião para abençoarmos o sino.

François voltou para a casa já sonhando com o lucro que teria com a vultosa quantidade de prata e bronze que roubara da diocese…

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A multidão abriu espaço; François subiu à torre e agarrou a corda…

No dia marcado, o povo se reuniu para a festa e inauguração do bourdon. François ali estava esperando honras e elogios. Após a bênção, levantaram o sino no alto da torre principal e todos aguardavam seu primeiro toque. Qual não foi o estupor geral quando, no momento esperado, o dito bourdon não emitiu sequer um ruído!…

– Que está acontecendo? – perguntavam-se.

Sem entender, os sacristãos se revezavam para tentar tirar algum som com o grande badalo, mas foi em vão!

– Como pode um sino não tocar?! – exclamou o Bispo, atônito.

Os olhares dos presentes incidiram em François que, assustado, justificou-se:

– Decerto é culpa dos que o colocaram lá em cima!

Inseguro e pressentindo que algo de insólito se passava, ele inventou muitas outras mentiras, pois o sino era inferior ao encomendado… todavia, deveria tocar!

– Vós não sabeis nada! Eu vos mostrarei a beleza de meu sino!…

A multidão abriu espaço. François subiu à torre e agarrou a corda. Apenas movimentou o badalo, quando o enorme sino despencou e caiu certeiro sobre ele, tirando-lhe a vida!

Coincidência ou castigo?…

Toda a cidade que assistia à cena na praça da catedral ficou impressionada e temeu a Deus em seus misteriosos e justos juízos. Ao fazerem o inventário dos bens do sineiro, encontraram em seu depósito os metais que havia roubado! Comprovou-se, assim, que ele havia mentido e tentado enganar não só aos homens, mas a Deus… ²

 
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