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Catecismo


A liturgia do cotidiano
 
AUTOR: PE. ANTONIO JAKOŠ ILIJA, EP
 
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Quando os gestos cotidianos adquirem numa família o valor de oração e se tornam um hábito, consolida-se nessa "igreja doméstica" um ambiente de tranquilidade e paz.

Com razão se considera a Liturgia”, explica o Concílio, “como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo – cabeça e membros – presta a Deus o culto público integral”.

Podemos, pois, definir a Liturgia como a forma em que a Igreja manifesta seu louvor a Deus e faz os fiéis participarem desse louvor.

Estado e religião no mundo antigo

A noção que hoje temos de Liturgia parte do conceito expressado na palavra grega λειτουργ?α, que significava serviço público.

Ora, na Grécia clássica, como em todos os povos da Antiguidade, o senso do sobrenatural estava arraigado na vida a ponto e praticamente não existir atividade cotidiana desvinculada da religião. “Estado e religião estavam de tal modo unidos, que era impossível não somente ter ideia de um conflito entre eles, mas até mesmo distingui-los um do outro”,2 escreve Fustel de Coulanges. Assim, por exemplo, “para concluir um tratado de paz, era necessário realizar uma cerimônia religiosa”.

Costureiras trabalhando, por João Marques de Oliveira - Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.jpg
O desempenho dos afazeres cotidianos com impostação sobrenatural,
constitui sem dúvida um ato de caráter religioso

Difícil é imaginar nos nossos tão secularizados dias a que ponto religião e vida cotidiana se confundiam naqueles tempos. Consciente ou subconscientemente, o homem contemporâneo separa seus deveres religiosos das atividades diárias. Até para grande número de católicos, a prática religiosa se converte em episódio pontual e isolado.

Liturgia com maiúscula, liturgia com minúscula

Fazem parte fundamental da Liturgia os gestos, atitudes, vestimentas e objetos utilizados nas celebrações. Cada um deles tem um papel específico dentro da finalidade de ser “sinal visível da comunhão entre Deus e os homens por meio de Cristo”.

Podemos, porém, falar também de uma liturgia da vida cotidiana, com “l” minúsculo, na qual se inserem gestos e atitudes que, sem terem caráter religioso, são entretanto realizados visando elevar a alma a Deus. Nada mais natural se consideramos que o Batismo nos transforma em “uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo adquirido para Deus” (I Pd 2, 9) e torna quem o recebe “templo do Espírito Santo” (I Cor 6, 19).

A dignidade de filhos de Deus convida-nos a “liturgizar” o dia a dia seguindo o conselho do Apóstolo: “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (I Cor 10, 31). Nossas palavras, tons, atitudes, postura, compostura e forma de vestir devem respeitar essa dignidade em todo momento, mesmo na intimidade, pois, afinal, não somos templos do Espírito Santo apenas aos domingos na hora da Missa…

Importância da intenção nos atos humanos

Esse princípio se aplica até às menores ações do nosso dia a dia. Assim, vestir-se e pentear-se com cuidado e compostura desejando refletir a nossa dignidade de cristãos torna-se um ato meritório sob o ponto de vista moral. E o mesmo se poderia dizer de algo tão comum como lavar as mãos, quando isto é feito unido ao desejo de purificar-nos também de qualquer mácula que possa haver no nosso espírito.

Exemplo insuperável da importância da intenção nos atos cotidianos nos dá Nossa Senhora. Em todos os instantes de sua vida, Ela procurou adorar a Deus de modo perfeito, a ponto de o menor dos seus gestos ter mais mérito diante do Criador do que os sofrimentos de um mártir. “Ela deu mais glória a Deus com a menor de suas ações, por exemplo, trabalhando na roca de fiar ou fazendo um ponto com uma agulha, do que São Lourenço na grelha com seu cruel martírio”5 – explica um dos mais célebres mariólogos, São Luís Maria Grignion de Montfort.

Podemos imaginar Nossa Senhora, na suavíssima solidão da casa de Nazaré, preparando uma refeição para o Menino Jesus e São José, à espera da chegada deles do trabalho. Ou Maria Santíssima perguntando a São José, durante uma ausência do Filho, que prato mais Lhe agradaria para o jantar. E assim por diante, poderíamos conjecturar uma prodigiosa sequência de atos maravilhosos que na sua simplicidade doméstica poderiam ter mais unção que as mais solenes cerimônias.

Impregnar os gestos cotidianos de religião

No seio de um lar católico, os bons costumes e o esmero nos gestos cotidianos podem recriar uma atmosfera impregnada do bom odor da Sagrada Família de Nazaré. Às vezes dizer “bom-dia” ou “boa-tarde” com a intenção de manifestar o nosso amor pelo outro, é suficiente para aproximá-lo mais de Deus. Quando o lar é pervadido por uma constelação de atitudes como estas, vai se consolidando um como que cerimonial único, peculiar a cada família, que no seu conjunto termina constituindo uma “liturgia” própria ao que o Concílio e São João Paulo II chamavam de “igreja doméstica”.

O desempenho dos afazeres cotidianos seguindo um ritual invisível, cujo elemento mais importante é a impostação sobrenatural com que todas as atividades são feitas, constitui sem dúvida um ato de caráter religioso. Quando os gestos cotidianos adquirem deste modo numa família o valor de oração e se tornam um hábito, consolida-se nessa “igreja doméstica” um ambiente de tranquilidade e paz, marcado pela caridade cristã.

Desenvolve-se assim nela um espírito peculiar, único e “tão impregnado de religião que, quando a família vai para a igreja, a noção preponderante que ela tem não é de que ela está saindo de casa para ir à igreja”,7 mas de uma respeitosa e harmônica continuidade. “Ao retornar da igreja, a família é mais ela mesma, mas é também mais católica do que antes de partir”.

E quando chegar o momento supremo de um dos seus membros receber a última bênção a caminho do Céu, acontece a definitiva, respeitosa e solene transição: do lar terreno, à “igreja” gloriosa e perfeita na qual a mais bela e sublime das liturgias se desenvolve sem cessar. (Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2015, n. 164, pp. 22 e 23)

 
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