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Contos Infantis


Tão somente uma página…
 
AUTOR: IR. ADRIANA MARÍA SÁNCHEZ GARCÍA, EP
 
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Indignado, o sacerdote avançou para arrebatar o Livro Sagrado das mãos daquele homem empedernido, quando, de súbito, ocorreu-lhe uma ideia...

Havia vários anos que o padre Sebastião se encontrava como missionário numa pequena aldeia do interior do país. Recém-ordenado, chegara de Portugal junto com três outros sacerdotes. Desde então, muitos nativos abraçaram a Fé e foram batizados, tornando-se católicos fervorosos. Aos domingos, dava aulas de catequese às crianças, para logo em seguida celebrar a Santa Missa. Muitos fiéis também acudiam sempre à igreja para lhe pedir conselhos, sendo acolhidos por ele como um verdadeiro pai.

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Um dia, Sadhika saiu chorando
ao encontro do sacerdote

No entanto, não era este o caso de um homem chamado Akil. Sempre chegava cedo à paróquia, junto com as crianças da catequese, mas nunca entrava na igreja. Ficava sentado nos degraus em frente à porta, fumando sem parar. Quando o padre saía da Missa, tentava puxar uma prosinha com aquele infeliz, a fim de conversar com ele sobre as coisas de Deus. Seus esforços, todavia, eram vãos.

Akil e seus parentes haviam sido instruídos na Fé pelos missionários portugueses. Porém, pouco depois de receberem o Batismo, uma epidemia espalhou-se pela região e os membros daquela família foram morrendo um a um. Restou a Akil apenas uma sobrinha, a jovem Sadhika, de quem ele teve que cuidar. Perturbado pela dor de tais perdas, Akil se revoltara contra Deus, deixando de rezar e de frequentar os Sacramentos.

A pequena pedia que a levasse à igreja, insistindo para que também assistisse à Missa, ao que sempre negava. Terminada a celebração, Akil, mal-humorado, tomava a criança pela mão e ia embora, não sem antes blasfemar e lançar uma fumarada desafiante na direção do sacerdote. Este não sabia mais o que fazer… Tudo tentara para trazer aquele homem empedernido de volta à Igreja, mas este provava-lhe a paciência e não dava sinais de conversão.

Um dia, quando o religioso voltava da casa de um doente, no bairro de Sadhika, esta saiu correndo ao seu encontro, chorando.
– Padre, o senhor precisa vir comigo!

– Que aconteceu?!

Puxando-lhe a batina, ela guiou-o até sua humilde cabana. Chegando ali, a menina levantou a cabeça e, fixando seus olhos escuros nos do sacerdote, disse-lhe entre soluços:

– Padre! O senhor tem que falar com meu tio! Ele não quer mais me levar à igreja porque diz ser muito longe, e também não quer que eu vá sozinha… Por favor, socorra-me!

Cheio de compaixão, ele abriu a porta da choupana e encontrou Akil sentado num cantinho do quarto, ocupado em fazer seus charutos. Numa mesinha a seu lado havia uma Bíblia aberta… Teria ele se convertido? Aproximando-se, antes que pudesse dizer qualquer palavra ouviu o som de uma folha rasgando-se… Akil acabara de puxar uma página da Bíblia! Espantado, o padre Sebastião exclamou:

– Pare! O que está fazendo?! Sem ao menos erguer o olhar, Akil respondeu:

– Não posso sequer enrolar charutos em minha própria casa e aparece um padrezinho para intervir, hein? Saia daqui!

E puxou outra folha grotescamente, prosseguindo seu “trabalho”…

– Não!!! A Bíblia…

– O que você quer que eu diga? Que estava me deliciando com a leitura deste livro? Ha, ha, ha… Uso-o para fazer meus charutos.

Indignado, o sacerdote avançou para arrebatar-lhe o Livro Sagrado das mãos, quando, de súbito, ocorreu-lhe uma ideia e disse:

– Escute, o senhor faz isso todos os dias?

– Claro! Sempre que preciso de um charuto. E sem fumar eu não vivo…

– Bom, então façamos um trato: cada vez que for arrancar uma folha da Bíblia, leia antes o que nela estiver escrito.  Resmungando e não querendo aceitar a proposta, Akil replicou:

– Que perda de tempo! O que vou ganhar com isso?

– Espere e verá! Leia tão somente uma página por vez e acabará recebendo uma enorme recompensa…

Desconfiado, mas um tanto curioso, ele concordou. O padre Sebastião então se despediu de Sadhika, animando-a a rezar a Nossa Senhora com muito empenho.

Passaram-se algumas semanas sem que eles aparecessem na igreja. O sacerdote, contudo, não havia perdido as esperanças. Certo dia, enquanto se preparava para a Missa matutina, ouviu alguém bater desesperadamente à porta da sacristia. Assustado, imaginou que fosse caso de morte e correu para abrir.

Qual não foi sua surpresa ao encontrar Akil, com os olhos cheios de lágrimas e uma folha na mão…

– Padre, preciso falar com o senhor! Comecei a ler cada folha da Bíblia que utilizava para meus charutos, como combinamos. Entretanto…

Deteve-se por um instante para mostrar-lhe o papel que trazia nas mãos e disse:

– Veja: aqui estão as palavras que, como um relâmpago, iluminaram meu coração nesta manhã…

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Padre Sebastião ouviu o som de uma folha
rasgando-se… Akil acabara de puxar
uma página da Bíblia

O padre Sebastião, estupefato, tomou a folha e seus olhos logo pousaram no trecho do Eclesiástico que ali estava: “Lembra-te da ira do último dia, e do tempo em que Deus castigará” (18, 24). Akil continuou:

– Passei todos estes dias meditando sobre o rumo que havia tomado minha vida. A cada página que lia, sentia como se o próprio Deus me falasse, recriminando-me por haver afastado d’Ele. Mas, hoje…

Olhando bem para o sacerdote, acrescentou:

– Sempre quis ser missionário, como o senhor. A insolência com que respondia às suas amabilidades era, na realidade, uma barreira para não me deixar levar por elas. Quanto tempo desperdicei inutilmente! Quanto caminho andado em sentido contrário! Será que ainda é possível realizar este sonho?

Sem poder acreditar no que ouvia, o religioso disse, cheio de contentamento:

– Certamente!

Akil pediu para confessar-se e passou a morar na paróquia, onde desempenhava com alegria os mais humildes serviços. Ao cair da tarde, o padre Sebastião dava-lhe aulas de teologia e liturgia. E à noite passava horas a fio em adoração diante do tabernáculo, pedindo perdão a Jesus por ter vivido afastado d’Ele por tão longo tempo.

Sadhika foi acolhida pelas Irmãs da Caridade e, ao cumprir a idade mínima exigida, entrou para o noviciado. Passados alguns meses, Akil embarcou para Portugal, a fim de ingressar no seminário. Anos depois ele voltaria à aldeia como dedicado sacerdote. Aquele homem blasfemo e rabugento, como todos o conheceram, transformara-se quase em Anjo, e agora anunciava o Evangelho. (Revista Arautos do Evangelho, Setembro/2015, n. 165, p. 46-47)

 
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