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Palavra dos Pastores


Admiração, beleza e reforma da Igreja
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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A Igreja precisa estar sempre se reformando. Em que consiste, porém, essa reforma? Talvez a resposta possa ser sintetizada nesta frase do atual Papa: "Não é de uma Igreja mais humana que necessitamos, mas sim de uma Igreja mais divina".

José Manuel Jiménez

O livro do Papa Bento XVI que analisa esse candente tema vem despertando crescente interesse na Europa – não apenas nos restritos círculos intelectuais, mas também no grande público católico, e mesmo entre pessoas de outras confissões religiosas.

Pequena em volume (60 páginas), mas rica em conteúdo doutrinário, a obra intitulada “A Beleza – A Igreja” se compõe de dois magistrais textos do então Cardeal Ratzinger, quando era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: “Uma sociedade sempre em reforma”, conferência pronunciada em 1990, e “O sentimento das coisas, a contemplação da beleza”, mensagem para o Meeting de Rimini em 2002.

Dom Luigi Negri, Bispo de San Marino-Montefeltro (Itália), que preparou a edição do livro, escolheu de modo muito adequado esses dois temas, considerando-os afins e “substanciais para se compreender o Mistério da salvação cristã”, como afirma ele no prefácio.

Descontentamentos em relação à Igreja

Logo no início da conferência de 1990, o Pontífice se refere ao “descontentamento em relação à Igreja” e lança uma pergunta: por que esta Instituição parece importuna a muitas pessoas, inclusive a católicos que podem ser contados entre os mais fiéis? “Alguns sofrem porque a Igreja adaptou-se demais aos parâmetros do mundo atual; outros estão aborrecidos porque ela parece estranha demais a este mundo” – constata.

Observa em seguida que, para a maior parte dos descontentes, a restrição à Igreja se deve ao fato de ser ela uma instituição que limita a liberdade individual. As normas de vida da Igreja exigem decisões que eles “não podem tomar sem a dor da renúncia”. Sentem-se comprimidos, tanto em seu livre pensamento quanto em sua livre vontade. E por isso se perguntam se a única reforma verdadeira não consistiria em rejeitar todas essas normas.

A esse motivo de amargura, junta-se outro: sujeito às duras leis e às inexoráveis tragédias do mundo de hoje, o homem espera poder realizar na Igreja o seu sonho utópico de um mundo melhor. Quando vê frustrada essa fantasia, arma-se de uma “cólera particularmente amarga”. E conclui que é preciso reformar a Igreja, para que ela seja tal como ele sonha.

Dom Luigi Negri.JPG
D. Luigi Negri, Bispo de
San Marino-Montefeltro

A “Reforma inútil”

Como fazer essa pretendida reforma?

Na ótica dos “reformadores”, passando “de uma Igreja paternalista e distribuidora de bens para uma Igreja-comunidade”.
Para isso, ninguém pode permanecer como um passivo recebedor de benefícios; todos devem ser ativos agentes transformadores.

O atual Papa dá a esses agentes da reforma, o qualificativo de “ativistas”. Ele faz uma comparação entre o “ativista”, o homem auto-suficiente, e o “admirador”, o homem capaz de admirar. E manifesta francamente sua preferência pelo admirador. Quanto ao ativista, expõe nos seguintes termos a idéia que o caracteriza: “A Igreja não pode mais descer lá do alto. Não! Somos nós que ‘fazemos’ a Igreja, e a ‘fazemos’ sempre nova. (…) O aspecto passivo cede lugar ao ativo (…) A Igreja brota de discussões, acordos e decisões”.

Assim sendo, somente através de debates poderia ser democraticamente definido aquilo que todos podem aceitar como verdade de fé ou como norma moral. Nessa linha de raciocínio, chegou a explicitar-se, na Alemanha, a tese de que a Liturgia não deve mais corresponder a um esquema pré-estabelecido, mas, ao contrário, deve nascer “na hora”, por obra da comunidade que a celebra.

Nota Joseph Ratzinger que essa reforma introduziria na Igreja a autogestão, sujeitando-a ao complexo jogo das eleições segundo o moderno sistema político. E, entre outras falhas, aponta esta: “Tudo quanto uma maioria decide pode ser revogado por outra maioria. Uma Igreja baseada nas decisões de uma maioria torna-se uma Igreja puramente humana (…) A opinião substitui a fé. (…) O significado da palavra ‘creio’ jamais vai além do significado de ‘nós pensamos'”.

Modelo para a verdadeira reforma

Após expor, nos termos acima, aquilo que ele próprio qualifica de “reforma inútil”, o então Cardeal afirma, com sua segurança de teólogo exímio e sua autoridade de Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: “A ‘reformatio’, a reforma que é necessária em todos os tempos, não consiste em podermos remodelar sempre de novo ‘nossa’ Igreja como mais nos agrade, em podermos inventá-la; pelo contrário, consiste em afastarmos sempre nossas próprias bases de sustentação, em favor da puríssima luz que nos vem do alto e que é, ao mesmo tempo, a irrupção da pura liberdade”.

E recorre a uma metáfora, para melhor explicitar seu pensamento. Com seu olhar de artista, Michelangelo via oculta no bloco de pedra bruta a imagem que estava à espera de ser posta por ele à luz do dia. Sua tarefa consistia somente em libertar a imagem daquilo que a cobria. Já anteriormente São Boaventura comparava à escultura o esforço de aperfeiçoamento do homem: a obra do escultor é uma ablatio (ablação; ação de tirar, de remover), isto é, consiste apenas em eliminar os obstáculos. É por meio da ablatio que se liberta a preciosa imagem.

Assim também o homem, para que resplandeça em si a imagem de Deus, deve sobretudo aceitar essa purificação pela qual o Divino Escultor o livra de todas as escórias que cobrem essa imagem.

Se entendemos bem essa figura, podemos encontrar nela o modelo para a reforma eclesial“, acrescenta o Cardeal. Ressalva que, obviamente, a Igreja terá sempre necessidade de um suporte humano; longe de serem instrumentos restritivos da liberdade, as instituições eclesiásticas são necessárias e mesmo indispensáveis; mas não devem ser vistas como elementos essenciais. “Reforma é sempre uma ablatio, uma ação de remover, a fim de tornar visível a figura nobre, a face da Esposa e, junto com ela, a face do Esposo, o Deus vivo. (…) A verdadeira reforma é, pois, uma ablatio” – escreve ele.

A admiração prepara o ato de fé

Reportando-se à comparação entre o ativista e o admirador, o Cardeal Ratzinger sublinha que o primeiro põe sua atividade acima de tudo e, com isso, limita seus horizontes, restringe sua visão do mundo àquilo que é empírico, torna-se um “homem amputado“. E afirma: “A autêntica admiração, pelo contrário, é um ‘não’ às limitações daquilo que é empírico (…) Ela prepara o homem para o ato de fé, que lhe escancara o horizonte do Eterno, do Infinito. (…) A própria fé, em toda a sua grandeza e amplitude, é sempre, portanto, a reforma essencial da qual temos necessidade“. Lamenta o Cardeal o fato de existir hoje, “inclusive em elevados ambientes eclesiásticos”, a idéia de que uma pessoa será tanto mais cristã quanto mais estiver empenhada em atividades eclesiais. Ora, ressalva ele, alguém pode exercer sem cessar atividades associativas eclesiais e não ser totalmente cristão; algum outro, pelo contrário, pode praticar o amor que provém da fé, sem ter jamais comparecido a uma comissão eclesiástica, e ser um verdadeiro cristão. E afirma: “Não é de uma Igreja mais humana que necessitamos, mas sim de uma Igreja mais divina; e só então ela será também verdadeiramente humana”.

O importante papel do perdão e do sofrimento

Aborda, por fim, o Cardeal Ratzinger, em comovedoras palavras, dois importantes aspectos. Primeiro, o papel do perdão que limpa a alma da “poeira e imundície” e restaura nela a imagem de Deus; o perdão que é “centro de renovação“, não apenas do indivíduo, mas também da comunidade. Em segundo lugar, o papel da dor na vida humana.”Uma visão do mundo que não pode dar um sentido também à dor e torná-lo precioso, para nada serve. Enganam-se aqueles que, a respeito da dor, sabem dizer apenas que é preciso combatê-la. É certamente necessário fazer de tudo para aliviar a dor de tantos inocentes e para pôr limites ao sofrimento. Mas não existe uma vida humana sem dor, e quem não é capaz de

LIVRO BENTO XVI.JPG
Pequena em volume, mas rica em conteúdo doutrinário, a
obra se compõe de dois magistrais textos do então Cardeal
Ratzinger, quando era Prefeitoda Congregação para
a Doutrina da Fé

aceitar a dor subtrai-se àquelas purificações que, somente elas, nos tornam pessoas maduras”.

“A beleza é verdade e a verdade é beleza”

Em que consiste a beleza, e qual é seu papel nesse contexto? Este é o tema da mensagem do Cardeal Ratzinger para o “Meeting” de Rimini, em 2002.

Começa ele por apresentar um paradoxo que se verifica na Liturgia das Horas, tempo da Quaresma. No Salmo 144, Jesus Cristo é assim qualificado: “Sois o mais belo dos filhos dos homens, a graça expande-se em vossos lábios” (v.3). Entretanto, Isaías profeta o descreve como “um pobre rebento enraizado em terra árida, sem graça nem beleza para atrair nossos olhares (…) desprezado, escória da humanidade, varão de dores” (53, 2-3).

Como conciliar essa aparente contradição?

Comentando esses dois trechos, Santo Agostinho os compara a duas trompas que soam em contraposição, cujo som, entretanto, é produzido pelo mesmo sopro, o do Espírito Santo. Não se trata de uma contradição, esclarece o Cardeal. “Ambas as citações provêm do mesmo Espírito que inspira toda a Escritura, e, assim, nos coloca diante da totalidade da verdadeira beleza, da própria verdade. (…) Quem crê em Deus, no Deus que se manifestou no semblante alterado de Cristo, crucificado por um amor levado ao extremo, sabe que a beleza é verdade, e que a verdade é beleza.”

Uma forma superior de conhecimento

A beleza é certamente uma forma superior de conhecimento, diz ele, porque “golpeia o homem com toda a grandeza da verdade”. O verdadeiro conhecimento consiste em ser alcançado pelo dardo da beleza, ser tocado pela realidade da presença pessoal do próprio Cristo. “Ser atingido e conquistado pela beleza de Cristo é um conhecimento mais real e profundo do que a mera dedução racional”.

No fim, o Cardeal cita a conhecida frase de Dostoievski, “a beleza nos salvará”, ressaltando que, nela, o famoso literato se refere à beleza redentora do divino Salvador. E conclui: “Nada nos aproxima mais da beleza de Cristo que o mundo do belo criado pela fé e a luz que resplandece na fisionomia dos Santos, através da qual torna-se visível a própria Luz de Cristo”.

(Revista Arautos do Evangelho, Fev/2006, n. 50, p. 23 à 25)

 
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