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Catecismo


A Liturgia da Igreja: Uma catequese em ação
 
AUTOR: PE. FERNANDO NÉSTOR GIOIA OTERO, EP
 
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Na Liturgia da Igreja torna-se realidade a antiga máxima: "A lei da oração estabeleça a lei da fé". Portanto, o que se reza na Liturgia é o que se deve crer, e esta fé influencia o modo de agir de cada um.

É bastante comum em nossos dias promover palestras, cursos, simpósios, catecismos de perseverança e outros eventos destinados à formação permanente dos fiéis. Entretanto, se compararmos o número dos que deles participam com o conjunto geral dos batizados, veremos ser ele muito reduzido.

Como lembrar, então, as verdades da Fé ao povo cristão no seu conjunto? Há algum meio de fazer com que todos se aprofundem nos dogmas da Igreja?

Papel educador da Liturgia

A resposta a esta pergunta está no papel educador da Liturgia que, além de ser o lugar privilegiado para o encontro do homem com Deus, tem um papel fundamental na formação religiosa da comunidade ­cristã enquanto tal, sobretudo pela participação na Missa dominical e na Liturgia batismal, de exéquias ou matrimonial.

A Liturgia, com efeito, “é, ou implica, certo modo de propor a Fé à adesão dos fiéis, e é, ou implica, certa expressão dessa mesma fé do Magistério e do povo”. Por isso, como adiante veremos, era considerada pelo Papa Pio XI como uma manifestação do Magistério ordinário da Igreja, complementário ao exercido por meio de encíclicas, exortações, catecismos, etc.

A Liturgia não é um livro, uma compilação do dogma ou um curso catequético, mas a ação de toda a Igreja por meio de sinais sensíveis e eficazes da santificação e do culto. Toda ação litúrgica é algo mais amplo e elevado do que o mero exercício didático do Magistério da Igreja.

Entretanto, ela possui grande valor educativo para o povo cristão, pois “contém, mais ou menos explicitados, os grandes temas da Fé cristã”. Ela é como “uma catequese permanente que traduz incessantemente para todos o sentido católico das coisas”.

Como bem acentuou o Concílio Vaticano II, “na Liturgia Deus fala ao seu povo, e Cristo continua a anunciar o Evangelho”.6 E já séculos antes, ensinava o Concílio de Trento que nela há “muita instrução para o povo fiel”.

Enquanto meio de ensino, ela é eficiente e universal, pois sua linguagem “se dirige não só à inteligência, mas também à vontade, à afetividade e à intuição”. Qualquer pessoa, de qualquer nível cultural ou social, pode facilmente captar o sagrado e o mistério; é uma catequese de grande eficácia didática. As verdades da Fé e o convite a uma vida cristã transmitem-se “não só através das palavras, mas também dos sinais sacramentais e do conjunto dos ritos litúrgicos”.

A respeito do que poderíamos denominar ação litúrgica, escreveu Pio XI: “Para instruir o povo nas coisas da Fé e elevá-lo às alegrias da vida interior, as comemorações anuais dos sagrados mistérios têm mais eficácia do que os solenes documentos do Magistério Eclesiástico”.

Ensinamento dos Papas recentes

Em audiência particular a Dom Bernard Capelle, um dos pioneiros do movimento litúrgico, disse Pio XI que “a Liturgia é o mais importante órgão do Magistério ordinário da Igreja. […] Não é o ensinamento de um ou outro indivíduo, mas o da Igreja”.

E o Papa Emérito Bento XVI recordou que “Deus é o grande educador de seu povo, o guia amoroso, sapiente, incansável na e através da Liturgia, ação de Deus no hoje da Igreja”.

Consideremos a situação atual dos fiéis, bombardeados por todo tipo de informações e mensagens através dos meios de comunicação. Sem a participação nas Missas dominicais e outros atos litúrgicos dificilmente poderão eles estar preparados para enfrentar o secularismo que os rodeia. Há, pois, uma íntima relação entre a formação e a prática da Fé, com a participação ativa e plena nas celebrações litúrgicas.

Convém insistir que a Liturgia não é um catecismo nem um manual cuja finalidade específica é instruir. Procura ela “fazer o povo cristão rezar em comunidade, em ato de culto, e não simplesmente instruí-lo”. Entretanto, não é difícil argumentar em favor do caráter didascálico da Liturgia. Dizia o Beato Paulo VI aos membros do Conselho para a Execução da Constituição sobre a Sagrada Liturgia: “Deveis procurar com toda diligência que a Liturgia seja de fato como que uma escola para o povo cristão”,15 ressaltando que ela devia ser escola de piedade, de verdade e de caridade cristã.

Riqueza doutrinal dos textos litúrgicos

Na Liturgia, Deus e seu povo, por Cristo no Espírito, fazem um intercâmbio de bens num clima de íntima comunhão. Tudo se orienta sempre em função direta da oração, até as leituras e homilias, que seriam a parte mais didática da Santa Missa. Os diversos textos litúrgicos englobam-se num gênero literário próprio, em bela combinação de leituras com cânticos, hinos, salmos, antífonas, Prefácio e a Oração Eucarística, com a intenção de interiorizar o homem num ambiente de oração e de entrega a Deus.

Entretanto, quem considera a Liturgia da Palavra – com suas leituras e Salmo Responsorial -, a proclamação do Credo, os Sacramentos, a Liturgia das Horas e todo o percurso do Ano Litúrgico com suas memórias, festas e solenidades, compreende facilmente que “os conteúdos da Liturgia são de tal qualidade e quantidade que ela pode chamar-se ‘catecismo maior’ dos fiéis. Não poderia ser de outra maneira, pois é uma só a Fé que se professa e a que se celebra”.

Assim o afirmam dois especialistas que escreveram em épocas diversas sobre este tema, mas têm uma especial unidade de pensamento: Cipriano Vagaggini (1909-1999) e José Antonio Abad Ibáñez (nascido em 1936). Ambos realçam aquilo que denominam força didática, ou didascálica, da Liturgia.

O estilo desses textos não é propriamente didático ou pedagógico, pois o que predomina na ação litúrgica são modos, expressões, que buscam um estreito vínculo entre os sentimentos e a vontade, com o objetivo de fomentar estados de espírito de abertura para aquilo que a Liturgia nos vai transmitindo.

Observamos, porém, como há um grande conteúdo pedagógico nessa conexão, nesse diálogo entre Deus e o homem, na Palavra, nas orações presidenciais que vemos na Liturgia, na qual Deus fala ao seu povo. “Cristo continua a anunciar o Evangelho. Por seu lado, o povo responde a Deus com o canto e a oração”.

Nas orações, de rico conteúdo, encontramos também um caráter didático dentro de sua natureza cultual, já que “toda a assembleia dirige-se a Deus através do ministro que em seu nome a preside”. Referimo-nos, é claro, aos momentos em que está se fazendo uso dos textos oficiais.

Por seu lado, explicando a grande eficácia didática da Liturgia – “instrumento incomparável de ensino, embora indireto” -, observa Vagaggini que ela, mais do que ensinar, faz viver a doutrina. A Liturgia é um meio de comunicação “mais vitalmente eficaz, mais contínuo, mais intuitivo e penetrante, mais popular e universal”.

Pois, como bem dizia Pio XI na Encíclica Quas primas, os documentos do Magistério Eclesiástico, mesmo os mais solenes, atingem poucas pessoas, as mais eruditas; através das solenidades litúrgicas, pelo contrário, se instruem todos os fiéis. Os documentos o fazem uma só vez. As cerimônias anuais dirigem-se perpetuamente, cada ano, a todos os homens. Assim sendo, pode-se de novo afirmar que “o didascálico da Liturgia se enraíza, sobretudo, em ser celebração in actu”. A eficácia didática da Litúrgica consiste exatamente em fazer que a doutrina ou o ensinamento se tornem, nas celebrações, um ato vivido e participado por todos.

“Lex orandi, lex credendi”

Muitos anos depois, São João Paulo II, na Exortação Apostólica Pastores gregis, ao falar do Bispo como “moderador da Liturgia enquanto pedagogia da fé”, transmitiu sua experiência pessoal: “Eu mesmo, no exercício do meu ministério, quis que as celebrações litúrgicas constituíssem uma prioridade, não só em Roma, mas também durante as minhas viagens apostólicas pelos diversos continentes e nações. Fazendo brilhar a beleza e a dignidade da Liturgia cristã em todas as suas expressões, procurei fomentar o sentido genuíno da santificação do nome de Deus para educar o sentimento religioso dos fiéis e abri-lo à transcendência”.

Como vemos, estaríamos equivocados se considerássemos que a Liturgia não tem relação alguma com as verdades da Fé. O antigo adágio de Próspero de Aquitânia, “lex orandi, lex credendi”, nos indica o contrário, pois “a oração da Igreja é teologicamente confiável na medida em que se fundamenta na revelação bíblica, tal e como a entende a Igreja universal”. No decorrer dos séculos, ampliou-se seu significado, considerando que “a Liturgia é expressão do dogma católico”. Pode-se encontrar isto em numerosos documentos.

Em quase todos eles se considera a Liturgia como locus theologicus, lugar teológico. Deste modo, quando se discutia uma verdade controversa ou posta em dúvida, a Igreja e os Santos Padres “não deixaram de pedir luz também aos ritos veneráveis transmitidos pela antiguidade. Assim se tornou conhecida e venerada a sentença: ‘A lei da oração estabeleça a lei da fé'”.
Portanto, o que se reza na Liturgia é o que se deve crer, e esta fé influencia o modo de agir de cada um.

Uma força didascálica toda especial

É prudente concluir nossas considerações com estas palavras de Abad Ibáñez: “De qualquer modo, devemos ser muito cautelosos no recurso e na metodologia, para não converter a Liturgia naquilo que ela expressamente não quer ser: uma suma teológica. A Liturgia tem uma linguagem e um método que não é o da teologia, por mais que o que ela celebra seja o mistério da Fé cristã”.

Pode-se, pois, afirmar que a Liturgia tem eficácia didático-psicológica: ela é uma catequese em ação. Tem, portanto, uma força didascálica toda especial; “assim como a teologia, ela é explicatio fidei, mas com um aditivo muito poderoso: é proclamatio fidei”, uma teologia não meramente explicada, mas proclamada. Tudo isso considerando que seu acionar seja principalmente cultual.

Por mais que a finalidade primordial da Liturgia seja o culto a Deus, ela é pedagogia para o os fiéis, pois nela “o Espírito Santo é o pedagogo da fé do povo de Deus”. É pedagogia em todos os seus elementos, leituras, cantos e orações. Seu valor pedagógico está na mensagem que transmite: “O aspecto pastoral e didático da Liturgia traz consigo uma realidade ou uma consequência que precisa ser colocada em primeiríssimo plano: o diálogo que se estabelece entre Deus e seu povo. Deus ensina, fala, e o povo responde com a oração e o canto”.

Esta realidade, nós a encontramos belamente descrita na Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia. Para realizar a obra de salvação mediante o sacrifício e os Sacramentos, em torno dos quais gira toda a vida litúrgica, “Cristo está sempre presente na sua Igreja”: presente na pessoa do ministro, no sacrifício da Missa; sob as Espécies Eucarísticas, no Sacramento; em sua Palavra, quando a Igreja suplica e canta os Salmos. Enfim, toda celebração litúrgica “é ação sagrada por excelência”. (Revista Arautos do Evangelho, Março/2016, n. 171, pp. 18-19)

 
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