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Espiritualidade


Confiança na restauração
 
AUTOR: DIÁC. THIAGO DE OLIVEIRA GERALDO, EP
 
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O profeta Miqueias, que anunciou a ruína de Jerusalém e o nascimento do Messias na cidade de Belém, proclama a confiança da alma pecadora desejosa de retornar ao bom caminho.

É interessante acompanhar a restauração de alguma obra de arte, pois, por vezes, conforme o talento de quem ­realiza o processo, a peça acaba ficando mais bela e rica do que era anteriormente.

Profeta Miqueias.jpg
Os profetas sabem aquilatar como
ninguém a gravidade da crise de fé na
sociedade
O profeta Miqueias – Igreja de
Santa Maria do Castelo, Gênova (Itália)

Nesses casos, pode-se traçar um paralelo entre esta realidade e a de uma alma desfigurada pelo pecado. Se, apesar de Deus nos dar todas as condições para praticar a virtude, isto vier a acontecer, a imprescindível restauração não poderá ser feita senão pelo Divino Artista que a criou.

Como ela se dá? Vejamos um exemplo no Antigo Testamento.

O profeta Miqueias

Contemporâneo do grande ­Isaías e também residente no Reino do Sul (Judá), o profeta Miqueias nasceu em Morasti, cidade localizada a 45 km a sudoeste de Jerusalém, perto da fronteira com a Filisteia. Seu nome é a abreviatura de Mikayahu, que significa Quem como Yahvé?.

Conheceu as invasões assírias do século VIII a.C., que assolaram também a região circunvizinha. Assim como seus predecessores do Reino do Norte – Amós e Oseias -, ele denunciou os erros que grassavam na sociedade de seu tempo, cuja raiz se encontrava na infidelidade ao Deus verdadeiro.

Miqueias não se distingue por uma cultura cortesã, mas pela sinceridade de suas palavras de camponês, inspiradas pelo Espírito Santo. Antevendo os castigos que cairão sobre o povo eleito “por causa da infidelidade de Jacó, por causa dos pecados da casa de Israel” (Mq 1, 5), ele se lamenta e chora, “uivando como chacal, gemendo como filhote de avestruz, pois a ferida de Israel não tem remédio e se estende até Judá, chega até as portas do meu povo, até Jerusalém” (1, 8-9).

Ele “é o primeiro profeta que anuncia a total destruição de Jerusalém”.1 Seus habitantes, porém, julgavam isso impossível, tendo em vista que lá estava o Templo do Senhor. Embalados por uma falsa confiança em Deus, mostravam-se otimistas: afinal, o Senhor todo-poderoso os havia tirado do Egito e sempre fora tão misericordioso com seu povo… “Terá sido amaldiçoada a casa de Jacó? Acabou a paciência do Senhor? É isso o que Ele costuma fazer? Por acaso sua palavra não é só bênção para quem vive na honestidade?” (2, 7).

De fato, para quem vive na honestidade – condicionante fundamental -, as palavras de Deus só anunciam bênção. Mas bem diferente era a realidade: o povo havia abandonado o Deus que o alertava através do profeta.

“Entretanto, quanto mais Yahvé faz brilhar sua luz, mais se afunda Israel em suas trevas; quanto mais se prodigaliza a palavra de Deus, mais se fecham ante ela os corações”.2

Há uma esperança!

Os profetas, homens íntegros, ­veem as últimas consequências da palavra de Deus. Sabem aquilatar como ninguém a gravidade da crise de fé na sociedade, numa época em que tudo aparenta normalidade. Quando a desgraça se aproxima, são eles que pregam a confiança em Deus, como única solução para os problemas.

Miqueias não foge à regra. Anuncia o cativeiro da Babilônia e a posterior libertação dos filhos de Jacó. Mas será necessário passar por uma purificação: “Contorce-te e geme, filha de Sião, qual parturiente, porque agora sairás de tua cidade para morar no descampado” (4, 10).

Mais do que predizer a libertação de um exílio, este profeta prenuncia a vinda gloriosa do Messias e indica o local de seu nascimento: Belém de Éfrata (cf. Mq 5, 1). É ele ainda que, ecoando a voz do grandioso Isaías, refere-se à Santíssima Virgem como Mãe do Salvador: “Por isso, Deus os abandonará até o momento em que der à luz aquela que deve dar à luz” (5, 2).
É por intercessão da Virgem de Nazaré que o povo, antes abandonado por Deus, poderá esperar a restauração.

Voltemos à realidade

Miqueias está anunciando com cerca de sete séculos de antecedência aquilo que ele gostaria de contemplar com seus próprios olhos, mas só verá da eternidade: o nascimento do Messias.

Enquanto não chega à Terra o Redentor, os homens procuram aplacar a cólera de Deus oferecendo-Lhe em holocausto touros, bezerros, carneiros… O povo sentia a necessidade urgente de uma purificação e não faltavam aqueles que, imitando os costumes pagãos, chegaram a sacrificar os próprios filhos!

O profeta lança-lhes increpantes perguntas: “Será que o prazer do Senhor está nos milhares de carneiros ou na oferenda de rios de azeite? Ou devo sacrificar meu primogênito para pagar meus erros, o fruto de meu ventre para encobrir meu pecado?” (6, 7). E lhes relembra o procedimento certo para agradar ao Altíssimo: “Já te foi indicado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor exige de ti. É só praticar o direito, amar a misericórdia e caminhar humildemente com teu Deus” (6, 8).

Recordemos que, na linguagem das Sagradas Escrituras, sobretudo nos livros proféticos, “praticar o direito” era obedecer aos Mandamentos de Deus, o que só é possível quando se “caminha humildemente” com Ele. Como bem ressalta Santo Agostinho, o que Deus queria de cada um era a entrega de si mesmo: “Buscas oferecer algo em teu lugar. Oferece-te a ti mesmo! O que te pede o Senhor senão a ti mesmo? Certamente, entre todas as coisas materiais criadas, nenhuma é superior a ti. Procura-te a ti mesmo, pois és tu que te perdeste”.3

Ao povo de Judá, como ao de Israel, profetizou Miqueias terrível punição, por estarem seguindo os maus exemplos de Amri e de seu filho Acab, o perseguidor do profeta Elias. “Tu estás obedecendo às ordens de Amri, às práticas da casa de Acab, vives conforme seus princípios, assim eu te entregarei à destruição, teus cidadãos receberão vaias, carregando a vergonha do meu povo” (6, 16).

Logo a seguir, lamenta-se por ter procurado em vão judeus ainda ­fiéis à Lei – “Estou como quem colhe frutos secos, quem rebusca depois da colheita” (7, 1) – e vê-se obrigado a chegar a esta triste conclusão: “Acabaram no ­país as pessoas de bem, ninguém há que seja honesto, estão todos de tocaia para matar, cada qual com sua armadilha para caçar o irmão” (7, 2).

Confiança na restauração

O profeta não tinha ilusões, já não poderia esperar nada da parte humana. A experiência havia comprovado que o povo não queria converter-se do mau caminho. Entretanto, exclama num arroubo heroico de confiança: “Mas eu me volto para o Senhor, espero em Deus, meu salvador, e meu Deus me atenderá” (7, 7). Assim é a fé dos profetas: jamais se abala diante da ingratidão dos homens.

Tamanha é sua confiança que brotou do seu espírito este brado de desafio da alma pecadora, castigada justamente por Deus, mas certa de que, por fim, obterá misericórdia e será resgatada: “Não cantes vitória minha inimiga, porque quando caio, depois me levanto, mesmo que eu venha a morar nas trevas, o Senhor é minha luz. Devo suportar a ira do Senhor, porque pequei contra Ele, até que julgue a minha causa e me faça justiça. Ele há de me levar para a luz e contemplarei sua justiça” (7, 8-9).

Esse grito de esperança encontrará ressonância, mil anos mais tarde, nos comentários de Santo Ambrósio sobre os Salmos: “Não é grave a queda por debilidade se não for acompanhada pela deliberada vontade de não se levantar. Mantém, pois, a vontade de levantar-te e terás próximo de ti ­Aquele que fará com que te levantes”.4

O mesmo Santo nos alerta que o demônio se aproveita da fragilidade humana diante das adversidades do mundo, das doenças, da perda de algum familiar, para levar a alma a duvidar do auxílio divino. “Onde está o Senhor teu Deus?” (7, 10), pergunta capciosamente o maligno, como se o Altíssimo tivesse abandonado a alma no meio das aflições, mesmo quando esta esteja sofrendo um castigo reparador.5

Pelo contrário, em vez de ceder à tentação, este é o momento de juntar as mãos e dizer com o profeta Miqueias: “Haverá algum Deus igual a Ti, Deus que tira o pecado, que passa por cima da culpa do resto de sua herança, não guarda sua ira para sempre e prefere a misericórdia?” (7, 18).

Entre extremos de ameaça, o profeta anuncia em nome do Senhor o castigo e mostra o caminho da ­reabilitação. A via da desgraça é a do pecado, que expulsa da alma a graça de Deus e atrai o castigo; a da regeneração é a da humildade de quem confessa suas faltas, confiando na misericórdia de um Deus que, sete séculos depois, morreria na Cruz para redimir a humanidade.

Nossa Senhora do Pérpetuo Socorro.jpg
Maria Santíssima está sempre disposta a
ouvir nosso clamor e socorrer-nos
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
Igreja dos Redentoristas, Roma

A este ato de contrição, humildade e confiança nos incita Miqueias com as palavras finais do seu livro: “Ele vai nos perdoar de novo! Vai calcar aos pés as nossas faltas e para o fundo do mar jogará todos os nossos pecados” (7, 19).

A confiança restauradora em Nossa Senhora

Miqueias anunciava a redenção para um povo que nem sequer havia assistido à destruição de Jerusalém, ocorrida pouco mais de um século depois. Suas profecias eram condicionais: o povo sofreria tais devastações caso não se convertesse. Porém, com exceção dos reis Ezequias e Josias, fiéis à Lei, quase ninguém mais quis dar ouvidos à celeste advertência.

Essa voz profética continua soando aos ouvidos da sociedade hodierna, clamando pela conversão e por uma autêntica mudança de vida. Bem conhecemos as tristes consequências de viver como se Deus não existisse, não só pelos fatos históricos, mas sobretudo pela observação do que se passa todo dia em torno de nós…

Embora não tenha tido a felicidade de recorrer diretamente a Nosso Senhor Jesus Cristo, o profeta Miqueias retrata em seus escritos a alma angustiada pelos próprios pecados, mas confiante na misericórdia divina. Além do Sacramento da Reconciliação, que restaura a alma deformada pelos pecados, deixou-nos o Divino Redentor outro auxílio seguro para obter seu perdão: a devoção a Maria Santíssima. Se assim se pode dizer, Deus criou seu “ponto fraco da misericórdia”, dando-nos por mãe sua própria Mãe.

A Ela não pode deixar de recorrer toda alma desejosa de ser restaurada. E uma boa invocação mariana para obter tal graça é a de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Como indica eloquentemente este seu título, sempre está Ela pronta a ouvir nosso clamor e a socorrer-nos a todo instante, desde que estejamos dispostos a abandonar tudo quanto nos afasta de Deus. (Revista Arautos dio Evangelho, Março/2016, n. 171, pp. 22 a 24)

 
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