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Palavra dos Pastores


Cerimoniário de cinco Papas
 
AUTOR: JOSÉ FRANCISCO HERNÁNDEZ
 
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Mons. Angelo di Pasquale é uma página viva da História da Igreja: cônego da Basílica de São Pedro, trabalhou na Secretaria de Estado do Vaticano durante 45 anos, serviu como cerimoniário a cinco Papas e exerceu funções em quatro conclaves. Dotado de vasta cultura e prodigiosa memória, narra com atraente realismo alguns fatos de sua longa experiência no Vaticano.

José Francisco Hernández

Foi como coroinha da Basílica de São Pedro, auxiliando no Batismo do filho do embaixador do Brasil junto à Santa Sé, que o menino Angelo di Pasquale teve seu primeiro encontro com o futuro Papa Pio XII, na época Cardeal Paccelli. Sem saber, ele iniciava assim sua carreira de dedicados serviços prestados a nada menos do que cinco Papas sucessivos. Ordenado sacerdote em 1949, já no ano seguinte foi nomeado para uma função de alta confiança, na Secretaria de Estado da Santa Sé.

Arautos do Evangelho: Como Monsenhor foi trabalhar na Secretaria de Estado?

Não sei por quais vias – mas o Senhor sempre me acompanhou e guiou… – fui convidado a trabalhar na Secretaria de Estado logo depois de minha ordenação. Lá estive de 1950 até 1995.

O fato de ter sido chamado tão cedo para a Secretaria de Estado como jovem sacerdote, não me possibilitou uma experiência pastoral. Por isso uma ocasião, nos primeiros tempos, disse ao Cardeal Domenico Tardini, de quem era secretário:

– Eu não faço nada de ministério sacerdotal, sou sacerdote há poucos anos…

– Cada vez que se escreve um documento, cada vez que se abre uma carta, recorde-se de que detrás do papel existe uma alma – respondeu ele.

AE: O Papa Bento XVI, ao visitar a Secretaria de Estado, surpreendeu-se por tanto trabalho ser feito por tão poucas pessoas…

Certamente é uma surpresa para todos, inclusive para os diplomatas acreditados junto à Santa Sé. Mas o segredo é este: trabalho bem dividido, executado com consciência, e cada um fazer de tudo. Porque aí é que está, é o fazer de tudo. E esse mesmo espírito eu vi nas casas dos Arautos, onde cada um faz de tudo.

Mas sobretudo é preciso ter em conta o que dizia o Cardeal Tardini e o então Mons. Montini, futuro Papa Paulo VI, que éramos sacerdotes e não burocratas, pastores como todos os outros. Inclusive porque desde onde trabalhávamos, tínhamos um panorama da vida da Igreja e do mundo bem diferente do panorama que se vê exercendo uma atividade estritamente pastoral. Não é que esta última não seja válida, mas é uma questão de perspectiva.

CERIMONIARIO.JPG
Mons. di Pasquale narra de modo cativante
as histórias do Vaticano

AE: O senhor foi também cerimoniário pontifício. Qual é a função de um cerimoniário?

Fui cerimoniário de 1955 a 1997. Os cerimoniários pontifícios são sete, e têm a missão de assistir o Santo Padre nas funções sacras, e em circunstâncias particulares os cardeais, bem como exercer funções no Conclave. Eles são admitidos por seleção e convidados pela Secretaria de Estado.

Os candidatos são submetidos a um exame muito severo, diante de três cardeais e dois arcebispos, no qual respondem a questões de teologia moral, dogmática, liturgia, protocolo diplomático e idiomas.

É um trabalho notável, preparando, desenvolvendo e concluindo as celebrações litúrgicas do Sumo Pontífice. Ou então fazendo parte das missões pontifícias. Um trabalho que não oprime, mas que requer muito empenho. Sobretudo porque exige um comportamento coerente, pois uma vez que se é visto muitas vezes junto ao Papa é preciso estar à altura.

AE: E qual cerimônia mais o marcou ao longo desses anos?

O que toca mais fundo o coração é o momento da eleição do Papa, no Conclave. É a hora na qual se vê claramente a presença do Espírito Santo na Igreja. Um Cardeal, que poucos momentos antes era igual aos outros, uma vez eleito pelos homens e escolhido pelo Senhor, muda completamente. Não é uma ilusão, mas se vê que mesmo fisicamente há uma espécie de renovação.

É como o que todos pudemos comprovar no dia 15 de junho, na ordenação presbiteral dos Arautos do Evangelho. Há uma mudança, inclusive no aspecto físico.

E no caso do Papa é impressionante a atitude dos eleitores, independente de qual tenha sido a sua opinião. Não se trata aqui de revelar o segredo que jurei observar em cada Conclave, mas é evidente que existem correntes e grupos. Então é o senso de Fé e de Amor que, qualquer que tenha sido sua opinião, manifestam em sua total adesão ao Papa.

AE: Monsenhor deve ter presenciado essa cena várias vezes…

Pude comprovar isso nos conclaves que elegeram o Beato João XXIII, e os Servos de Deus Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II.

AE: Acompanhando o Papa, qual viagem foi mais marcante?

Bem, uma das viagens mais felizes – pela intimidade com o Papa e pelo entusiasmo com que o Santo Padre foi acolhido – foi a Gênova.

Naquela ocasião o Papa João Paulo II me disse: “Este é o seu dia!”

As ruas principais estavam cheias, e mães com as crianças nos braços as apresentavam ao Papa, que as abençoava. O próprio João Paulo II várias vezes comentou e recordou com agrado essa viagem.

Mas em todas as viagens era uma constante a cortesia e atenção do Papa, que perguntava como estávamos, se nos sentíamos cansados, se precisávamos de qualquer coisa.

Mas essa intimidade foi com todos. Paulo VI, em Castelgandolfo, agradeceu por ter vindo de Roma para assisti- lo. João Paulo I agradeceu o discurso de inauguração de seu Pontificado, que lhe entreguei no dia anterior. Enfim, uma grande experiência.

AE: Monsenhor, tendo convivido tão intimamente com cinco Papas, o que pensa que a Igreja pode esperar do Santo Padre Bento XVI?

A escolha do Papa Bento XVI foi extraordinariamente rápida, realizada com grande solicitude. Foi a resposta à espera do povo de Deus, que depois da morte de João Paulo II estava em grande expectativa. E ele, com sua humildade, gentileza, cultura, preparação, inteligência, espírito de oração, caridade e amor, fez com que se encontrasse algo incomparável.

Por isso vemos nos domingos a Praça de São Pedro tão cheia na hora do Ângelus. E é muito bonito que as pessoas venham para vê-lo, mas também para visitar o túmulo de João Paulo II.
É essa comunhão e essa continuidade.

AE: E como conclusão…

Eu quero deixar uma mensagem para os leitores da Revista “Arautos do Evangelho”.

Veio um homem enviado por Deus, chamado João, que trouxe à Igreja e favoreceu na Igreja o desenvolvimento desse carisma que distingue os Arautos do Evangelho e todos aqueles que participam de sua espiritualidade.

E tive a oportunidade de conhecer dito carisma de perto, já com a sua presença na Igreja de San Benedetto in Piscinula, da qual sou reitor, e recentemente visitando diversas casas do setor masculino e feminino, no Brasil e na Espanha.

Uma espiritualidade verdadeiramente própria, com a vida contemplativa, que não quer dizer não fazer nada, mas adorar o Senhor, falar com Ele e escutá-Lo; e que se manifesta no amor e dedicação ao próximo. E os Arautos tiveram esse grande desenvolvimento porque souberam unir a vida ativa à vida contemplativa, na vida comunitária que os faz sentir todos irmãos e irmãs, filhos do mesmo pai.

Por isso, ao ler as reportagens e artigos da Revista, pensar nisso, e refletir sobre o que está escrito. Cada um de nós, quando vir essas maravilhas, fazer delas um objeto para sua própria reflexão, no sentido de como melhorar, para sermos mais dignos do Senhor, mais dignos de nossos irmãos, e mais agradecidos a Deus por tudo o que nos deu.

E para isso recorrer a Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora da Confiança e da Perseverança, recorrer a Ela que é uma Mãe dulcíssima, e que realmente nos guia nos caminhos do Senhor.

(Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2005, n. 44, p. 12-13)

 
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