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Palavra dos Pastores


O carisma carmelita no governo de uma diocese
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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ENTREVISTA COM O BISPO DE AVEZZANO

José Francisco Hernández

Situada na bela área geográfica da Mársica, a meio caminho entre o Mar Tirreno e o Adriático, numa região de vales profundos e altaneiras montanhas, que se tingem de branco a cada inverno, a pequena Avezzano sabe juntar um cenário maravilhoso a uma densa história, cujas origens se perdem nos séculos anteriores ao nascimento de Cristo. De Roma, lá se chega por uma moderna rodovia, que serpenteia por 100 quilômetros ao longo de uma acidentada paisagem, podendo-se descortinar panoramas arrebatadores a cada saída de túnel ou na travessia de elevados viadutos. A Diocese de Avezzano foi criada no século nono da Era Cristã, 600 anos antes da descoberta da América. Denominada inicialmente Diocese de Marsi, recebeu em 1986 seu atual nome. Para as proporções da Itália, seu território é bastante vasto, com uma população de pouco mais de 120 mil habitantes. Em 1915 toda a região foi abalada por um grande terremoto que destruiu várias cidades da Mársica, causando mais de 32 mil mortes. Dos doze mil habitantes de Avezzano, escaparam apenas três mil. Residências, lojas, edifícios públicos, igrejas – tudo foi destruído, restando apenas uma casa de pé. O atual bispo diocesano, Dom Lucio Angelo Renna – 64 anos, carmelita, homem de muita cultura, muita energia e muita bondade – fala aos nossos leitores sobre sua diocese e sua experiência pastoral.

Arautos do Evangelho: Não deve ter sido fácil a reconstrução da cidade após o terremoto…

Dom Lucio Renna: Realmente, foi um trabalho penoso, um difícil caminho a percorrer, caminho de vida social e eclesial. Um dos protagonistas extraordinários daquela época foi o bispo, Dom Pio Marcelo Bagnoli, junto a alguns personagens leigos. Merece especial registro a presença benéfica de São Luís Orione, que foi canonizado no ano passado por João Paulo II.

AE: Qual a realidade eclesial da diocese?

Dom Lucio Renna: Do ponto de vista eclesial é uma realidade peculiar, pois os marsicanos – como são chamados os

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Dom Renna diante da imagem que preside seu escritório no
Palácio Episcopal: “Sendo bispo, vivo como carmelita”
Fotos: Victor Toniolo

habitantes de nossa região – têm um caráter muito particular: muito forte, de pessoas honestas, trabalhadoras, que são muito ancoradas nas tradições, escorregando algumas vezes no tradicionalismo. São ligados à Fé, à Igreja, embora conservando aquele dinamismo e aquela dialética que por vezes levam a alguns desencontros, por motivos sem grande importância.

A diocese é composta por 98 paróquias. Obviamente, dada a escassez de clero, muitos sacerdotes de outras dioceses, inclusive de outras nações, são acolhidos aqui. Devido à proximidade de Roma, muitos padres pedem hospedagem em nossa diocese, o que lhes permite terminar seus estudos nas Faculdades romanas, ou mesmo fazer um pouco de experiência.

Nessa realidade existe um problema, na minha opinião, que é o da “diocesanidade”.
Quer dizer, é necessário para todos nós descobrir a fraternidade diocesana, a família diocesana, e vivê-la de um modo mais compacto, mais orgânico, superando as famosas barreiras do “paroquialismo”, as quais, hoje sobretudo, vão contra a ânsia missionária que percorre toda a Igreja.

AE: Muitas outras dificuldades a enfrentar?

Dom Lucio Renna: Os problemas emergentes são vários, a começar pelo das famílias, pois mesmo aqui se verificam várias realidades de inautenticidade familiar. Eu uso esse eufemismo para não falar de desastre, para não falar de ruína da família.

Há também o problema dos jovens. Com algumas belíssimas exceções, os jovens estão descolados da vida da Igreja, da vida da família, e da própria escola. Hoje, infelizmente, os agentes clássicos de formação – família, igreja, escola – incidem apenas de modo superficial sobre a vida e a formação da juventude.

Segundo pesquisas do Instituto Europeu, nos anos 50 e 60 esses três fatores influíam numa proporção de 75%, enquanto os meios de comunicação tinham 25% de influência.
Hoje em dia a situação está exatamente o contrário.

AE: Somado aos problemas sociais…

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Pelas características da diocese  e  por  sua
proximidade  de Roma, ela acolhe padres vindos
de diversas regiões e países
(na foto, Catedral de Avezzano) 

Dom Lucio Renna: É, a esses se juntam os problemas de desemprego, integração, mobilização. Tem crescido o número de pessoas que vêm me pedir uma recomendação para conseguir trabalho. Eles pensam que o Bispo tem o poder de encontrar trabalho para eles… mas eu vejo quanto esses empregos são cada vez mais escassos.

O problema da integração é muito sério. Irmãos que chegam de outras nações freqüentemente são considerados apenas como massa de trabalho, não como pessoas humanas.

Muitas vezes, é claro, eles mesmos criam sérios problemas, mas podemos dizer que em geral as pessoas do lugar olham com grande suspeita esses “extra-comunitários”, como são denominados.
É uma palavra que não me agrada muito.

AE: Isso agrava mais ainda as dificuldades.

Dom Lucio Renna: Naturalmente. Isso cria outros problemas como, por exemplo, o problema moral, o familiar. Problemas que há alguns anos o Cardeal Biffi denunciou numa Carta Pastoral.

Na época houve reações, inclusive descompostas, mas hoje se reconhece que aquelas denúncias tinham um fundamento de verdade.

AE: Como a Igreja está reagindo agora?

Dom Lucio Renna: A Igreja está procurando de mil maneiras aproximar- se do mundo jovem, usando para isso os próprios jovens. É o slogan: “de jovem para jovem”. Atuando sob a direção de sacerdotes e do Bispo, os jovens da Pastoral Juvenil se tornam missionários junto àqueles que têm sua idade.

Com relação ao revigoramento da família, muitos estão preocupados e desejosos de atuar. Naturalmente existem os apelos de sensibilização à vida familiar, por meio de cursos de preparação.
Estamos estudando uma coordenação e preparação sistemática.

AE: E o momento atual da Igreja?

Dom Lucio Renna: Neste Ano da Eucaristia, estamos vivendo um momento muito peculiar, inspirado pela piedade de

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“Os Arautos do Evangelho tem uma espiritualidade
muito semelhante à nossa, do Carmelo (D. Renna com
o Fundador dos Arautos, Avezzano)

João Paulo II e continuado por Bento XVI. Todas as igrejas estão empenhadas em levar adiante diversas iniciativas para aproveitar esse dom e essa graça.

Realmente, a Eucaristia é um ponto de referência, é uma presença de Amor, que sob os sinais do pão e do vinho continua a propor o homem novo. Sobretudo, é a grande guia para o caminho da santidade, que deve constituir o cerne da vida de todo cristão. Nesse contexto se insere o Congresso Eucarístico Nacional da Itália, realizado em Bari.

O Congresso sublinhou a necessidade de as comunidades paroquiais e diocesanas valorizarem o domingo. O próprio lema escolhido para o Congresso foi este: “Sem o Domingo, não podemos viver”. Aliás, uma bonita cena na abertura do Congresso, durante a Missa presidida pelo Cardeal Ruini, foi a dos padeiros da região levando enormes cestos de pão, que os bispos distribuíam para todos, como símbolo e recordação do pão eucarístico.

O assunto do domingo é deveras muito importante, pois é na Missa dominical que se reúne a família das famílias, quer dizer, a paróquia. E a consciência disso está voltando. É importante viver esse momento de reunião em nome de Deus, esse momento litúrgico que é o ápice do domingo. Mas é preciso viver também as outras experiências da vida de comunidade.

Na sua primeira viagem apostólica após sua eleição, o Santo Padre foi encerrar o Congresso Eucarístico. Ele nos tocou a todos com sua simpatia, humildade e modo simples de propor, embora seja um gênio da Teologia.

Foi ocasião de grande alegria para a Igreja, sobretudo a Igreja italiana. E para mim, particularmente, foi motivo de orgulho, pois sou originário da Puglia, cuja capital é Bari. Ou seja, a primeira viagem do Papa foi justamente à minha região…

AE: Como um bispo que é carmelita vive o ministério episcopal?

Dom Lucio Renna: Lembro-me de que, no meu tempo de seminário, quando estudava Teologia Espiritual, os professores faziam uma distinção, que eu não entendia, entre contemplação e ação. Quase se pensava que fossem duas realidades distintas. Mas aos poucos eu fui percebendo que, como diz São Luís Orione, o verdadeiro contemplativo tem fome de ação. E se alguém não é contemplativo, sua ação e eficiência não redundam numa verdadeira animação pastoral. Esta é minha convicção muito profunda.

Assim é possível entender como foi chamado para ser bispo um antigo frade carmelita, que havia sido professor, é verdade – dei aula de Teologia e Teologia Espiritual nas escolas superiores e universidades pontifícias -, mas que vinha de uma vida religiosa comunitária, voltada à oração.

ENTREVISTA_4.JPGDe outro lado, eu já tinha uma certa preparação quando o Santo Padre me chamou para o episcopado. O empenho pastoral é antigo entre os carmelitas calçados. Por quase 18 anos fui Provincial de Nápoles, e vivi numa paróquia em Bari, tendo compromissos pastorais e culturais, inclusive a nível diocesano, como Vigário para a Vida Consagrada.

Mas agora, sendo bispo, vivo como carmelita. Procuro, sobretudo, dar um toque carmelita quando ouço os vários organismos diocesanos e programo com eles o que deve ser nossa realidade.

Com esse mesmo espírito cuido muito dos grupos de oração e propago a devoção a Nossa Senhora do Carmo. Aliás, com muita alegria devo dizer que essa não é tanto uma iniciativa minha, mas sim do povo, que até nos pediu a realização de reuniões nas quais possam conhecer a espiritualidade carmelita.

AE: Como foi seu primeiro encontro com os Arautos do Evangelho?

Dom Lucio Renna: Lembro-me muito desse encontro, em Gioia dei Marsi, há alguns anos, quando fiquei muito surpreso

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 “Eu acredito que os Arautos sejam uma
resposta moderna do Espírito Santo às
exigências da Igreja”

vendo o hábito que vocês usam. Mas o que me tocou mais foi o senso de seriedade, de responsabilidade, de intensidade espiritual, que eu pude apalpar logo nos primeiros momentos, no contato com membros tanto do ramo masculino como do feminino. Por isso iniciei um diálogo com os Arautos, com a mediação do Padre Romolo Mariani.

Eu me dei conta de que os Arautos do Evangelho têm uma espiritualidade muito semelhante à nossa, do Carmelo. Além de sua vinculação com São Luís Grignion de Montfort e de sua devoção ao Coração Imaculado de Maria, têm também devoção a Nossa Senhora do Carmo e mantêm muitas características carmelitanas em sua espiritualidade, o que nos une a eles. Tive já naquele primeiro momento uma espécie de feeling a esse respeito, que depois se foi intensificando e aprofundando.

Mais tarde, ao visitar suas casas, sobretudo na Espanha, pude notar muito o desejo de ser, na Igreja, uma presença a serviço, imitando Maria, que esteve a serviço da Igreja nascente. Sobretudo o desejo de serem zelosos, homens e mulheres, no tocante à Eucaristia, perseverantes na adoração, com esse espírito fortemente mariano, a serviço do povo nas várias partes do mundo.

Minha impressão inicial se aprofundou e se tornou convicção, inclusive nos contatos com o Padre Romolo e com o Presidente Geral da Associação, o Sr. João Clá – que, aliás, será ordenado sacerdote junto com outros 14 Arautos. Eu acredito que a realidade dos Arautos seja uma resposta moderna do Espírito Santo às exigências da Igreja. Por isso eu os encorajo muito a continuarem com essa mesma seriedade, que não é “seriosidade”, é senso de responsabilidade, empenho, estudo, aprofundamento, e também testemunho composto e digno de uma espiritualidade fortemente mariana.

(Revista Arautos do Evangelho, Jun/2005, n. 42, p. 12 à 13)

 
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