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A escravidão que liberta
 
AUTOR: PE. CÉSAR JAVIER DÍEZ JUÁREZ, EP
 
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A escravidão que liberta

Haverá de fato uma escravidão libertadora e uma liberdade escravizante?
A análise de um versículo da Epístola de São Paulo aos Gálatas
proporciona os elementos para uma adequada resposta.

» Conceito de liberdade ao longo da História
» A emancipação da razão
» Satisfação ilimitada dos caprichos
» Novas formas de escravidão
» A liberdade como pretexto para…
» A solução proposta por São Paulo…
» Gaudiosa dependência do ser humano…
» Membro separado do seu Senhor
» Semelhante a Cristo por meio do serviço…
» Solução para tantos males hodiernos

 

Liberdade e escravidão são palavras que soam taxativamente antagônicas, sobretudo para os ouvidos da nossa civilização contemporânea. Mas elas encontram nas palavras de São Paulo aos fiéis da Galácia uma harmonia admirável: “Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não abuseis, porém, da liberdade como pretexto para prazeres carnais. Pelo
contrário, fazei-vos servos uns dos outros pela caridade” (Gal 5, 13). Como explicar esse paradoxo?

O Apóstolo das Gentes ensina neste versículo de sua carta aos gálatas que a verdadeira liberdade trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo não pode ser vivida de modo autêntico senão no serviço aos demais. Nessa perspectiva, ele nos põe ante um dilema: ou se é servo do outro por amor a Cristo, ou se é escravo da carne por amor a si mesmo.

O choque produzido por essa nova doutrina entre pagãos e judaizantes foi de tal magnitude que mudou a vida e a forma de analisar as relações humanas em toda a Bacia do Mediterrâneo. Nasceu com ela o conceito da verdadeira liberdade dos filhos de Deus redimidos pelo precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Haverá de fato uma escravidão libertadora e uma liberdade escravizante? A análise do versículo acima transcrito, no qual o Apóstolo denomina liberdade aquilo que hoje se considera escravidão e qualifica de escravidão o que hoje se vê como liberdade, proporciona os elementos para uma adequada resposta a esta pergunta.

Conceito de liberdade ao longo da História

Pode-se, de algum modo, dizer que a História da humanidade é a história da liberdade.1 Uma liberdade que permite ao homem tomar suas decisões, escolher seu papel, e, portanto, governar seu próprio destino.

O desejo de ser livre foi e é um dos maiores anelos do ser humano. Essa sua constante preocupação deu lugar a tantas definições de liberdade quantas épocas, culturas, civilizações, correntes filosóficas e, quase se poderia dizer, pessoas existiram ao longo da História.

Para quem percorre au vol d’oiseau o período compreendido entre o final da Idade Média e a atualidade, salta à vista que, com o passar do tempo, a ideia de liberdade foi aos poucos se divorciando de suas relações e compromissos com outros valores como a responsabilidade, o sacrifício, a renúncia, a dignidade, a Fé e, em suma, com o próprio Deus… Valores esses que, em outras épocas, impunham à liberdade um equilibrado contraponto.

Jesus discutindo com os fariseus_.jpg
À proposta de liberdade feita por Jesus, os fariseus respondem
com soberba e mostram que o pecado, além de
escravizar, cega
 “Jesus discutindo com os fariseus” – Biblioteca do Mosteiro
de San Millán de la Cogolla (Espanha)

Com efeito, a partir do Renascimento, em sua ansiosa busca da liberdade, o homem foi-se desprendendo do amor à austeridade e ao sacrifício, bem como dos anelos de santidade e de vida eterna, procurando uma ordem fundamentalmente diversa daquela que chegou a seu apogeu nos séculos XII e XIII.2

Começou, assim, a desenvolver-se na época do Renascimento, com base em modelos da Antiguidade Clássica pagã, um processo de secularização, isto é, um desvanecer dos princípios ditados pela Fé, marcado por uma notável atitude antiescolástica e anticlerical, que se acentuaria ao longo dos anos e chegaria, em algumas de suas manifestações, a querer sobrepujar o Cristianismo, propondo aos homens padrões de comportamento de caráter estoico-epicurista, como foi o libertinismo renascentista.3

A emancipação da razão

É preciso notar que essa crise de fé e secularização ocasionou o desvio do senso religioso do homem para elementos terrenos que passaram a ser absolutizados.4 Do teocentrismo se passou ao antropocentrismo. Temos hoje um mundo desmitificado, racionalizado, desencantado.

A emancipação da razão foi se desenvolvendo paralelamente a esse movimento de secularização. Confiando cada vez mais na própria razão, o homem criou para si um método de análise que submeteu toda investigação e todo estudo à mera experiência. Porém, essa exaltação da razão permaneceu somente na apreciação científico-racionalista das leis naturais? Não, ela submeteu a seu crivo também os âmbitos artístico e econômico; mais ainda, dele não excluiu sequer a religião.

Aos poucos, sobretudo a partir do Iluminismo, as obrigações que deviam acompanhar a liberdade se desprenderam de seu fundamento religioso.5 Surgiu uma moral civil, secularizada, na qual os deveres para com Deus se transferem para a esfera profana e se metamorfoseiam em compromissos laicos consigo mesmo ou com a coletividade. Com isso, relativizou-se a moralidade das ações humanas, já que o homem erigira para si um pedestal, constituindo-se juiz de seus próprios atos.

Passo a passo foi sendo olvidado o senso do dever, tão característico da cultura judeu-cristã, na qual a ideia de serviço estava profundamente arraigada. A felicidade já não era fruto do reconhecimento e do serviço à verdade, mas sim da liberdade absoluta, alcançada graças ao progresso da ciência.

Satisfação ilimitada dos caprichos

A evidência dos fatos torna inegável que a luta pela liberdade e pelo domínio da natureza acarretou enormes benefícios em quase todos os campos de atuação do ser humano. Porém, como foi acima assinalado, tais progressos se desenvolveram à margem de uma moral capaz de delimitar com clareza as fronteiras entre o bem e o mal, em busca de uma liberdade da qual o senso de responsabilidade está quase ausente.

Hoje, sobretudo na sociedade ocidental, a técnica e a ciência proporcionaram tanto conforto material e tantos prazeres, que a ideia de abnegação vai perdendo o seu valor, passando os homens a estimular de modo exclusivo aquilo que satisfaz os desejos imediatos e o próprio ego6, com vistas à liberação dos instintos desregrados.

Manhattan_Nova York_.jpg
A técnica e a ciência proporcionaram tanto conforto e tantos
prazeres, que a ideia de abnegação vai perdendo
o seu valor

A Ilha de Manhattan vista do topo do Rockefeller
Center, Nova York

A autorrealização serviu de pretexto para alimentar todo tipo de luta utópica com o objetivo de possibilitar que as paixões humanas campeiem sem nenhum controle da inteligência e da vontade, permitindo à fantasia e às “vivências” predominarem no espírito, em detrimento da análise sériae metódica da realidade.7

Como se não bastasse, acrescente-se a isso a ampla difusão das teorias de Sigmund Freud e de outras escolas de psicologia, cujo conceito de liberdade abriu campo para incontáveis concessões ao egoísmo humano, criando e difundindo uma cultura na qual prima a satisfação ilimitada dos caprichos egocêntricos, 8 buscando “implantar sobre o túmulo do dever o reinado da vontade arbitrária”.9

Novas formas de escravidão

À vista disso, ter-se-ia a impressão de que o homem quer assemelhar- se cada vez mais ao animal, almejando o poder de gozar da estepontaneidade deste. Entretanto, há algo que diferencia profundamente o ser humano do animal irracional: por causa do pecado original ficou a natureza humana desordenada, necessitando do auxílio da graça para bem obrar estavelmente. Enquanto os animais possuem os instintos ordenados segundo a sua natureza.

Grande equívoco seria, então, querer identificar liberdade com espontaneidade. Pelo contrário: a liberdade é, de alguma forma, a negação da espontaneidade. A todo momento deve o homem julgar e agir frente a fatores novos que vão surgindo, e o acerto de suas decisões depende, em grande medida, do concurso da razão e da vontade.

O egoísmo leva o homem a não ver que a liberdade é condicionada por fatores morais, psicológicos, sociológicos, etc., e que, no fundo, não se é livre de, mas sim para tomar sua própria postura frente a todos esses fatores.10

Não obstante, esse egoísmo não deixou de cobrar seu tributo e, paradoxalmente, o mesmo homem que se afanava em obter a felicidade por meio de uma liberdade irresponsável, viu-se às voltas com novas ameaças e, mais grave ainda, com novas formas de escravidão, a pior das quais é o próprio ego – o qual Paulo denominaria σ?ρξ, carne – que submete e engana o indivíduo.

Tirania do ego que conduz a pessoa a uma situação de desequilíbrio, fazendo-a oscilar continuamente entre o delírio de sentir-se onipotente e árbitro de tudo, e a depressão autodestrutiva e autoaniquiladora.11

Assim sendo, nos poucos momentos de tranquilidade que o homem hodierno consegue encontrar, quando passa mentalmente em revista a “neurótica sarabanda das decepções, das preocupações, das ambições descabeladas e dos cansaços exacerbados”, surge em seu espírito uma pergunta: “Para que viver?”.12 Pergunta, sem dúvida, mais própria de um escravo que de um homem livre.

Com efeito, a liberdade dirigida pelo egoísmo conduz sempre à escravidão, porquanto a liberdade não é capaz de libertar por si mesma. O que pode tornar livre o ser humano é a verdade procurada livremente.13

A liberdade como pretexto para a escravidão da carne

Face a esse triste paradoxo no qual a busca da liberdade acaba em escravidão, o Apóstolo Paulo propõe um paradoxo ainda maior e per diametrum oposto ao enfoque do primeiro: a liberdade deve ser alcançada mediante o serviço ao próximo por amor a Deus. Muito bom conhecedor das sendas humanas, ele traz a esperançosa notícia de que a humanidade está chamada à liberdade em Jesus Cristo, mas, ao mesmo tempo, não deixa de prevenir quanto ao perigo que o mau uso dessa liberdade pode acarretar.

Recomendando cuidado para a liberdade não se tornar um pretexto para a carne – palavra que signfica não só a sensualidade humana, mas também tudo quanto há de soberba e orgulho no homem -, São Paulo parece ter presente de alguma forma o fato narrado pelo Evangelista São João, no qual os fariseus se jactam perante o Senhor de nunca terem sido escravos de ninguém (cf. Jo 8, 33).

À proposta de liberdade feita por Jesus, os fariseus respondem com soberba e mostram que o pecado, além de escravizar, cega e deixa o ser humano praticamente incapaz de discernir a verdade. Alardeando sua liberdade, olvidam eles que a história do povo hebreu é uma prova inegável de como os israelitas ficaram submetidos à escravidão dos povos circunvizinhos todas as vezes que voltaram as costas ao Senhor.

Mas isso não acontece somente ao povo hebreu: quem se entrega ao pecado torna-se escravo do pecado (cf. Jo 8, 34), e seria um contrassenso que a liberdade anunciada por São Paulo – a qual engloba não só a libertação referente à Lei, mas também, e, sobretudo, ao pecado – acabasse sendo um pretexto para este último.

Batismo de Santa Luparia. Museu da Catedral de Guadix - Espanha..jpg
 A criança é levada às fontes batismais por um
padrinho
que  responde por sua Fé, e curva sob
a água santa
sua fronte ainda marcada com o
pecado original.
Batismo de Santa Luparia – Museu da Catedral
de Guadix – Espanha 

A solução proposta por São Paulo: escravidão de amor

O Apóstolo lhes dá logo em seguida o remédio para que essa liberdade possa com toda a propriedade ser chamada cristã: fazei-vos servos uns dos outros pela caridade.

Convém ressaltar que este imperativo “fazei-vos servos” (δουλε?ετε – duléuete) deveria ser traduzido mais exatamente como “fazei-vos escravos”, uma vez que doulos, em grego, significa escravo. Não é, portanto, um serviço próprio do assalariado, mas daquele que serve sem direito a nenhuma retribuição.

E sem embargo – eis o paradoxo – São Paulo afirma que a liberdade deve ser adquirida mediante esse tipo de serviço (escravidão) aos demais. Somente convertendo-se em servo do próximo por amor a Deus, é que o homem pode alcançar a tão anelada liberdade. Escravidão de amor: esta é a solução que São Paulo propõe aos gálatas para se manterem na verdadeira liberdade, a liberdade de Cristo. Mas essa escravidão de amor não é simplesmente o remédio para não cair na escravidão da carne. Não é um medicamento, uma vacina cuja utilidade se limita a preservar o indivíduo das garras do pecado.

Gaudiosa dependência do ser humano com relação a Deus

O Apóstolo tem muito claro que o homem, sendo criatura, é um ser limitado e, como tal, corresponde-lhe uma liberdade restringida e dependente; esta se reduz à possibilidade de escolher o senhor a quem se quer servir, “seja o pecado para a morte, seja a obediência para a justiça” (Rm 6, 16).

Além disso, o conceito de São Paulo sobre o serviço (escravidão) ultrapassa de muito o significado que se lhe dá nos tempos atuais. Como hebreu, sua ideia de escravidão adquire um sentido profundamente religioso; escravo é quem se encontra na dependência total e absoluta de seu senhor, a serviço do qual deve consagrar todas as suas atividades.

Cabe ressaltar também que no mundo judaico o homem está convencido de que Deus é o Senhor absoluto de todas as coisas, e sente uma total dependência d’Ele. Assim, ser eleito por Deus para servi-Lo não é algo humilhante, pois Ele manifesta seu amor ao povo hebreu por meio da eleição. Ser escravo exprime não só serviço, mas também a gaudiosa dependência do ser humano com relação a Deus.

Liberto do pecado pelo Batismo, deve o cristão viver na plena e alegre convicção de que, como pessoa resgatada, tornou-se propriedade de Cristo, seu novo Senhor, a quem deve todo acatamento, já que a liberdade cristã somente pode ser concebida a partir da “experiência da dependência total com respeito a Deus”.14

É o que São Paulo quer transmitir quando exorta a servir a Cristo, partindo de sua própria vivência de dependência absoluta d’Aquele que o amou e Se entregou por ele (Gal 2, 20), pois essa doação total só pode realizar-se a partir da experiência pessoal do amor a Deus.

Membro separado do seu Senhor

Com efeito, a escravidão surge da plena convicção de que Aquele a quem se faz a entrega supre com sua Virtude Amorosa todas as carências e debilidades próprias do ser humano, as quais o impedem de praticar o bem que desejaria (cf. Rm 7, 18). Essa convicção, porém, não é um mero fato racional, é um autêntico ato de fé que une vitalmente com Cristo, o qual demonstrou seu amor entregando-Se.15

O escravo de Cristo “crê, pois, que sua vida é amada no amor de Cristo”,16 convertendo-se essa crença no impulso vital de todas as suas ações. O próprio Paulo reconhece que o amor de Cristo “foi o princípio determinante de sua Paixão”,17 pois, como diz: “me amou e Se entregou por mim” (Gal 2, 20; cf. Ef 5, 2.25).

Jesus lava os pés de São Pedro_.jpg
O mandamento do amor é obrigatório e sendo o
cristão outro Cristo, deve também fazer-se
semelhante a Ele, por meio do serviço aos demais

“Jesus lava os pés de São Pedro” – Notre Dame, Paris

Por causa dessa fé, o escravo, como membro separado de seu Senhor (Ef 5, 30), passa a ter a mesma vida que Ele, podendo dizer com Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20).

Cristo vive no escravo não apenas através de um mero estar, mas de forma operante pela qual ele quer o que Cristo quer, pensa o que Cristo quer que ele pense e faz o que Cristo quer que ele faça. E o escravo, antes impotente para a prática do bem, consegue, por meio dessa união com Aquele que lhe dá força, fazer tudo (cf. Fl 4, 13).

Dessa forma, a doação total do homem a Deus se transforma em liberdade, pois “se este Criador nos ama e nossa dependência consiste em estar no espaço de seu amor, neste caso a dependência é liberdade”.18

Semelhante a Cristo por meio do serviço aos demais

A liberdade deve, pois, ser alcançada por meio da escravidão a Cristo Senhor nosso. Mas como “quem não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê” (I Jo 4, 20), será possível ser escravo de Cristo sem ser escravo dos demais?

Paulo considera que o cristão, redimido do pecado pelo Batismo, entrou na esfera do amor de Deus, fazendo-se ele mesmo amante. Entretanto, não só em relação a Deus, mas também em relação aos demais, porque “quem se reconhece amado, torna-se ativo no amor”.19

Por isso o próximo, “especialmente os irmãos na fé” (Gal 6, 10), passa a ser o contrário da carne e nele não se deve ver senão um reflexo de Cristo. “Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40), afirmou o Divino Mestre.

De fato, “sendo levados pelo amor de Cristo na Fé, nos tornamos livres para o amor, que conduz também ao próximo e, desse modo, cumpre a Lei em tudo quanto tem de vontade divina”,20 pois a prática da caridade satisfaz a todas as exigências propostas pela lei.

Para o escravo de Cristo já não há mais lei senão a de Cristo (cf. I Cor 9, 21), a qual resume toda a regulamentação da lei antiga e, baseada no amor, impele o ser humano rumo aos demais para servi-los e fazer- lhes bem, o que, por sua vez, fortifica sua fé em Cristo.21

Proveniente “sentido profundo da vida de Cristo”22, o mandamento do amor é obrigatório. Por isso, sendo o cristão outro Cristo, deve também fazer-se semelhante a Ele por meio do serviço aos demais.

Nessa perspectiva, o cristão subordina todas as suas regras de conduta ao ideal do amor ao próximo, preocupando- -se pelos demais e entregando-se totalmente à vida da comunidade. Por isso, sua fidelidade ou infidelidade à lei de Cristo se medirá em função da atitude que tenha frente às carências e dificuldades do próximo; atitude não pontual nem isolada, mas profundamente responsável e constante.

E quanto mais o homem é generoso em corresponder a esta vocação a qual Cristo o chama, por meio do olvido de si mesmo, entregando- se a uma tarefa ou a uma pessoa, por amor a uma causa, sem preocupar-se consigo mesmo, tanto mais se realiza como ser humano,23 tanto mais é ele mesmo e obtém a ventura e a felicidade de ter cumprido o desígnio de Deus.

Dessa maneira, o “fazei-vos servos uns dos outros pela caridade” se transforma em instrumento de liberdade, deixando claro que a felicidade não consiste em ter tudo sem limite, mas em dar-se por inteiro.

Solução para tantos males hodiernos

Nesta época em que a sociedade está ébria de liberdade, naturalismo, falso otimismo e conforto egoísta, a mensagem de São Paulo nos interpela, com a intenção profética de denunciar e, ao mesmo tempo, indicar o caminho.

Nosso Senhor Jesus Cristo.jpg
Sendo exteriormente reconhecido como homem,
humilhou-Se ainda mais, tornando-Se obediente
até a morte, e morte de cruz (Fl 2, 8)

“Cristo crucificado” – Igreja dos Mártires, Lisboa

Como solução a tantos males hodiernos, o Apóstolo propõe sacrifício, abnegação e entrega, prometendo como prêmio a verdadeira liberdade, esse valor que todos buscam afanosamente, tantas vezes em vão. Pode ser que, apesar de tudo, em algum cristão permaneça a dificuldade psicológica de ver harmonizados os vocábulos amor e escravidão, ou escravidão e liberdade.

      Como explicar que alguém seja capaz de submeter-se de livre e espontânea vontade a outrem? Escravidão de amor não é um contrassenso?

      Entretanto, amor é o ato pelo qual a vontade quer livremente algo. Assim, escravidão e amor podem andar unidos na nobre decisão pela qual uma pessoa se entrega livremente a um ideal, a uma causa, a serviço dos demais.

É o exemplo que Jesus dá a seus Apóstolos na Última Ceia: depois de lhes ter lavado os pés – serviço próprio de escravos – e declarar- -Se Mestre e Senhor a quem eles devem imitar, exorta-os a lavar os pés uns dos outros, a servir uns aos outros como escravos (cf. Jo 13, 12-15).

Magnífico exemplo se encontra também na livre escolha feita pela Escrava do Senhor (cf. Lc 1, 38), quando aceitou ser a Mãe de Deus: livre porque responde à interpelação de Deus como uma pessoa não submetida previamente; livre porque Ela vive sua liberdade em relação a Deus e aos demais com uma equilibrada consciência de Si, cuja humildade não A detém, mas, pelo contrário, lança-A, confiante, nos braços de Deus.24

E com essa mesma confiança Ela lançou-Se também a servir os demais, não duvidando um instante em – sendo já Mãe de Deus – acorrer em ajuda de sua prima Isabel e pôr-Se a seu serviço.

Assim, na contemplação da atitude de Maria Santíssima encontraremos a verdadeira fórmula para seguir os passos de Cristo, Servo Sofredor (cf. Is 52, 14; 53, 12), que por amor à humanidade não duvidou em assumir a condição de escravo e tornar-Se obediente até a morte, e morte de cruz (cf. Fl 2, 7-8). Revista Arautos do Evangelho, Jun/2012, n. 126, p. 18 à 25)

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