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Os sacramentais: um tesouro desconhecido
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 07/04/2014
 
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Redação (Segunda-feira, 07-04-2014, Gaudium Press) Quantas vezes o amigo leitor não fez o sinal da cruz, usou água benta ou recebeu a bênção de um ministro de Deus? Atos aparentemente simples, tão habituais no transcurso da vida diária do católico, sem dúvida já foram praticados por nós muitas vezes movidos pela piedade e convicção de serem meios para uma união mais íntima com Deus.

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Ora, os gestos acima mencionados fazem parte de uma realidade bem mais profunda e maravilhosa: os sacramentais.

Em que consistem? Quais as suas diferenças com os Sacramentos, ou com os meros atos piedosos?

Santificação das mais variadas circunstâncias da vida cristã

Os sacramentais são definidos pelo Catecismo como “sinais sagrados pelos quais, à imitação dos Sacramentos, são significados efeitos principalmente espirituais, obtidos pela impetração da Igreja”.1 Eles “compreendem sempre uma oração, acompanhada de determinado sinal, como a imposição da mão, o sinal da cruz ou a aspersão com água benta”.2

Adiante, nos deteremos em explicar melhor alguns elementos desta definição, como sua semelhança com os Sacramentos e a força de impetração da Igreja para lhes obter os efeitos. Mas, por enquanto, prestemos atenção no fato de terem sido “instituídos pela Igreja em vista da santificação de certos ministérios seus, de certos estados de vida, de circunstâncias muito variadas da vida cristã, bem como do uso das coisas úteis ao homem”.3

Com efeito, no termo sacramental, inclui-se uma grande quantidade de ações e coisas, pois “existe uma gama inteira de situações que afetam os indivíduos, as famílias, as sociedades e as nações, que necessitam da oração da Igreja e da bênção de Deus. Algumas delas não são direta e necessariamente abarcadas pelos Sacramentos. Uma profissão religiosa, um funeral, a bênção de uma nova casa, a dedicação de uma igreja paroquial, são alguns dos significativos momentos de mudança na vida do fiel. A Igreja os acompanha não somente com a Eucaristia e os Sacramentos, mas também com a celebração de sacramentais”.4

Oferecem eles, pois, aos fiéis bem dispostos a possibilidade de santificar quase todas as ações da vida.

Hoje em dia, explica Vagaggini, “tende-se a reservar a noção de sacramentais a certos ritos da Igreja que, por si, não fazem parte da celebração do sacrifício e da administração dos sete Sacramentos, mas são de estrutura similar àquela dos Sacramentos e que a Igreja costuma usar para obter com sua impetração efeitos principalmente espirituais”.5

Mas, de fato, os sacramentais podem ser tantos quantas sejam as necessidades dos homens de todas as épocas.6 “Para os fiéis bem dispostos”, ensina o Catecismo, “quase todo acontecimento da vida é santificado pela graça divina que flui do mistério pascal da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, do qual todos os Sacramentos e sacramentais adquirem sua eficácia. Quase não há uso honesto de coisas materiais que não possa ser dirigido à finalidade de santificar o homem e louvar a Deus”.7

Assim, como já vimos, entre os sacramentais se incluem ações como a profissão religiosa, a consagração das virgens, os exorcismos, as exéquias e as bênçãos de pessoas ou de lugares. Mas também certos objetos (ou coisas) como a água benta, os sinos, ou as velas bentas.

Três categorias de sacramentais

Dessa distinção entre ações e objetos, emana uma primeira classificação dos sacramentais.

Há alguns que não permanecem, tais como ritos ou cerimônias, que cessam com a própria ação que os constituiu.

Fazem parte dos chamados sacramentais ação e compreendem as diversas bênçãos invocativas – como as bênçãos nupciais, dos doentes, das casas, etc. – feitas sobre coisas ou pessoas para atrair um especial auxílio ou determinados

benefícios celestes; bem como certos ritos que acompanham a administração dos Sacramentos, tais como a imposição do sal e o Éfeta do Batismo; e os exorcismos, pelos quais a Igreja invoca a proteção divina para afastar a influência do demônio.

De outro lado, existem ações que, sendo sacramentais, tornam também sacramental aquilo sobre o qual se aplicam. Tais são, por exemplo, a dedicação de uma igreja ou a consagração de uma virgem, pelas quais a Igreja entrega a Deus e a Seu culto, de modo permanente, pessoas ou coisas; ou as bênçãos constitutivas, cuja execução produz um efeito que perdura.

Dessas ações surgem os chamados sacramentais permanentes – ou sacramentais coisa – sobre os quais é impresso, pela consagração ou bênção constitutiva, um quase-caráter que os faz aptos para que deles possam fazer uso os fiéis, especialmente em ordem a efeitos espirituais; e que continuam sendo perpetuamente sacramentais após a ação que os constitui.

Nesta categoria inclui-se a água benta, que, após a realização do rito pelo qual deixa de ser água comum, permanece por si mesma como um sacramental com diversos efeitos para o fiel que dela faz uso. O mesmo acontece com certos escapulários e medalhas, com as velas bentas no dia da Apresentação, ou com as palmas abençoadas no Domingo de Ramos, entre muitos outros.8

Sacramentos e sacramentais

Vimos, na definição dada pelo Catecismo, que os sacramentais produzem efeitos “à imitação dos Sacramentos” e que ambos estão compostos por sinais sagrados. Ora, a semelhança entre eles é tal que nos primeiros tempos da Igreja incluíam-se, sob o termo Sacramento, os sete instituídos por Cristo e os que hoje chamamos de sacramentais.

No século XII, essa imprecisão terminológica ainda se mantinha. “São Bernardo chama de sacramento o lava-pés, e o Concílio Lateranense, de 1179, inclui nesse nome a entronização dos Bispos e dos abades, as exéquias e a bênção de bodas”, lembra o liturgicista beneditino Manuel Garrido.9 O teólogo dominicano, padre Barbado, conceituado comentarista de São Tomás, acrescenta que, até aquele século, “o conceito de Sacramento não se utilizava com o mesmo rigor de hoje. Os Sacramentos e os sacramentais, ao mesmo tempo que designavam coisas sagradas, misturavam-se indistintamente na terminologia”.10

Pedro Lombardo e o autor desconhecido da Summa Sententiarum serão os primeiros a unir o conceito escolástico de causa eficiente ao de signo sensível, deixado por Santo Agostinho, estabelecendo assim um primeiro critério válido para diferenciar entre sacramentais e Sacramentos, no sentido próprio do termo.11

É, entretanto, São Tomás de Aquino quem, cem anos depois, delimita os campos com sua habitual precisão e clareza ao ensinar: “Deve-se dizer que a água benta e outras consagrações não se chamam sacramentos, porque não levam ao efeito do Sacramento, que é a obtenção da graça. Mas dispõem para os Sacramentos, ou porque removem o que os impede, como a água benta que se dirige contra as insídias do demônio e contra os pecados veniais; ou tornam os objetos dignos da recepção do Sacramento: consagram-se o altar e os vasos sagrados por reverência pela Eucaristia”.12

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Sem chegar a definir o conceito de sacramental, traçava o Angélico Doutor uma linha divisória ao explicitar que, enquanto os Sacramentos produzem diretamente a graça, os sacramentais apenas dispõem- nos para ela.13 Esse critério permanece válido até nossos dias, e é recolhido pelo Catecismo nos seguintes termos: “Os sacramentais não conferem a graça à maneira dos Sacramentos, mas, pela oração da Igreja, preparam para receber a graça e dispõem à cooperação com ela”.14Ç

Convém esclarecer, entretanto, que, embora os teólogos tenham demorado séculos em diferenciar conceitualmente os sete Sacramentos de outras realidades mais ou menos semelhantes, a Igreja os conhecia e ministrava desde o início como instituídos por Cristo.15

Pela ação da Igreja, em união com Cristo

Embora acreditemos que a cerimônia de dedicação torna sagrada uma igreja, que a medalha de São Bento tem poderes especiais contra as ciladas do maligno, que o uso da Sagrada Correia nos auxilia e protege nas tentações contra a castidade, ou que a água benta, além de perdoar os pecados veniais, também afugenta os anjos maus, convém analisarmos de onde provém a eficácia para que realmente sejam obtidos tais efeitos.

Ensina-nos a Teologia que os Sacramentos produzem seu efeito ex opere operato (“pela obra realizada”), quando devidamente ministrados e recebidos. Isto é, sua eficácia provém, antes de tudo, do valor da ação em si mesma.16 Eles “têm uma intrínseca virtude enquanto são ações do próprio Cristo que comunica e difunde a graça da Cabeça divina nos membros do Corpo Místico”.17

Outras ações produzem os seus efeitos ex opere operantis (“pela ação daquele que a opera”), isto é, elas não possuem virtude própria, mas dependem das disposições da pessoa que as realiza. É o que acontece com a comunhão espiritual ou com a oração pessoal, e, assim por diante, com todos os atos sobrenaturais dos justos.

Entretanto, nenhuma destas duas opções explica exatamente o que acontece com os sacramentais. Não se enquadrando em nenhum dos casos, eles agem, principalmente pela impetração da Igreja, independentemente das disposições do ministro e, em muitos casos, também do próprio sujeito que os recebe.

Pio XII, colhendo o fruto de um largo período de dissertações teológicas a este respeito, deu um desfecho genial a esta querela, na Encíclica Mediator Dei, expressando a eficácia da ação santificadora dos sacramentais enquanto operada pela Igreja e incorporando ao Magistério o conceito ex opere operantis Ecclesiæ. Assim, explica esse Papa, a eficácia santificadora dos sacramentais e outros ritos instituídos pela hierarquia eclesiástica “deriva principalmente da ação da Igreja (ex opere operantis Ecclesiae), enquanto esta é santa e opera sempre em íntima união com a sua Cabeça”.18

Com efeito, sendo Nosso Senhor Jesus Cristo “a Cabeça do corpo que é a Igreja” (Cl 1, 18), forma uma só unidade com Ela. “Cabeça e membros são, por assim dizer, uma só e mesma pessoa mística”, afirma São Tomás.19 Um famoso biblista jesuíta, padre Bover, acrescenta: “o Corpo Místico de Cristo é, à maneira do corpo humano, um organismo espiritual que, unido a Cristo como sua cabeça, vive a vida mesma de Cristo, animado pelo Espírito de Cristo”.20

“É preciso que nos acostumemos a ver na Igreja o próprio Cristo”, aconselha Pio XII. “Pois que é Cristo que vive na sua Igreja, por ela ensina, governa e santifica”.21 Assim, as obras da Igreja são atos do próprio Cristo, e a prece da Igreja não é senão a oração de Cristo, à direita do Pai, à qual ela se associa e da qual participa, ou melhor, a qual Cristo a associa e a faz participar.22os_sacramentais_3.jpg

De fato, enquanto signos da Fé intercessora e orante da Santa Igreja e dos efeitos que essa oração produz, os sacramentais estão dotados de uma eficácia superior à de qualquer boa obra privada. A intercessão da Igreja outorga-lhes, em maior ou menor medida, a dimensão comunitária da ação litúrgica de que nos fala o Concílio Vaticano II.23

Riqueza espiritual e material colocada à nossa disposição

Ao atribuir ao sacramental um determinado efeito e invocar seu poder de impetração sobre esse sinal sagrado, a Santa Igreja espera obter através dele principalmente graças atuais e, secundariamente, graças temporais outorgadas com vistas a um bem espiritual. Com efeito, lembra Santo Afonso Maria de Ligório, “quando pedimos a Deus bens temporais, devemos pedi-los com resignação e sob a condição de aproveitarem à alma. Se vemos que o Senhor não os concede, tenhamos por certo que os nega […] porque prevê que vão prejudicar a salvação de nossa alma”.24

Assim, seguindo as mesmas leis gerais que regulam a oração, os efeitos dos sacramentais são “principalmente de ordem espiritual”.25 Através deles, a Igreja pede graças atuais para auxiliar o exercício da virtude – especialmente da fé, esperança e caridade -, assim como para obter o perdão dos pecados veniais, a melhor preparação da recepção dos Sacramentos e a proteção contra os demônios.

As indulgências também são sacramentais e, como tais, é através do poder impetratório da Igreja – administradora, enquanto ministra da Redenção, do tesouro dos méritos de Cristo e dos Santos – que obtêm a remissão das penas temporais a serem satisfeitas no Purgatório. O mesmo acontece com as bênçãos duradouras, aquelas que consagram de maneira permanente uma coisa ou uma pessoa para o serviço de Deus.

Mas, quem diz efeitos “principalmente espirituais” está admitindo implicitamente a possibilidade de obter graças materiais, desde que estas cooperem para a obtenção de um bem espiritual maior. Tais pedidos poderão ser, por exemplo, o alívio de nossos sofrimentos, o afastamento dos castigos divinos, a cura de doenças, uma abundante colheita, uma viagem bem-sucedida, etc., sempre que sejam conformes à vontade do Pai Celeste e, insistimos, para a maior santificação da alma. Estas
condições fazem com que tais pedidos materiais, seguindo as regras da oração expostas acima, embora não sejam infalíveis, venham a ser atendidos, se feitos com reta intenção e justa causa.

Dentro desta perspectiva, não existe uso das coisas materiais (conforme a reta moral) que não possa ser dirigido à santificação dos homens e ao louvor de Deus, pois os méritos redentores de Cristo deitam, felizmente, sua benéfica influência sobre toda criatura e não apenas sobre a humanidade.

Auxílio nos nossos embates espirituais

Finalmente, é preciso considerar, que, embora os efeitos dos sacramentais não dependam principalmente da disposição com que são administrados ou recebidos, tal disposição pode concorrer para uma superior eficácia. De fato, Deus outorga Seus dons em quantidade e qualidade maior em virtude de nosso mérito ao nos identificarmos, por nossa religiosidade profunda e enlevada, com a Igreja santa e imaculada que opera através deles.

Porque somos filhos de Deus, somos também e necessariamente, por condição dessa filiação divina, inimigos do primeiro e pior dentre os inimigos de Deus, que é o demônio. Portanto, do sincero e filial amor a Deus, só pode brotar a disposição para viver em estado de luta, neste campo de batalha que é a Terra, e alcançar o Reino dos Céus, que só os violentos arrebatam (Cf. Mt 11, 12).

Assim, lancemos mão dessas “armas” sobrenaturais que nos auxiliam a ser vitoriosos nas duras, incessantes e, sobretudo, santificantes refregas que temos de travar inevitavelmente a cada dia e, como o Apóstolo, possamos dizer ao término desta vida: “Combati o bom combate, concluí a carreira, guardei a fé” (II Tm 4, 7). Dai-me, Senhor, o prêmio de vossa glória!

Por Padre Ignacio Montojo Magro, EP.

Notas:

1 Catecismo da Igreja Católica, n.1667.
2 Idem, n.1668.
3 Idem, ibidem.
4 CHUPUNGCO, OSB, Anscar J. (Editor). Sacraments and Sacramentals. In: Handbook for liturgical studies. Collegeville (Minn.): The liturgical Press, 1977, v.IV, p.xxivxxv.
5 VAGAGGINI, OSBCam, Cipriano. O sentido teológico da liturgia. São Paulo: Loyola, 2009, p.96.
6 A Sacrosantum concilium menciona especificamente as bênçãos em geral (SC 79), ritos de profissão religiosa e consagração das virgens (SC 80) e exéquias (SC 81). Mas muitos outros sacramentais foram
acrescentados à lista pela publicação de rituais separados: a bênção dos abades e abadessas, a instituição de leitores e acólitos, a dedicação de uma igreja e de um altar, a bênção dos sagrados óleos,
a coroação de imagens da Santíssima Virgem, e muitas outras bênçãos contidas no respectivo ritual
(Cf. CHUPUNGCO, OSB, op.cit., p.xxiv).
7 Catecismo da Igreja Católica, n.1670.
8 Cf. VAGAGGINI, OSBCam, op.cit., p.96.
9 GARRIDO BONAÑO, OSB, Manuel.Curso de liturgia romana. Madrid: BAC, 1961, p.418. Ver outros exemplos em AIGRAIN, René (Editor). Enciclopedia litúrgica. Alba: Paoline, 1957, p.702-703.
10 BARBADO VIEJO, Francisco et al. Introducción a la cuestión 65. In: Suma Teológica. BAC: Madrid,
1957, v.XIII, p.137.
11 Cf. MARTIN, María del Mar. De sacramentalibus. In: MARZOA, Ángel; MIRAS, Jorge; RODRÍGUEZ-OCAÑA, Rafael. Comentário exegético al Código de Derecho Canónico. 3.ed. Pamplona: Eunsa, 2002, v.III-II, p.1650.
12 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, III, q.65, a.1, ad.6.
13 Cf. ROGUET, A.-M. Notas de rodapé. In: Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2006, v.IX, p.90.
14 Catecismo da Igreja Católica, n.1670.
15 Cf. MARTIN, op. cit., p.1650.
16 Cf. Mediator Dei, n.24.
17 Idem, n.28.
18 Idem, ibidem.
19 SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., III, q.48, a.2, ad.1.
20 BOVER, José María. Teología de San Pablo. 4.ed. Madrid: BAC, 1961, p.484.
21 Mystici corporis, n.91.
22 Cf. VAGAGGINI, OSBCamp., op.cit., p.98.
23 Sacrosanctum concilium, n.26.
24 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. A oração, o grande meio da salvação. 4.ed. Aparecida: Santuário, 1992, p.62.
25 Catecismo da Igreja Católica, n.1667.

(Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2010, n. 104, p. 18 à 23)

 
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