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Uma imagem vale mais do que mil palavras?
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 24/04/2014
 
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Redação (Quinta-feira, 24-04-2014, Gaudium Press) Conscienciosamente nos perguntamos, uma imagem vale mais do que mil palavras? E a resposta, depois de algumas disquisições é: Depende.imagem_mil_palavras_1.jpg

Por exemplo, se pensamos em instrução ou educação, temos que dizer que somente a percepção de uma imagem por si mesma não educa, mas sim a interação entre imagens, reflexão e “produção” de palavras (sinônimo de produção de pensamento). Consideremos, por exemplo, a história de certo turismo simpático mas superficial, que ainda que assista as maiores maravilhas permite que elas passem por sua mente como passa um jato de água sobre um limpo mármore: pouco ou nada fica como resquício.

– Viajou para a França e foi à Versalhes?, perguntamos a certa classe de turista.
-Sim
– E o que nos conta do Palácio?
– Que é muito lindo, muito lindo…
– E que mais?
– Não, muito bonito, super bonito…
– Que impressão lhe causou o Salão dos Espelhos?
– Impactante, comovedora.
– E a estátua equestre do Rei Sol?
– Olha, nem lhe digo. Quem ver as fotos?…

O caso contrário se dá quando lemos com reflexão e deleite a descrição de um ambiente ou de um personagem em um clássico da literatura. Enquanto, não temos a mão nenhum retrato, mas a medida que as palavras vão se sucedendo, a memória ilustrativa do leitor vai recolhendo de sua bagagem as imagens que constroem -de forma personalíssima- a fisionomia ou a cena descrita. Este perfil que vamos elaborando, além de físico pode ser moral, espiritual.

Sigamos com atenção por exemplo, a seguinte descrição de Chejov em “Cirugia”, realizada em poucas linhas e com poucos termos:

“…Na consulta entra Vonmiglasov, o sacristão, velho, alto e robusto, de sotana cor marrom e largo cinturão de couro. Em seu olho direito, meio entornado, tem uma catarata, e no nariz, uma verruga que, desde longe, parece uma mosca. Pelo espaço de um segundo o sacristão busca com os olhos a imagem, e, ao não encontrá-la, se benze diante de uma garrafa de água alvejante…”

Bem, é certo que se estivéssemos diante de um quadro ou fotografia do ajudante de templo Vonmiglasov, muito mais poderíamos dizer de seus traços físicos, e talvez morais. Muito mais, ou talvez muito menos… Depende da observação que realizemos, da concentração que ponhamos na observação e da definição dessa observação em… palavras. Sim, mais uma vez as benditas palavras.

A palavra, por ser abstrata, tem uma maior amplitude que uma imagem, é mais universal, e com isso permite alcançar cumes mais altos, dependendo do acúmulo de experiências e observações armazenadas por quem usa a palavra. É claro desta maneira, que na base das palavras seguem estando de algum modo as imagens que lhes deram vida. E também é certo que o que chamaríamos as ‘palavras de abstração de primeiro nível’ -aquelas que conceitualizam diretamente seres tangíveis- tem uma maior força representativa, pelo menos para nossa sensibilidade.

Portanto um bom poema -sim, de palavras- pode permitir prazeres muito mais elevados que a mera contemplação de uma imagem sem muita reflexão, pois no uso das palavras estamos empregando a parte superior do espírito, enquanto que no olhar está empenhada a mera sensibilidade.

Por exemplo, deleitemo-nos com o que faz Quevedo -sim, com palavras- na descrição de um nariz e pensemos mais uma vez se realmente uma imagem vale mais que mil palavras.

Era um homem a um nariz pegado,
Era um nariz superlativo,
Era um nariz carrasco e escriba,
Era um peixe espada muito barbado.

Era um relógio de sol mal encarado,
Era um alambique pensativo,
Era um elefante de boca para cima,
era Ovidio Nasón mais narigudo.

Era um esporão de uma galera,
Era uma pirâmide do Egito,
as doze tribos de narizes era.

Era um narizíssimo infinito,
muitíssimo nariz, nariz tão fera
que na cara de Anás fora delito.

Então o que sugerimos é sair da dicotomia ‘imagens ou palavras’. Pensamos que o que pode ocorrer no fundo daqueles que se encontram ancorados nessa disjuntiva, é que para uma civilização acostumada a passividade do espírito, pelo indigesto e contínuo bombardeio de imagens, o manejo da palavra é mais difícil.cyrano.jpg

Olhemos. Para gozar melhor do soneto acima, é preciso saber o que é um escriba (intérprete ou doutor da lei), que Publio Ovidio Nasón era um poeta romano, o que é um esporão (prolongação da proa de uma nau de guerra por debaixo do nível de flutuação) e que, o de infame memória, Anás era o presidente do Sinédrio na época de Jesus.

Mas para uma civilização preguiçosa formada no culto animal da imagem, recorrer ao dicionário é quase uma espécie de tortura; investigar um assunto é como obrigar a alguém a subir o Everest; e a observação detalhada que conduz a conceitualização é como passar fome por vários dias. Desta maneira as pessoas da civilização da mera imagem se privam dos altos prazeres que dá a cultura. Seus prazeres são meramente sensíveis, e com isso pouco espirituais, e são efêmeros, duram o que dura a sensação.

Entretanto, é o emprego da palavra -melhor dizer do pensamento- apoiado nas imagens e nas vivências sensíveis, o que constitui o uso completo das capacidades naturais do ser humano. E o homem é feliz quando é feliz em sua realização em tudo não em uma pequena parte. Por isso o que vale são mil palavras, e mil imagens, e mil palavras que expressam mil imagens, e mil imagens que florescem em palavras.

Por Saúl Castiblanco

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

 
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