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Contos Infantis


A recompensa do anacoreta
 
AUTOR: IR. ANTONELLA OCHIPINTI GONZÁLEZ, EP
 
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Como era possível, perguntava-se o ermitão, que quem abandonou o mundo para dedicar-se à penitência e à oração merecesse o mesmo prêmio de quem sempre viveu no luxo da corte...

Em meados do mês de março, a primavera anunciava sua chegada, revestindo de cores a bela natureza da Europa Central. Iniciava-se também a temporada de torneios e os mais esforçados cavaleiros já se preparavam para as competições.
Entre o povo não se falava de outra coisa:

– Quais serão os participantes deste ano?

– Quem sairá vencedor?

– Acho que, desta vez, o próprio príncipe tomará parte nas contendas!

Começaram os torneios! Cada dia os ginetes davam um novo espetáculo de força e destreza. Dois deles, em particular, eram o alvo de todas as atenções: o jovem conde Carlos, companheiro de armas do príncipe, com apenas 17 anos, e um rico fidalgo, também jovem, herdeiro do ducado da Bretanha. Antes daquela temporada eles não se conheciam. Bastaram poucos dias, contudo, para se entreolharem altaneiros, rivalizando-se em vaidade, inveja e desejo de honras.

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Quando se aproximavam os jogos finais, Carlos recebeu uma terrível notícia…

Quando se aproximavam os jogos finais, nos quais se enfrentariam os vencedores de muitas lutas, Carlos recebeu uma terrível notícia: o príncipe, que também participava dos jogos, morrera repentinamente, em consequência da queda do cavalo ocorrida num dos embates.

– Como esta vida é passageira! – suspirou Carlos – Eu poderia ter morrido no lugar dele! Tudo acaba quando menos se espera: os tesouros, os trajes, as honras e até mesmo o corpo, do qual tanto nos orgulhamos e ao qual proporcionamos tantos cuidados! No fim, só perduram nossas obras, sejam boas ou más…

Ideias sérias e profundas como estas giravam em sua cabeça. Era Deus quem as incutia, valendo-Se do triste acontecimento para enviar-lhe graças de conversão… Continuou participando nas competições, mas era patente que seus pensamentos estavam em outro lugar. Nas vésperas do último combate, no qual se conheceria o vencedor final, Carlos decidiu retirar-se para dar um novo rumo à sua existência: seria anacoreta!

– Que aconteceu com ele? – perguntavam-se todos, estupefatos.

A Providência o convidava a fazer penitência por seus pecados e a renunciar aos prazeres fúteis do mundo, trocando-os por uma vida de recolhimento e oração, semelhante à dos antigos eremitas do deserto.

Setenta anos viveu solitário no bosque, ­alimentando-se apenas de frutos e sementes. Em atenção às suas fervorosas preces, um dia, quando já estava ancião e próximo de abandonar esta vida terrena, Jesus lhe apareceu e ele perguntou:
– Qual será a minha recompensa no Céu?

Nosso Senhor fixou o anacoreta com o olhar e o transportou misticamente a um riquíssimo palácio, onde um nobre varão, sentado num troneto e ancião como ele, contemplava o firmamento através de uma grande janela, pensativo.

– Tua recompensa será igual à deste fidalgo – disse-lhe Jesus.

A princípio Carlos pensou não ter entendido bem a resposta. Aquele homem era o rico herdeiro bretão que, havia setenta anos, competira em fama com ele durante os torneios da primavera! Como era possível que a recompensa de quem vivia rodeado de luxo e prestígio fosse igual à de quem abandonara família, fortuna e palácio, para passar toda a vida dedicando-se à penitência e à oração?

Perplexo, ousou perguntar de novo:

– Então, Senhor, de que adiantaram tantos anos de privações e sofrimento?

– Carlos – respondeu-lhe ­Jesus – não te deixes levar pelas aparências. Quando te retiraste dos torneios, este homem também caiu em si e arrependeu-se de sua soberba, mas não sentiu, como tu, vocação para se retirar ao deserto. Fez uma boa Confissão geral e passou a levar, a partir de então, uma vida virtuosa e desapegada. Boa parte de suas riquezas foram usadas em obras de caridade, na construção de capelas ou para ajudar sacerdotes necessitados. Nunca deixou de rezar e frequentar com fervor os Sacramentos, e assim deu muita glória ao meu Pai que está nos Céus.

– É justo que ele seja premiado – disse o ermitão. No entanto, a ­recompensa não deveria ser maior para quem abandonou tudo por vossa causa?

– Não é pelo valor dos bens renunciados que se mede o apego. Uma dama, por exemplo, pode usar muitas joias com total desprendimento, sem em nada macular sua alma, e um anacoreta pode viver tremendamente preocupado com sua humilde bilha de barro…

Carlos arregalou os olhos de susto! Com efeito, quantas vezes ele não interrompera a oração para ver se sua bilha estava bem segura, sem risco de cair no chão! Com quanto cuidado a limpava para que estivesse sempre lustrosa e livre do menor sinal de bolor… Chegava a acordar à noite, aflito, com a possibilidade de que um animal a derrubasse e ele ficasse sem a água fresca que tanto prazer lhe proporcionava em sua vida ascética…

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“É justo que ele seja premiado. No entanto, a recompensa não deveria ser maior
para quem abandonou tudo por vossa causa?”

– Não o percebeste, Carlos – continuou Jesus – mas o demônio conseguiu usar de tua bilha para desviar-te do caminho da perfeição. E, por isso, teu mérito não é maior do que o de quem soube usar dos bens terrenos com sabedoria.

Duas grossas lágrimas rolaram na face sulcada de rugas do pobre asceta.

– Valeram-te, porém, as abundantes orações que fizeste à minha Mãe. Pelos méritos d’Ela salvarás tua alma.

Carlos sentiu como se densas escamas lhe caíssem dos olhos. Arrependido, caiu de joelhos e recorreu, mais uma vez, ao maternal auxílio de Nossa Senhora. Doía-lhe o fato de ter dado lugar ao apego por aquele objeto em seu coração, que deveria estar todo voltado para as coisas do alto, e pedia a Ela, como bondosíssima Mãe, que encontrasse alguma forma de suprir o amor que negara a seu Divino Filho…

Agradadíssimo com esta perfeita contrição, Jesus perdoou inteiramente as faltas do anacoreta e ainda aumentou-lhe os méritos, em atenção aos rogos de sua Santíssima Intercessora. Assim, fechando os olhos para esta vida, o velho Carlos, afinal desapegado deste mundo, entrou jubiloso na glória dos Céus! (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2015, n. 167, p. 48-49)

 
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