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Contos Infantis


Discreto e eficaz amparo
 
AUTOR: IR. LETÍCIA GONÇALVES DE SOUSA, EP
 
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Sentindo-se ferido, Gabriel julgou ter chegado ao fim. Sua vida passou-lhe num instante ante os olhos. O que mais o afligia era ter mostrado tanto desprezo por São José...

A Primeira Guerra Mundial surpreendeu o orbe por sua violência, em virtude das máquinas que o avanço tecnológico da época conseguira desenvolver. Entre elas destacavam-se os aviões, semeadores de morte, cujos terríveis ataques inundavam de soldados gravemente feridos a emergência do hospital de campanha.

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Passamos a manhã muito animados fazendo
andar o trenzinho para cá e para lá

Depois de um dos bombardeios, ali chegara de forma misteriosa um moço. Ninguém sabia quem o trouxera e ele não parava de balbuciar:

– Deus lhe pague! Deus lhe pague! E, por favor, perdoe a minha ingratidão…

Confuso, o médico de plantão, Dr. Teobaldo, indagou-lhe:

– Rapaz, como chegaste aqui? Tu és o único do décimo batalhão que sobreviveu ao ataque aéreo! Nenhum dos teus companheiros conseguiu fugir da chuva de bombas inimigas.

Fez-se um momento de silêncio. O jovem ­militar começou a chorar e, soluçando, narrou sua história…

Ainda na infância, certo dia visitei um amigo, de uma família muito abastada. Tive grande contentamento por ver que ele ganhara um maravilhoso trenzinho de brinquedo. Passamos a manhã inteira muito animados, fazendo-o andar para cá e para lá. Brincamos, brincamos, brincamos!

Dona Josefina, a mãe deste amigo, nos contemplava comprazida. Mais tarde, vendo que minha alegria era contagiosa, decidiu dar-me um presente:

– Gabrielzinho, quando você brinca com meu filho, ele fica tão contente que nem sei como lhe agradecer. O que deseja que eu lhe dê como lembrança?

Gritei logo:

– Eu quero um trenzinho assim!

Aquela senhora tinha muito respeito por minha mãe e explicou-me:

– Decerto o terá. Ontem mesmo estive na loja de brinquedos e há mais um disponível. Contudo, é necessário que antes você peça autorização para sua mãe. Não quero dar-lhe nada sem que ela o aprove.

Nem posso descrever a euforia com que voltei para casa. Entre pulos, gritos e exclamações, a abracei, dizendo:

– Mãezinha, vou ganhar um extraordinário trenzinho!…

Ela, muito assustada, perguntou-me o motivo do inusitado entusiasmo. Então contei-lhe todo o assunto, em frases desconexas, e impacientemente pedi que falasse o quanto antes com dona Josefina. Ela, porém, mantinha-se em silêncio e, diante de minha insistência, aconselhou-me:

– Meu filho, creio que a melhor escolha seria uma imagem de São José, a fim de tomá-lo como teu padroeiro e protetor. Dona Josefina possui algumas lindíssimas em sua casa e tenho certeza de que, se pedires, ela vai escolher para dar-te uma das mais belas e valiosas.

Decepcionado, retruquei:

– Mas, mamãe, eu quero um trenzinho igual ao do meu amigo!

Em vão ela tentou mudar meus conceitos… Indignado, fui outra vez à casa de meu companheiro:

– Dona Josefina, minha mãe gostaria de ter uma imagem de São José. Entretanto… eu, não!!! Prefiro um trenzinho!!…

Sem mais palavras, tornei a divertir-me com o brinquedo e passei a tarde inteira entretido com ele, junto a meu amigo. Na hora de ir embora, dona Josefina entregou-me um enorme embrulho e recomendou-me:

– Leva São José com cuidado e manda meus cumprimentos à tua piedosa mãe.

Amargurado, despedi-me dela e do filho, e fui embora. Chegando a casa, mamãe aguardava-me, como de costume. Atirei o pacote em ­suas mãos, sem cerimônia, e lhe disse:

– Aí tens o teu José!

– Filhinho, vamos abrir a caixa e rezar juntos ao pai adotivo do Menino Deus.

– Se queres, reza tu! – respondi-lhe, ressentido.

Para mim tornou-se difícil até mesmo fitar a imagem. Não podia fazer as pazes com São José, pois por causa dele havia ficado sem o tão desejado trenzinho. Esta situação perdurou para além da adolescência.

Cresci com esta aversão e, ao atingir a idade, fui chamado a servir ao exército. Cheio de grandes ideais, iniciava a carreira militar. Com o estouro da guerra, todavia, tudo ficou mais árduo. Inúmeros soldados foram enviados para o front, e entre eles estava eu.

Despedi-me de meus pais, que choravam copiosamente. Minha mãe, já idosa, levou-me diante de São José, prometendo que rezaria por mim ali todos os dias e manteria sempre um lírio fresco junto à imagem, como sinal de sua confiança e devoção ao insigne protetor.

Parti com ufania. No entanto, as coisas eram bem diferentes do que eu imaginava… A cada batalha sentia-me prestes a deixar este mundo. Meus companheiros caíam, um após o outro, feridos de morte. E, hoje, em meio ao bombardeio, ouvi um estrepitoso estouro:

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“Estando ainda meio inconsciente, senti um
agradável perfume de lírio e escutei uma voz”

– Brruumm!!!

Uma dor intensa me apertou o peito e julguei ter chegado ao fim. Toda a minha vida passou num instante ante meus olhos. E o que mais me afligia era ter mostrado tanto desprezo por São José, ao longo dos anos…

Arrependido, pedi-lhe perdão e desmaiei. Pouco tempo depois comecei a acordar e, estando ainda meio inconsciente, senti um agradável perfume de lírio e escutei uma voz firme que me dizia:

– Gabriel, depressa, saiamos daqui!

Abri os olhos e vi um varão forte que, com gesto cordial, me estendia a mão. Tomei-a sem opor resistência e juntos chegamos, nem sei como, até a porta do hospital. Já um pouco mais acordado, perguntei-lhe:

– Como sabes o meu nome? Por que te arriscaste por mim desta forma? Como te chamas?

– Chamo-me José e sou o teu padroeiro! – respondeu-me – Desde pequeno te conheço e, embora tu não me queiras bem, é-me impossível deixar de atender os rogos perseverantes de tua mãe. Dito isto, desapareceu.

Dando um suspiro profundo, continuou o soldado ferido:

– Os enfermeiros, então, me encontraram e aqui estou. Dr. Teobaldo, vejo nisto um sinal dos Céus. Há muito sentia um forte desejo de tornar-me sacerdote, mas lutava contra esta ideia. A vida militar parecia-me mais agradável e prestigiosa. Agora, desejo com toda minha alma abraçar a via sacerdotal.

Gabriel recuperou-se logo de seus ferimentos. Terminada a guerra, foi ordenado e converteu-se num fervoroso propagador da devoção a São José. Sempre o mencionava em seus sermões e não perdia ocasião de lembrar quão discreta e eficazmente o Santo Patriarca ampara a todos os que a ele recorrem, como protegia, na Terra, a Sagrada Família de Nazaré. (Revista Arautos do Evangelho, Março/2016, n. 171, p. 46-47)

 
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