A guerra terminara havia alguns anos, mas tudo ainda era desolação! Casas e igrejas, que ninguém resolvera reconstruir, encontravam-se reduzidas a ruínas, quer por falta de recursos, quer por falta de piedade.
Nos arredores da cidade, dois homens trabalhavam no campo. O Sol da tarde os abrasava e, em meio às fadigas da labuta, um deles, Everaldo, desabafa:
“Veja só o que achei! Com este ouro e estas pedras, logo sairemos da pobreza…” |
– Uf! Desde que acabou a guerra é sempre a mesma coisa: colher espigas de trigo e jogá-las na carreta; cortar uvas e colocá-las no cesto, com cuidado! Não aguento mais! Se ao menos nos pagassem melhor…
O outro, Tiago, com o rosto banhado pelo suor, apenas suspira, pois o cansaço não lhe permite sequer balbuciar palavras.
Continuaram seu labor e, de repente, uma das foices bate em algo, ecoando sonoramente:
– Cling!!…
– Que foi isso?! – pergunta Tiago, levantando a cabeça.
– Bah! Acaso pensas que poderia haver algo interessante por aqui? Deixa para lá…
Tiago, no entanto, ficou com aquele “Cling!” rodando na cabeça e pensava consigo, deleitando-se: “Era barulho de metal. Não será algo valioso? Quiçá… feito em ouro?! Se eu o encontrasse poderia vendê-lo… E me tornaria rico!”.
Ao cair da tarde, ele e os companheiros apresentaram-se ao patrão para receber o salário da jornada e se dispersaram. Quando já estavam longe, Tiago, dissimulando, voltou ao local onde ouvira o ruído. Com a foice na mão tentava achá-lo de novo, mas em vão. Passava o tempo e nada! Até que, afinal, um golpe duro e seco fez soar outra vez:
– Cling!!…
Cavando com as próprias mãos, desenterrou um objeto metálico, ocultou-o apressadamente num trapo sujo e saiu correndo para casa.
Já era plena noite quando chegou. Aproveitando que a esposa e o filho dormiam, estendeu o pano sobre a mesa e, tremendo, desembrulhou o misterioso objeto: uma cruz!
– Que decepção! – disse baixinho – Tanto trabalho para isto…
Não obstante, ao retirar a terra incrustada, seus olhos não podiam acreditar no que viam. Era um relicário de ouro, ornado de prata, pedras preciosas e pérolas. E tinha no seu interior algo muito mais valioso do que todas estas joias: um fragmento do Santo Lenho, a própria Cruz de Jesus!
O pobre Tiago, porém, estava cego de espírito! A avareza e o egoísmo lhe fecharam o coração para as coisas de Deus, a ponto de não se dar conta do enorme tesouro que levava nas mãos!
– Ah! Veja só o que achei! – exclamou contente – Com este ouro e estas pedras, logo sairemos da pobreza!
Envolveu o relicário no pano, escondeu-o na lareira e foi deitar-se risonho, desfrutando antecipadamente da tão desejada fortuna.
Sem embargo, antes do amanhecer…
– Tiago, Tiago! Fernando desapareceu! – chorava Elvira desesperada, enquanto sacudia seu esposo para despertá-lo.
– Não brinque… Deixe-me descansar! Ontem foi um dia muito duro!
– Não! Já procurei pela casa inteira, nosso filho desapareceu!
Tiago levantou-se e, antes de sair, teve um pressentimento. Aproximou-se da lareira, deslizou a mão pelo esconderijo e… estava vazio!
– Onde está a Cruz?! – sussurrou entre dentes.
– Cruz? Tu, procurando uma cruz? – replicou a esposa, surpreendida.
Nisso, o pequeno Fernando entra inesperadamente. Tinha-se despertado no meio da noite, e estava tão lindo e luminoso o luar que decidira sair para passear um pouco. Atraído por um suave resplendor, adentrou-se no bosque e achou a bela Cruz dourada que, radiante de felicidade, mostrava a seus progenitores.
Tiago não se impressionou com o cândido relato da criança. Com um gesto violento, arrancou-lhe a Cruz das mãos, enquanto vociferava:
– Isto aqui é de seu pai! E você fica proibido de comentar o acontecido! Nem com a prima Marta, está ouvindo?
Elvira e o menino não ousaram retrucar… Mas a notícia do que sucedera espalhou-se pelos arredores sem ninguém saber como. Em pouco tempo começaram a acorrer ao local camponeses, desejando ver o Santo Lenho que Tiago já não mais conseguia ocultar.
A notícia chegou ao mosteiro. O abade, assim que soube do fato, também se dirigiu à casa de Tiago. Ao chegar, tomou a Cruz com adoração e reverência, osculou-a, mostrou-a aos presentes, silenciosos e recolhidos, e com ela os abençoou.
– Esta relíquia do Santo Lenho – disse com emoção – é o mais valioso tesouro do nosso mosteiro! Durante a guerra a emprestamos aos soldados do conde, para que a levassem à frente do batalhão na última batalha, que foi a decisiva: com ela terminou o conflito. Todavia, a relíquia se perdera na mêlée da luta e, por mais que a procurássemos, nunca mais conseguimos achá-la!
O Santo Lenho foi conduzido em procissão pelo Abade, à igreja do mosteiro |
Tiago assistia à cena dando mostras de cólera e revolta, a princípio. Entretanto, seu semblante foi mudando aos poucos e, para espanto de todos, caiu de joelhos reconhecendo sua falta, entre lágrimas copiosas.
O Santo Lenho foi conduzido em procissão à igreja do mosteiro e posto em seu nicho, aos pés de Nosso Senhor Morto. A cada semana o número de fiéis que afluíam para adorar a Santa Cruz aumentava. E, a partir daquele momento, os habitantes da região foram se tornando mais fervorosos.
O ambiente no campo agora mudara radicalmente. A pouca distância da abadia, Everaldo e Tiago continuavam o duro trabalho, contudo sua conversa passou a ser bem diferente:
– Pensa que cada espiga colhida e cada cacho de uva cortado é nossa oferenda para Deus! – dizia Everaldo – Com eles se fazem as hóstias e o vinho usado na Missa, pelos monges!
– É uma honra para nós! E como nossa tarefa se torna mais leve quando pensamos nisto! – era a resposta de Tiago.
O pai de Fernando não era mais a mesma pessoa. Jamais faltava à Missa aos domingos, confessava-se com frequência e, ao terminar sua jornada, por muito cansado que estivesse, nunca deixava de rezar brevemente diante da relíquia do Santo Lenho. Graças a ela havia aprendido a enfrentar com alegria e generosidade as dificuldades cotidianas, seguindo as pegadas de quem, carregando a Cruz a caminho do Calvário, tudo oferecera para a nossa salvação. (Revista Arautos do Evangelho, Fevereiro/2016, n. 170, p. 46-47).