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História da Igreja


“É proibido proibir”
 
AUTOR: PE. FERNANDO NÉSTOR GIOIA OTERO, EP
 
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Na Revolução da Sorbonne, de maio de 1968 em Paris, nascia a “civilização dos instintos”, se fosse possível qualificá-la de civilização…

Pe. Fernando Néstor Gioia Otero, EP

Um marco na crise moral do homem moderno foi a denominada Revolução da Sorbonne, a qual, com seus lemas de radicalidade única, propugnava uma profunda mudança na sociedade, atuando sobretudo nas tendências do ser humano. Promiscuidade desenfreada, desordem, explosões de violência anunciavam o nascimento de uma nova era histórica, em que os instintos seriam liberados após séculos de “escravidão”. Depois do endeusamento da razão na Revolução Francesa, em 1789, se tratava agora de colocar “a imaginação no poder”, conforme anunciava outro slogan estudantil.

“Slogans” impregnados do espírito sintético francês

Seu instrumento de propaganda foram os graffiti nas paredes das universidades ocupadas, que estampavam slogans impregnados do espírito sintético francês. Externavam eles a meta última do movimento que iniciara reivindicando melhorias nas universidades.

Seu mais famoso slogan foi “É proibido proibir”. Ele transmitia a ideia de que todas as proibições estavam proibidas, ao que se acrescentava com ironia: “A liberdade começa com uma proibição”. Esta contraditória frase pregava uma proibição para se tornar possível a mais completa libertinagem. Era “proibido proibir” toda forma de capricho a ser satisfeito, toda forma de pecado, toda liberação dos instintos desordenados. Seu objetivo, subjacente na própria frase, era proibir a prática da virtude, numa atitude de inteira intolerância em relação ao bem.

Um policial da tropa de choque enfrenta os manifestantes no Boulevard Saint-Germain.jpg
Segundo alguns espíritos otimistas, as ideias de Maio de 68 não atingiriam os objetivos
expressos nos “slogans”

Um policial da tropa de choque enfrenta os manifestantes no Boulevard Saint-Germain

Ficaram muito conhecidos slogans como: “Se Deus existisse, seria preciso matá-lo”, “Nem Deus nem mestre”, “O sagrado, eis o inimigo”…

Uma revolução cultural bem-sucedida

Surgia um novo tipo humano, uma nova mentalidade, enfim, um novo mundo. Uma revolução cultural bem-sucedida, com surpreendente radicalidade, penetração e capacidade de contágio, atuaria nas tendências do homem hodierno, chegando aos extremos que hoje presenciamos. Uma transformação da sociedade, expulsando Deus do meio dos homens. Triunfava a anarquia. Despontava um mundo no qual cada um pode fazer o que quiser, exceto o bem… Nascia uma era histórica nova que poderíamos chamar de “civilização dos instintos”, se fosse possível dar-lhe o nome de civilização.

Segundo alguns espíritos otimistas, as ideias de maio de 1968 não atingiriam os objetivos expressos nos slogans grafados nas paredes das universidades de Paris, devido à sua radicalidade. Enganaram-se. A ação de contágio exercida por essa revolução mudou de fato o mundo. Conforme alertava o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no ensaio Revolução e Contra-Revolução, “a explosão desses extremismos levanta um estandarte, cria um ponto de mira ­fixo que fascina pelo seu próprio radicalismo os moderados, e para o qual estes se vão lentamente encaminhando”.1

Os protagonistas eram jovens ainda relativamente bem trajados e de cabelos curtos. Nesses tempos a droga não estava difundida, uma minoria usava blue jeans e tênis pelas ruas, as bermudas nem haviam se generalizado. Entretanto, eles provocaram profundas transformações que penetraram em todas as capilaridades da vida social, como um mar que se faz pequeno ao chegar à praia, mas tem atrás de si a enorme força do oceano.

Surgem, então, na sociedade novos tipos humanos, como “símbolos-modelo” dos homens daquela década: desmazelados, cabelos compridos desgrenhados, roupas deterioradas, higiene duvidosa. Prenunciavam ainda grandes alterações que não tardariam a chegar.

Foram mudanças no modo de sentir, de agir, de viver, provocando uma profunda metamorfose social e cultural. Surge o modelo hippie, segundo o qual toda regra moral passou a ser contestada. Músicas, vestimentas e gestos de acordo com o novo modelo se apresentaram como uma pseudoliturgia laica, com severas sanções aos discordantes.

Herbert Marcuse, considerado o ideólogo dessa metamorfose, deixa correr seu pensamento em sua “nova dimensão revolucionária”, propondo uma mudança total. Afirma com naturalidade ser necessária a desintegração do sistema de vida dos homens: “Pode-se sem dúvida falar de uma revolução cultural, pois o protesto se volta contra todo o establishment cultural, incluindo a moral da sociedade existente”.2

Embate entre o sagrado e o não sagrado

Essa transformação do modo cotidiano de sentir e de viver vem se desenvolvendo com maior intensidade nos últimos anos, modificando os hábitos do Ocidente. É a “libertação dos instintos”, é o relativismo moderno que nega a existência do bem e do mal, da verdade e do erro, do belo e do feio.

Este fenômeno penetrou em vastos setores da sociedade, dessorando a instituição da família. As modas deslocam-se rapidamente da extravagância para o ­nudismo. Vão desaparecendo a cortesia, as boas maneiras, o respeito no relacionamento humano. As novas gerações se deparam com mundo anárquico, caótico e agressivo, onde o vulgar toma o lugar do cerimonioso. A educação parece ter por único fim difundir o espírito de “liberdade” apregoada pelos slogans da Sorbonne.

O surgimento dos meios eletrônicos de comunicação agrava ainda mais a situação. A enxurrada de novidades, impressões e sensações convidam muitas vezes ao desaparecimento do raciocínio. Aos responsáveis pelas comunicações sociais, afirmou João Paulo II: “As modernas tecnologias aumentam de maneira impressionante a velocidade, a quantidade e o alcance da comunicação, mas não favorecem de igual modo aquele intercâmbio frágil ­entre uma mente e outra, entre um coração e outro, que deve caracterizar qualquer forma de comunicação ao serviço da solidariedade e do amor”.3

Alvo de tantas solicitações, precisam os homens escolher entre caminhar rumo ao sagrado ou deixar-se atropelar pelo secularismo reinante. Em outros tempos – dizia Bento XVI -, tal situação seria impensável, “porque ainda estava presente o respeito pelo homem enquanto feito a imagem e semelhança de Deus; ora, sem esse respeito, o homem se considera a si mesmo absoluto e tudo lhe será permitido: torna-se assim realmente destruidor”.4

Neste embate entre o sagrado e o não sagrado, entre a luz e as trevas se encontra o mundo em nossos tristes dias. O que prevalecerá? (Revista Arautos do Evangelho, Setembro/2016, n. 177, pp. 22-23)

1 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. 5.ed. São Paulo: Retornarei, 2002, p.47-48.
2 MARCUSE, Herbert. La rebelión de París. In: La sociedad carnívora. Buenos Aires: Galerna, 1969, p.67.
3 SÃO JOÃO PAULO II. Carta Apostólica O rápido desenvolvimento, n.13.
4 BENTO XVI. Luce del mondo. Il Papa, la Chiesa e i segni dei tempi. Città del Vaticano: LEV, 2010, p.84.

 
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