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História da Igreja


Um cântico que convida à conversão
 
AUTOR: IR. JULIANE VASCONCELOS ALMEIDA CAMPOS, EP
 
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Era tal o efeito que produzia nas almas que o Papa proibira sua transcrição e execução fora do Vaticano. Contudo, no século XVIII a melodia começou a circular pela Europa. Fora roubado o famoso “Miserere” de Allegri?

   Impulsivo, afoito e, hélas, quantas vezes um tanto irrefletido, São Pedro pergunta a Jesus, tão logo ouvira de seus lábios a parábola do Bom Pastor: “Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18, 21). E quiçá tenha ficado desconcertado com a resposta: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18, 22)…

   Queria o Divino Mestre ensinar com este preceito não haver limites para “salvar o que estava perdido” (Mt 18, 11) e demonstrar a bondade infinita de seu Sagrado Coração, desejoso de atrair a Si aqueles que caíram sob o peso de suas misérias, como diria explicitamente séculos mais tarde: “Sim, desejo perdoar e quero que minhas almas escolhidas deem a conhecer ao mundo como espero, cheio de amor e de misericórdia, os pecadores”.1

Mozart em Verona, aos 14 anos de idade,
por Saverio Dalla Rosa – Coleção privada

Quem não necessita de arrependimento e perdão?

   Não muito tempo depois seria o Príncipe dos Apóstolos objeto da misericórdia divina quando, já iniciada a Paixão do Salvador, O negou por três vezes, conforme estava predito. Pouco tardou e “o Senhor olhou para Pedro” (Lc 22, 61). Tão fundo lhe calou na alma este olhar cheio de perdão que, arrependido, “saiu dali e chorou amargamente” (Lc 22, 62)!

   Decerto terá entendido melhor o preceito dado por Jesus e as sábias palavras do Eclesiástico: “Perdoa ao teu próximo o mal que te fez, e teus pecados serão perdoados quando o pedires” (28, 2).

   Quem, trazendo na alma as sequelas do pecado original e de suas próprias misérias, não necessita delas arrepender-se e pedir perdão? Basta um sincero exame de consciência para dar-se conta de quão débil é a natureza humana e quanto se precisa do auxílio divino para um firme propósito de emenda e uma real conversão.

Paradigma da contrição perfeita

   Exemplo paradigmático da alma contrita e penitente é Davi, quem, ao ser admoestado pelo profeta Natã, prontamente admite sua falta: “Pequei contra o Senhor” (II Sm 12, 13a). Primeiro passo para receber o perdão, o reconhecer a maldade do próprio pecado como que “derrete” o coração de Deus! Por isso, Natã lhe transmite de imediato a decisão divina: “O Senhor perdoa o teu pecado” (II Sm 12, 13b).

   Consciente, todavia, do mal que fizera, o Rei-Profeta vai compor o admirável cântico que a Igreja denomina Salmos Penitenciais. Neles, a contrição perfeita de sua alma se manifesta na intensidade com que reconhece a maldade de seu pecado e sua ofensa à majestade divina.

   Para mostrar tão profundo sentimento, comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Davi “realça a divindade de Deus e, portanto, sua suprema grandeza, sua suprema dignidade, sublinhando ainda mais a torpeza da ação que cometeu e não deveria ter cometido. Daí nasce um pedido de perdão com expressão de dor, com consideração da justiça divina, acentuando como seria Deus justo se punisse o pecado de acordo com sua gravidade.

   “Mas, em segundo lugar, o pecador considera também a bondade de Deus, suprema e infínata, e, ainda que transido de santo temor diante da sua justiça, pede a Ele que atenue o castigo, que aplaque em algo o rigor da pena que merece receber. Vem então um agradecimento, pois o pecador reconhece que Deus o perdoou e restabeleceu com ele – punindo ou não – a amizade de outrora”.2

Fora roubado o “Miserere”?

   Dentre os Salmos Penitenciais, o mais “próprio a regenerar almas maculadas pelo pecado”3 é o chamado Miserere: “Miserere mei, Deus, secun- dum magnam misericordiam tuam, et secundum multitudinem miserationum tuarum, dele iniquitatem meam – Tende piedade de mim, Senhor, segundo a vossa bondade. E conforme a imensidade de vossa misericórdia, apagai a minha iniquidade” (Sl 50, 3).

   No século XVII deu-se um fato memorável envolvendo este Salmo que, com o passar do tempo, foi sendo incluído na Liturgia da Igreja.

gravura do século XVIII representando
ao Pe. Gregório Allegri

   O Papa Urbano VIII encomendara a Gregório Allegri, sacerdote que se dedicava à música sacra, aluno de Giovanni Maria Nanini, íntimo amigo de Palestrina e membro do coro da Capela Papal, uma melodia que acompanhasse as cerimônias da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo celebradas no Vaticano, na Quinta e Sexta-Feira Santas. Este compôs uma partitura em falso bordone, para dois coros: um de quatro vozes, que canta uma versão mais simples do tema original, e outro, de cinco vozes, que, situado a certa distância do primeiro, responde com uma versão mais elaborada do mesmo tema.

   A cerimônia litúrgica se realizava na Capela Sistina, à luz de velas que iam sendo apagadas no decorrer do ato e do canto. No fim restavam apenas treze, em representação de Jesus e dos doze Apóstolos, e ao serem também elas apagadas o recinto ficava na mais completa obscuridade.

   Era tal o efeito de compunção que produzia nas almas o ato litúrgico, que o Papa proibira a transcrição da partitura e sua execução fora do Vaticano, sob pena de excomunhão. Contudo, no século XVIII a melodia começou a circular pelo mundo anglo-saxão e pela Europa Central. Fora roubado o Miserere?

O “ladrão”: um menino prodígio!

   Não tardou muito para ser desvendado o mistério…

   Em 1770 a fama desta composição corria por toda a Europa, quando Wolfgang Amadeus Mozart, aos treze anos de idade, e seu pai, Leopold, visitavam a Itália, aperfeiçoando seus conhecimentos musicais com os mestres da época. Na Quinta-Feira Santa participaram eles da cerimônia litúrgica na Capela Sistina e, à noite, ao regressar à hospedagem o pequeno Mozart transcreveu completos os doze minutos da música polifônica.

   O menino prodígio voltou a ouvir o cântico do célebre Miserere no dia seguinte, na Liturgia da Sexta-Feira Santa, e aproveitou o ensejo para conferir sua partitura, à qual fez mínimas correções.

   Seu pai, exultante, escreveu à esposa que se encontrava em Salzburgo: “Ouviste falar do famoso Miserere em Roma, tão apreciado que até os intérpretes estão proibidos, sob pena de excomunhão, de levar ainda que seja uma parte dele, copiá-lo ou dar a alguém. Nós, porém, já o temos! Wolf- gang o transcreveu”.4

   A notícia se espalhou, como era de se esperar, e chegou aos ouvidos do Papa de então, Clemente XIV, quem, contra toda a expectativa e fazendo jus a seu nome, perdoou a transgressão. Ademais, impressionado pelos dons que a Divina Providência concedera ao jovem músico, nomeou-o Cavaleiro da Ordem de Cavalaria Pontifícia da Espora de Ouro, condecoração conferida a quem tivesse prestado um serviço pela propagação da Fé Católica ou concorrido para a glória da Igreja.

Triunfo da misericórdia e da bondade

   Mozart, com seu pequeno “delito”, havia feito render o talento com que Deus lhe beneficiara, contribuindo para afervorar os fiéis no amor pelo Divino Salvador que, com sua Morte na Cruz, comprou o per- dão divino a todos os seus filhos. 

   Assim age Deus com quem não deseja senão a glória de sua Igreja. Por isso, em sua infinita misericórdia, há cem anos mandou Ele sua própria Mãe, em Fátima, para advertir os homens de boa vontade das grandes iniquidades de nossos dias.

Aqueles que reconhecerem suas faltas e misérias, atendendo a seu apelo de conversão, receberão a graça de ter a alma compungida, merecendo o grande perdão da História, e participarão do cumprimento de suas promessas! Pois, “o Reino de Maria virá por um ato de clemência de Nossa Senhora, uma vez que a afirmação ‘meu Imaculado Coração triunfará’ significa dizer que a misericórdia e a bondade de Nossa Senhora triunfarão”.

1 MENÉNDEZ, RSCJ, Josefa. Un llamamiento al amor. 3.ed. Buenos Aires: Guadalupe, 1960, p.266.

2 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. “Tende piedade de mim, ó Deus…” In: Dr. Pli- nio. São Paulo. Ano VI. N.63 (Jun., 2003); p.7.

3 Idem, ibidem.

4 FERNÁNDEZ MAYORGA, Francisco Jesús. Mozart, la

Semana Santa y la primera descarga “ilegal”. In: Lignum Crucis. Almogía. N.11 (Qua- resma, 2011); p.26.

5 CLÁ DIAS, EP, João Scogna- miglio. Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará! São Paulo: Lumen Sapientiæ, 2017, p.120.

 
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