Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Tesouros da Igreja


O Cristo de Maio
 
AUTOR: TITO ALÁRCON
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
2
0
 
Tomado por zelo apostólico, com meios artísticos muito limitados, um zeloso frade agostiniano esculpiu uma das mais antigas imagens de Nosso Senhor veneradas no Chile.

Caminhando pelo centro de Santiago, lembrei-me dos elogios feitos por um amigo à igreja dos agostinianos, recentemente restaurada. Dirigi meus passos para esse histórico templo. Ao cruzar a soleira da porta, aguardava-me uma bela cena: em meio ao silencioso recolhimento dos paroquianos, a luminosa claridade matutina banhava as três naves de cores límpidas, ressaltando as linhas neoclássicas do altar-mor. Como sempre, os altares laterais recebiam o incessante afluxo de fiéis de todas as idades, que cultivavam arraigadas devoções: à Mãe do Bom Conselho, à Virgem do Carmo, a Santa Rita de Cássia, entre outras.

Há, porém, nessa igreja um recanto onde reina um recolhimento especial: o altar do Cristo de Maio. Era ele o verdadeiro objetivo de minha visita. Chamava- me fortemente a atenção ver sempre alguém rezando ajoelhado diante dele, ou algumCRISTO DE MAIO.JPG pai contando aos filhos sua história matizada de lenda.

Patrimônio da Igreja e do País

Antiga imagem que conserva os mistérios e as bênçãos de outros tempos, o Cristo de Maio não é obra de renomado artista nem se enquadra em alguma escola artística. Não olha para quem está de joelhos a seus pés, mas mostra-se absorto em um ponto elevado e indefinível, com vistas à eternidade. Por isto mesmo, parece alheio a tudo quanto o rodeia, solitário em sua contemplação.

Tive uma surpresa ao chegar diante dessa querida imagem colonial. Ela não tinha aquele brilho de peça restaurada que se notava no restante da igreja. Estava como anteriormente – há anos sou devoto dela – impregnada pelo tempo, dona de sua habitual expressão de tragédia e firmeza.

Intrigado, quis esclarecer o fato e me dirigi ao convento, onde encontrei Guilherme Carrasco, historiador que trabalhou na restauração do templo e fez pesquisas sobre o Cristo de Maio e a obra dos agostinianos no Chile. Deu-me ele pronta explicação: “O Cristo de Maio não foi restaurado, mas apenas submetido a um processo de conservação para manter-se tal como é conhecido por todos e, assim, não prejudicar a devoção que lhe têm os fiéis; é um patrimônio da Igreja e de nosso País”.

De fato, a história dessa imagem bem justifica a acertada atitude das autoridades.

O Cristo da Agonia

No ano de 1604 chegou a Santiago o jovem monge agostiniano Frei Pedro de Figueroa, nascido no Peru em 1580.

As crônicas destacam seu entusiasmo e constância no trabalho evangelizador por ele realizado na Capital chilena. No entanto, preocupava-o a escassez de imagens religiosas para incentivar a piedade dos fiéis. Em sua Lima natal, onde elas abundavam em beleza e variedade, havia ele observado o trabalho de seus irmãos de hábito que fizeram fama na arte da escultura. E embora não sendo escultor, começou ele a fazer pequenas imagens que foram distribuídas pelos corredores de seu convento e de outras casas religiosas de Santiago.

Esses primeiros passos o entusiasmaram e ele atreveu-se a – com auxílio de um carpinteiro para o trabalho mais rudimentar – talhar uma imagem de Jesus Cristo agonizante na Cruz. Ajudado mais pela graça que por seus dotes artísticos, concluiu a piedosa obra em fevereiro de 1613.

Os peritos não encaixam essa imagem em nenhuma escola artístico-escultural. Tem ela algo de espanhol e algo de mestiço, sem grande valor artístico. O trabalho do corpo não é requintado, e nem sequer as chagas estão esculpidas com esmero. Mas um ponto se destaca nela: a expressividade do rosto.

É um Crucificado de fisionomia séria, que olha com firmeza para um ponto indefinido, recordando a pungente exclamação: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mt 27,46). Terá Frei Pedro se inspirado nesse trecho das Escrituras? De forma segura, nunca saberemos.

Exposto à veneração pública, o Cristo da Agonia – como passou a ser chamado – atraiu os fiéis da época, por serem poucas as imagens existentes nas igrejas de Santiago. Um fato extraordinário lhe daria a fama de que goza até hoje.

Manteve-se de pé, no terremoto

Cerca de dez horas da noite de 13 de maio de 1647, um forte terremoto abalou a cidade de Santiago. Muitas pessoas morreram e quase todas as casas vieram abaixo. Manteve-se em pé, contudo, o Cristo da Agonia, com parte da igreja dos agostinianos.

Como se o cataclismo tivesse sido pouca coisa, outro fato sobressaltou os sobreviventes: a coroa de espinhos de Nosso Senhor havia caído e estava em seu pescoço. “Que significaria isto?” – perguntavam-se.

Dom Gaspar de Villaroel, agostiniano e Bispo de Santiago, começou a reunir os sobreviventes perto da Praça de Armas. E os monges organizaram com os vizinhos uma procissão em que, todos descalços, para lá conduziram a imagem e a colocaram em lugar eminente.

Então, segundo consta em testemunho conservado no Arquivo Provincial Agostiniano, o Bispo fez, com grande ardor, uma pregação sobre “os mistérios contidos no referido caso, com tanto proveito para os ouvintes que causou em todos grande elevação de seus espíritos, com demonstrações de verdadeira penitência, tomando-se especialmente em consideração a coroa de espinhos posta no pescoço de nosso Redentor.”

A partir de então, a imagem ficou conhecida como o Cristo de Maio, e teve início de forma espontânea a procissão que até hoje percorre nessa data as ruas centrais de Santiago. Tanto a imagem quanto a procissão se converteram em um vínculo, no Chile de hoje, com a fé dos tempos coloniais. (Revista Arautos do Evangelho, Mar/2005, n. 39, p. 36-37)

 
Comentários