Rothenburg… pequena e encantadora cidade medieval situada às margens do Rio Tauber, no centro da velha Alemanha. Seu nome é repetido com saudades no mundo inteiro por aqueles que tiveram a felicidade de visitá-la ou, pelo menos, a conheceram de alguma outra forma.
Sim, repetimos, do mundo inteiro. Pois inclusive turistas dos países asiáticos lotam numerosos ônibus que partem da vizinha Francfurt para irem ver em Rothenburg a loja de presentes e enfeites de Natal, onde gira uma enorme árvore iluminada, mantendo vivo durante todo o ano o espírito da festa do santo Nascimento de Jesus.
Qual é o atrativo desta cidadezinha teutônica, obra do Sacro Império Romano-Alemão? Seu tamanho não ultrapassa a dimensão ideal de uma cidade: uma pessoa parada em seu centro pode ver a ponta final de suas principais ruas. Rothenburg cativa, causa admiração, o que levou à decisiva intervenção de um general norte-americano para evitar que fosse totalmente reduzida a escombros a minúscula cidade já parcialmente destruída, em 1945. E que moveu os países vencedores da Segunda Grande Guerra a contribuírem financeiramente para a restauração de suas fortificações medievais, únicas no gênero, belíssimas e… inúteis na era moderna.
Capital do Reino
A história de Rothenburg começa por volta de 970, com a inauguração da paróquia do mesmo nome, por Reinger, um nobre da Francônia do Leste, que construiu também os castelos de Comburg, na vizinha cidade de Schwäbisch Hall, e de Grafenburg, na margem do rio Tauber. Em 1137, o novo Rei da Alemanha, Konrad, estabeleceu provisoriamente sua corte na cidade, que assim se tornou famosa em todo o Sacro Império. Nessa época construiu-se a primeira muralha circundante, da qual existem ainda a Torre Branca, a Torre de Markus e o Arco de Röder.
No decorrer do tempo, os “rothenburgueses” ficaram, no campo moral, menos vigilantes do que simbolizam as fortificações
de sua cidade. Deixaram-se arrastar por suas paixões, que se tornaram descontroladas e provocaram no território imperial as mais profundas divisões de caráter ideológico e, sobretudo, religioso. A cidade viu-se envolvida nas incipientes guerras de religião, pálido reflexo dos conflitos mundiais de nosso tempo.
Em 1631, durante a Guerra dos 30 Anos, a cidade – que havia se tornado protestante – foi vencida pelas tropas da União Católica, comandadas pelo Conde Tserclaes von Tilly, famoso general, vencedor de 70 batalhas. Nessa ocasião, ocorreu um fato pitoresco.
O “trago magistral”
Tilly declarou que iria saquear e queimar a cidade. Angustiados pela terrível perspectiva, os Conselheiros Municipais recorreram ao Kellermeister (Chefe da Adega) da cidade. Este logo apareceu, oferecendo solicitamente ao general uma enorme caneca contendo mais de três litros de excelente vinho. Apaziguado e sorridente pelo ingênuo oferecimento, o vencedor prometeu poupar a cidade se algum Conselheiro estivesse disposto a tomar de uma só vez todo o conteúdo da
caneca. O ex-alcaide Nusch, cheio de “senso do dever” e de… gosto pelo bom vinho, apresentou-se para realizar a façanha. Esvaziou a caneca e passou três dias em estado de coma!
Até hoje esse fato é comemorado todos os anos com a encenação de uma peça teatral histórica intitulada Der Meistertrunk (O Trago Magistral).
A festa começa na sexta-feira antes de Pentecostes. Atores locais – todos amadores – fazem o papel das tropas dos exércitos rivais, combatendo “autenticamente” pelas ruas da cidade, revivendo durante alguns dias o clima da batalha travada em 1631. Depois, no palco da Sala Imperial, é encenado o “épico” episódio do “grande trago”. O ponto alto da representação se realiza no domingo: uma grande marcha dos soldados, com trajes da época, que desemboca no acampamento militar situado diante da Porta do Galgen. Este festival tem contribuído para aumentar a fama de Rothenburg.
Para os que vieram passar ali apenas um dia, chega a hora de abandonar a cidadezinha. É esta a hora em que Rothenburg evidencia seu maior encanto: o final do entardecer e o início lento e suave da noite.
Os ônibus de turistas já se foram, os ruidosos e intrusos automóveis não mais perturbam um passeio tranqüilo pelas ruelas medievais calçadas de pedra, nas quais se refletem as luzes das janelas encortinadas, das cervejarias e das acolhedoras hospedarias (felizes os que podem lá passar a noite!). As lâmpadas de cor dourada fazem jogos de sombras e destacam as silhuetas das torres na muralha.
Nesse momento, o visitante de alma maravilhável experimenta algo que, infelizmente, as grandes cidades modernas não lhe proporcionam: a repousante e plácida felicidade de situação.
(Revista Arautos do Evangelho, Fev/2004, n. 26, p. 49 à 51)