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Catecismo


A verdadeira caridade
 
AUTOR: IR. MARIANA DE OLIVEIRA, EP
 
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O vocábulo “caridade” perdeu aos olhos de grande número de pessoas seu principal significado. Ele é entendido quase exclusivamente como o ato de ajudar o próximo sob o ponto de vista material. Ora, em que consiste a verdadeira caridade?

Na Primeira Carta aos Coríntios lemos a seguinte afirmação de São Paulo: “Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade – as três. Porém, a maior delas é a caridade” (13, 13). Tais palavras sublinham a importância desta virtude sem a qual nunca conseguiremos galgar os altos píncaros da santidade.

No término desta vida seremos julgados segundo o amor,1 isto é, segundo a caridade. E ao chegarmos à visão beatífica só esta virtude teologal subsistirá, pois a fé se tornará visão e a esperança se converterá em posse.

A única e verdadeira caridade

Em nossos dias, entretanto, o vocábulo caridade perdeu aos olhos de grande número de pessoas seu principal significado. Ele é entendido quase exclusivamente como o ato de ajudar o próximo sob o ponto de vista humanitário, fornecendo-lhe alimentos, vestuário ou até auxílio psicológico. E, como é óbvio, não é possível reduzir o sol das virtudes teologais a tarefas terrenas muito nobres, mas desvinculadas do mundo sobrenatural.

São Pedro e São João curando o paralítico
Museu São Pio V, Valência (Espanha)

Infundida na alma no momento do Batismo, a verdadeira e única caridade é a virtude teologal que nos faz amar a Deus de todo o nosso coração, sobre todas as coisas, e ao próximo por amor a Deus, ou seja, porque Deus está nele ou ao menos para que venha a estar.2

Por isso o Apóstolo alerta: “Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!” (I Cor 13, 3).

Quando destituídas de amor a Deus, essas ações não passam de atos de filantropia. Seu valor é meramente temporal, e tanto podem colaborar com a construção do Reino de Deus quanto contribuir para dele nos afastarmos.

Ao contrário, se animada pela virtude da caridade, a ajuda material é dada ao próximo com o objetivo imediato ou remoto, direto ou indireto, de auxiliá-lo a alcançar o Céu.

Robusta caridade de uma santa menina

Um fato ocorrido com Santa Maria Madalena de Pazzi, grande mística italiana, bem ilustra a essência da definição acima apresentada. Certa vez, quando ela era ainda pequena, sua mãe lhe perguntou intrigada:

— Minha filha, por que em alguns dias ficas o tempo inteiro a meu lado, sem separar-te por um instante?

Em sua inocência, a menina respondeu:

— É porque, nos dias em que comungais, sinto em vós o perfume de Jesus!

Já na infância a virtude da caridade era tão robusta naquela alma, que a Santa agia impulsionada por ela, sem afeições desordenadas. Amava as pessoas na justa medida em que a levassem ao único Ser desejado por seu coração.

Essência da perfeição cristã

Todas as virtudes só se solidificam e podem ser assim chamadas desde que a elas esteja unida a caridade. Com efeito, um ato de si bom, mas que vise apenas vantagens pessoais e vaidades, sem intenção de agradar a Deus, não merece o título de virtude. Portanto, “a caridade é não somente a síntese, mas a alma de todas as virtudes”.3

“A caridade não acabará nunca” (I Cor 13, 8) e quem se mantém sereno diante do infortúnio, aceitando “os sofrimentos, as privações, as humilhações, os reveses da fortuna, as fadigas, as doenças, numa palavra, todas essas cruzes providenciais que Deus nos envia para nos provar, arraigar na virtude e facilitar a expiação das nossas faltas”,4 este sim, será discípulo de Jesus, avançando no caminho do amor santificador.

Sendo Deus a própria Caridade, devemos tomá-Lo como principal exemplo na prática dessa virtude, amando-O como Ele nos amou ao deixar-Se crucificar no alto do Calvário. Quando Nosso Senhor nos convida a segui-Lo tomando nossa cruz e renunciando a nós mesmos, não faz outra coisa senão nos chamar a essa imersão na caridade, desprovida de qualquer egoísmo e coroada no serviço e na imolação por amor a Ele e ao próximo.

Exemplo de heroica caridade

Essa é a disposição que encontramos na vida dos Santos, como o demonstra, por exemplo, um episódio ocorrido com São Clemente Maria Hofbauer no período em que desenvolvia seu apostolado na Polônia.

Tendo o costume de sair pelas ruas de Varsóvia a fim de pedir esmolas para o sustendo das crianças de seu orfanato – o que fazia com grande alegria e sem medir esforços –, ao passar em frente a um comércio e perceber a vivacidade das pessoas que lá se estavam, resolveu entrar, na esperança de ser bem acolhido… 

Pôs-se então ao lado de um dos senhores ali presentes que, pelo modo de se vestir, aparentava certo poder aquisitivo, e dirigiu-lhe um delicado pedido de ajuda para os seus meninos. Seu interlocutor, porém, tomado por um forte acesso de cólera, recebeu-o de modo hostil e arrogante, insultando-o gratuitamente.

Levado pela caridade e visando somente o bem de suas crianças e daquela pobre alma, que deixara transparecer pelos seus atos o estado de cegueira e egoísmo em que se encontrava, o Santo permaneceu sereno diante das agressivas palavras que acabara de ouvir. O homem, todavia, não satisfeito com as injúrias proferidas, terminou por escarrar vergonhosamente na face do esmoleiro.

Com a categoria e o equilíbrio que só um grande Santo possui, São Clemente tomou tranquilamente o lenço, limpou a face e, à semelhança do Divino Mestre, que diante de inúmeros maus-tratos permaneceu como um humilde cordeiro, disse:

Imagem do Sagrado Coração de Jesus
pertencente aos Arautos do Evangelho

— Isto é para mim; agora dê-me alguma coisa para os meus orfãozinhos!

Esse esplêndido ato de humildade e amor a Deus foi suficiente não só para converter aquela alma empedernida, como para edificar todos os que tiveram a graça de presenciar a belíssima cena.5

A mais valiosa esmola

O fato de suportar com heroica mansidão uma descortesia de outrem por amor a Deus constitui um ato de virtude maior que distribuir semanalmente alimentos aos pobres. Sim, muitas vezes aos olhos do Altíssimo é mais valiosa a esmola imperecível e, por assim dizer, invisível, feita à alma de um irmão, que a ajuda perecível.

Já no nascedouro da Igreja encontramos São Pedro e São João na porta do Templo, curando um paralítico que lhes pedia uma ajuda material… Eles não tinham nem ouro nem prata, mas agiam em nome do Senhor de todas as riquezas criadas (cf. At 3, 6). Acaso não foi mais proveitosa ao pobre enfermo a cura do que umas simples moedinhas? E mais proveitoso ainda que a cura material, não foi para ele saber da existência de Jesus, de sua doutrina e de seu poder?

O próprio Divino Mestre, ao exortar o povo após a multiplicação dos pães, incentiva-os a trabalhar não pelo alimento que passa, mas pelo que perdura até a vida eterna (cf. Jo 6, 26-27). Desse modo, Ele nos indica que um filho de Deus não pode preocupar-se apenas com os bens materiais, mas deve estar constantemente repetindo para si mesmo e para os seus: “Sursum corda – Levantemos os corações!”

Praticar a caridade é sobretudo visar o bem espiritual do próximo, suportando com paciência seus desfeitos e passando por cima de qualquer antipatia, desentendimento ou disputa, a fim de promover sempre a união. A isso nos exorta São Paulo: “Nada façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro” (cf. Fl 2, 3-4).

Quantas vezes nosso próximo não espera de nós a esmola do nosso bom exemplo, da nossa mansidão, da nossa retidão?

Para ser santo, basta amar

Muitos ainda veem a santidade como uma utopia, aconselhada pela Igreja, mas impossível de ser alcançada pelo comum dos homens. Desconhecem eles que a perfeição dos Santos consiste em tudo fazer sob o influxo da caridade.

Somos chamados a nos aperfeiçoarmos nessa virtude. Estejamos atentos, pois a prática da caridade, que cobre uma multidão de pecados (cf. Pr 10, 12), não está longe de nós, mas ao alcance de nossas mãos. Basta não fecharmos a alma para a graça, que sempre nos indicará a via mais conforme ao Sagrado Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade. (Revista Arautos do Evangelho, Março/2019, n. 207, p. 29-31)

1 Cf. SÃO JOÃO DA CRUZ. Dichos de luz y amor, n.59. In: Vida y Obras. 5.ed. Madrid: BAC, 1964, p.963. 2 Cf. TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística. 6.ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1961, p.575. 3 Idem, p.160. 4 Idem, p.162. 5 Cf. AZEREDO, CSsR, Oscar Chagas. São Clemente Maria Hofbauer. Aparecida: Santuário, 1928.

 
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