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Catecismo


“Amai-vos na verdade…”
 
AUTOR: PE. FRANCISCO TEIXEIRA DE ARAÚJO, EP
 
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Em suas cartas e pregações, os Apóstolos jamais deixaram de combater as falsas doutrinas que grassavam entre os cristãos dos primeiros tempos, pois não pode haver genuíno amor a Deus e ao próximo dissociado da verdade.

“Apóstolo do Amor” é uma das várias alcunhas dadas a São João Evangelista, e basta ler seus escritos para entender o motivo.

Detalhe do vitral da Última
Ceia Catedral de Hamilton
(Canadá)

Na primeira de suas epístolas encontramos a famosa afirmação de que “Deus é amor” (I Jo 4, 8) e, se percorrermos com atenção o quarto Evangelho, notaremos o quanto ele está impregnado do indizível afeto de um Deus que Se fez Homem para nos salvar.

Amamos porque Deus nos amou primeiro

À diferença dos sinópticos, muito mais sintéticos ao narrar o acontecido durante a Última Ceia, São João dedica cinco capítulos a este fundamental episódio da vida de Cristo. Estando seu Evangelho focado nos aspectos teológicos e espirituais da Redenção, nele são reproduzidas as palavras de despedida proferidas por Jesus a seus discípulos, entre as quais recebe destaque todo especial o célebre mandamento novo.

“Amai-vos uns aos outros. Como Eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo13,34), exorta Ele pouco depois de Judas sair do Cenáculo. E mais adiante o Divino Mestre acrescenta: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como Eu vos amo” (Jo 15, 12).

A relação entre o amor divino que desce até nós e o que devemos ter em relação ao próximo é desenvolvida com clareza pelo Evangelista na primeira de suas epístolas. Nela se afirma: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo o que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em nos ter enviado ao mundo o seu Filho único, para que vivamos por Ele. Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter- -nos Ele amado e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados” (I Jo 4, 7-10).

Em vista disso, São João conclama: “Caríssimos, se Deus assim nos amou, também nós nos devemos amar uns aos outros” (I Jo 4, 11). Nós, homens, amamos “porque Deus nos amou primeiro” (I Jo 4, 19).

E ainda insiste: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão” (I Jo 4, 20-21).

“Aquele que peca é do demônio”

Por certo, o Apóstolo Virgem praticava de modo exímio o mandamento da caridade para com Deus e para com o próximo.

Com uma ternura quase maternal, dirige-se aos seus discípulos nessa mesma carta procurando afastá-los do maior dos males, o pecado: “Filhinhos meus, isto vos escrevo para que não pequeis” (I Jo 2, 1); “Não ameis o mundo nem as coisas do mundo” (I Jo 2, 15).

Tão entranhado afeto não o impede, entretanto, de fazer-lhes uma severa advertência: “Aquele que peca é do demônio” (I Jo 3, 8). Pouco adiante acrescenta: “É nisto que se conhece quais são os filhos de Deus e quais os do demônio: quem não pratica a justiça não é de Deus, como também quem não ama o seu irmão” (I Jo 3, 10). E mais à frente insiste: “Quem possuir bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o coração, como pode estar nele o amor de Deus?” (I Jo 3, 17).

Cenas da vida de São João
por Pedro Sierra

“Deus é luz e n’Ele não há treva”

Uma outra característica emana dos escritos joaninos: a necessidade de proclamar a verdade diante das heresias que começavam a aparecer na Igreja nascente, principalmente o gnosticismo.

“Deus é luz e n’Ele não há treva alguma” (I Jo 1, 5). Por isso, preocupa-se o Evangelista em pôr em realce nas suas epístolas um aspecto essencial do autêntico amor: deve basear-se na verdade. A segunda delas abre-se com as seguintes palavras: “À Senhora eleita e a seus filhos, que amo na verdade. Não somente eu, mas também todos os que conheceram a verdade, por causa da verdade que permanece em nós e que ficará conosco eternamente” (II Jo 1-2).

A mesma ideia se repete no início da terceira epístola: “O ancião ao caríssimo Gaio, a quem amo na verdade” (III Jo 1). E um pouco mais para frente acrescenta: “Não tenho maior alegria do que ouvir dizer que os meus filhos caminham na verdade” (III Jo 4).

Ora, em que consiste essa verdade?

Na observância dos Mandamentos, conforme ensina o Divino Mestre no Evangelho joanino: “Se Me amais, guardareis os meus Mandamentos” (Jo 14, 15); “Aquele que tem os meus Mandamentos e os guarda, esse é que Me ama” (Jo 14, 21).

E se ainda restasse alguma dúvida, São João esclarece: “Aquele que diz conhecê-Lo e não guarda os seus Mandamentos é mentiroso e a verdade não está nele. Aquele, porém, que guarda a sua palavra, nele o amor de Deus é verdadeiramente perfeito. É assim que conhecemos se estamos n’Ele: aquele que afirma permanecer n’Ele deve também viver como Ele viveu” (I Jo 2, 4-6).

“Examinai se os espíritos são de Deus”

Contudo, nem todos os que se dizem seguidores de Cristo procuram viver na verdade, como Ele viveu. Alguns, apresentando-se como ovelhas do mesmo rebanho, ousam contestar velada ou declaradamente a doutrina ensinada pelo Divino Mestre. A esses o Discípulo Amado não duvida em qualificar de anticristos.

Pregando na véspera de sua morte
Igreja de São Lourenço, San
Lorenzo de Morunys (Espanha)

Na sua primeira epístola, ele denuncia: “Eis que já há muitos anticristos, por isso conhecemos que é a última hora. Eles saíram dentre nós, mas não eram dos nossos” (I Jo 2, 18-19). E continua: “Era isto o que eu vos tinha a escrever a respeito daqueles que vos seduzem” (I Jo 2, 26).

Mais adiante, alerta: “Caríssimos, não deis fé a qualquer espírito, mas examinai se os espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no mundo. Nisto se reconhece o Espírito de Deus: todo espírito que proclama que Jesus Cristo Se encarnou é de Deus; todo espírito que não proclama Jesus não é de Deus, mas é o espírito do Anticristo de cuja vinda tendes ouvido, e já está agora no mundo” (I Jo 4, 1-3).

A mesma advertência se repete na segunda epístola: “Muitos sedutores têm saído pelo mundo afora, os quais não proclamam Jesus Cristo que Se encarnou. Quem assim proclama é o sedutor e o Anticristo. Acautelai-vos, para que não percais o fruto de nosso trabalho, mas antes possais receber plena recompensa” (II Jo 7-8).

Devemos evitar a quem fomenta divisões

Para que isso não venha a acontecer, o Apóstolo do Amor recomenda tomar uma atitude radical que poderia parecer, à primeira vista, contrária à lei da caridade por ele propugnada: “Quem permanece na doutrina, este possui o Pai e o Filho. Se alguém vier a vós sem trazer esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Porque quem o saúda toma parte em suas obras más” (II Jo 9-11).

Como bom ministro de Deus, São João pregava não só pela palavra, mas sobretudo pelo exemplo pessoal. Seu discípulo São Policarpo narra a este propósito um eloquente episódio. Entrou certo dia São João nas termas de Éfeso, com intenção de banhar-se, mas saiu às pressas logo a seguir, por medo de que o edifício desmoronasse, ao perceber que lá dentro estava Cerinto, gnóstico dotado de grande talento especulativo, do qual se valia para difundir a falsa doutrina.1

A alma de São João
subindo ao Céu, por
Pedro Sierra – Igreja de
São Lourenço,
San Lorenzo de Morunys
(Espanha)

Não é menos categórico, nesta matéria, o Apóstolo por antonomásia. Na carta dirigida a seu discípulo Tito, ordena: “O homem que assim fomenta divisões, depois de advertido uma primeira e uma segunda vez, evita-o” (Tt 3, 10- 11). E em outra epístola previne os gálatas: “Ainda que alguém – nós ou um Anjo baixado do Céu – vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema. Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!” (Gal 1, 8-9).

Combater o erro é um ato de amor a Deus

Já nos primeiros albores da Santa Igreja, as portas do inferno suscitaram contra ela dois ferrenhos inimigos: a perseguição e a heresia. Ora, se a primeira povoou de mártires os Céus e semeou cristãos no imenso território do Império Romano, quem poderá contar o número de almas que a segunda lançou no inferno?

No cumprimento de seu sagrado ministério, os Apóstolos, formados pessoalmente pelo Divino Mestre, não deixaram de combater as falsas doutrinas que grassavam entre os cristãos dos primeiros tempos. Assim o provam as epístolas de São João, como também as de São Pedro, São Paulo, São Judas e São Tiago. Todas elas dão magnífico exemplo de zelo pela glória de Deus e pela salvação das almas, ao mesmo tempo que enfrentam o erro.

Não pode existir amor genuíno longe da Luz que resplandece nas trevas, nem amor ao próximo dissociado d’Aquele que Se encarnou, padeceu e morreu por nós. (Revista Arautos do Evangelho, Abril/2019, n. 208, p. 31-33)

1 Cf. SANTO IRINEU DE LYON. Contra as heresias. L.III, c.3, n.4.

 
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