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Os votos religiosos e o requinte da obediência
 
AUTOR: PE. ALEX BARBOSA DE BRITO, EP
 
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Quando a prática dos conselhos evangélicos é unida à escravidão de amor ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort, a alma alcança um estado de incondicionalidade completa. Vive-se nesta terra como no Céu…

Na história de São Bento escrita por São Gregório Magno, há um episódio que chama especial atenção: certo dia, o jovem Ir. Plácido foi retirar água do lago e, ao mergulhar a vasilha, esta caiu na corrente arrastando-o junto, ficando ele impelido pela correnteza. Tendo uma revelação sobrenatural do ocorrido, São Bento chamou São Mauro e lhe disse:

— Corre, pois o menino que foi buscar água caiu no lago e já está longe, levado pelas águas.

Sem demora, depois de receber sua bênção, o Ir. Mauro foi ao encontro do acidentado e, sem dar-se conta, entrou no lago como se caminhasse em terra firme. Pegou-o pelos cabelos e, quando chegou à margem, percebeu que caminhara sobre as águas…

Ao tomar conhecimento do milagre, Bento o atribuiu à obediência de Mauro, que, por sua vez, disse ter sido o prodígio obra da ordem do Santo Abade.1 Enfim, na disputa entre dois Santos, cada qual se defende como pode…

São Mauro salva São Plácido
Abadia de Monte Oliveto Maggiore (Itália)

Outro episódio, não menos impressionante, é o de São Francisco de Assis que, repreendido pelo pai, Pedro Bernardone, por dar esmolas e ameaçado por este de perder a herança de uma enorme fortuna, despiu-se diante do Bispo e depositou suas vestes, com algumas moedas, aos pés de seu progenitor, dizendo-lhe: “Até aqui, chamei-te meu pai aqui na terra; daqui para o futuro poderei dizer com segurança: ‘Pai nosso, que estais no Céu’ (Mt 6, 9), pois a Ele confiei todo o meu tesouro e n’Ele depositei toda a minha confiança”.2 Comovido, o Bispo o abraçou com bondade e cobriu com sua capa aquele “sincero amante da pobreza”.3

Temos ainda o exemplo de São Luís de Gonzaga, cuja pureza e castidade foram levadas a um grau tão extraordinário que, como ele mesmo conta, nunca fitou diretamente o rosto de uma mulher, com receio de ofender a Deus.4

No entanto, nem todos são chamados a praticar os votos de obediência, pobreza e castidade, como os mencionados Santos o fizeram. Estes são os três votos feitos pelos que assumem a vida religiosa, e eles correspondem aos denominados conselhos evangélicos, emanados dos lábios de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Trata-se, portanto, de saber o que espera o Divino Salvador de quem livremente ouve e atende o seu chamado para segui-Lo.

Conselhos evangélicos

Certo dia, Jesus encontrou no seu caminho um moço, cujo nome o Evangelho não revela, mas o chama de rico, porque tinha muitos bens. Caindo de joelhos diante do Senhor, ele perguntou: “Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida eterna?” (Mt 19, 16); e acrescentou que já praticava os Mandamentos desde sua infância. Jesus olhou-o com amor e respondeu: “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-Me!” (Mt 19, 21). 

Ora, o Salvador pede que ele venda todos os seus bens. Com efeito, se eram seus, por que deveria vendê-los e distribuí-los? Parece haver certas coisas que a Providência nos dá não para as possuirmos, senão para que possamos renunciá-las.

Com estes conselhos Jesus oferecia ao moço rico uma via especial de perfeição, na qual era necessário se despojar dos bens materiais, fazendo- -se pobre: “vende teus bens”; renunciar à sua vontade e obedecer incondicionalmente às moções do Espírito Santo: “vai”, e depois “vem”; e abster-se de constituir uma família, pelo “segue-Me!” Tudo isso “por amor do Reino dos Céus” (Mt 19, 12).

Aqui estão os fundamentos do que viria a ser a vida consagrada na Igreja, no futuro: a prática dos conselhos evangélicos apresentados por Jesus, que se formalizam na profissão dos votos de pobreza, castidade e obediência ou outros vínculos determinados pelas respetivas constituições das famílias religiosas, ou ainda estabelecidos de modo privado.

Entretanto, “nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado” (Mt 19, 11)… De fato, a vocação comum do cristão é o matrimônio, ao qual estão vinculadas a necessidade de posses materiais, a liberdade para a tomada de decisões e a constituição de laços familiares, bem como da prole e a sua educação. E este é um caminho sublime no chamado universal à santidade para os batizados.

Alguns, porém, recebem um convite especial de liberdade mais completa: a entrega total a Deus. Jesus apontou para o “moço rico” um ideal de perfeição que ninguém antes d’Ele cogitaria: “Sede perfeitos, assim como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5, 48). O que poderia existir de mais perfeito do que consagrar tudo a Deus e trilhar as vias de seu próprio Filho?

São João Paulo II apontava a vida consagrada como uma resposta a esta indagação: “Na verdade, a sua forma de vida casta, pobre e obediente apresenta-se como a maneira mais radical de viver o Evangelho sobre esta terra, um modo – pode-se dizer – divino, porque abraçado por Ele, Homem-Deus, como expressão da sua relação de Filho Unigênito com o Pai e com o Espírito Santo. Este é o motivo por que, na tradição cristã, sempre se falou da objetiva excelência da vida consagrada”.5

São Francisco renuncia aos bens
do mundo, por Giotto di Bondone
Basílica de São Francisco, Assis (Itália)

A vida consagrada: ideal de perfeição

Fazendo eco ao ensinamento do Magistério da Igreja, Plinio Corrêa de Oliveira dizia que o estado religioso “é a imitação perfeita da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. E, portanto, imitando perfeitamente a Ele, devemos obedecer a quem manda em nós. Para obedecer a quem manda em nós, é evidente que nós devemos, então, fazer a vontade dele e não nossa”.6

Quando se assume a vida consagrada, tem-se a intenção de iniciar a sequela Christi, ou seja, o seguimento e a imitação de Cristo. Altíssimo é o ideal de perfeição proposto por Jesus, e para configurar-se com Ele é preciso seguir seus passos: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie- -se a si mesmo, tome sua cruz e siga- -Me” (Mt 16, 24).

Nesse sentido, ensinava o Papa Bento XVI que, dirigindo-se ao moço rico, “o próprio Cristo diz: ‘Segue-Me’, pedindo-lhe um desapego total dos vínculos familiares (cf. Lc 9, 59-60). Estas exigências podem parecer demasiado severas, mas na realidade expressam a novidade e a prioridade absoluta do Reino de Deus que se torna presente na própria Pessoa de Jesus Cristo. Em última análise, trata-se daquela radicalidade que é devida ao amor de Deus, ao qual Jesus é o primeiro que obedece”.7

Um dos meios mais eficazes e meritórios para isso é abraçar os votos, pelos quais a pessoa assume como preceito, voluntariamente, aquilo que Jesus propôs como recomendação, o que se transforma em obrigação moral para os que decidem buscar a via da perfeição, sob os auspícios de alguma forma de consagração.

Convém recordar que existe uma distinção entre o voto em sentido amplo e os votos que são feitos nas mais variadas instituições da Igreja.

Promessas e votos

Pouco provável será que o leitor nunca tenha feito a Deus uma promessa para obter uma graça, uma cura ou um bem para um terceiro. Uma oração, uma doação, uma peregrinação… Os santuários marianos bem poderiam testemunhar a quantidade de pessoas que diariamente se dirigem a eles para cumpri-las. E também os Sacramentos do Batismo, Crisma, Ordem e Matrimônio as comportam.8

Pode-se também fazer promessas a pessoas ou instituições, comprometendo-se a dar-lhes algum bem ou fazer algo em seu favor, mas elas nunca se equipararão aos votos, porque o voto é uma promessa feita a Deus. No uso comum, ambas as palavras podem possuir um significado semelhante, mas para a Igreja cada uma delas tem um sentido muito específico.

Assim, São Tomás de Aquino afirma ser a essência do voto religioso um ato de latria, justamente por ser uma “promessa feita a Deus”.9 Inspirado no Doutor Angélico, o Código de Direito Canônico precisa a definição: “O voto, isto é, a promessa deliberada e livre feita a Deus de um bem possível e melhor, deve cumprir-se por virtude da religião”.10 Numa apreciação mais profunda destas palavras, vislumbramos a gravidade contida em todo voto que se faz, e compreendemos a preparação e a disposição de uma pessoa ao assumi-los.

Analisemos pormenorizadamente cada parte da definição. Promessa: é necessário haver verdadeira vontade de se obrigar a fazer ou se abster de algo; não se trata, portanto, de simples desejo ou propósito. Deliberada: quem emite os votos precisa ter plena consciência de seu compromisso com Deus. Livre: a decisão de assumir as obrigações impostas pelos votos não pode comportar nenhuma forma de coação. Feita a Deus: toda promessa feita a Deus é um voto, com todas as suas consequências, mas os votos professados em alguma instituição da Igreja, ao serem feitos a Deus nas mãos de um superior, recaem nas obrigações previstas pela Igreja, segundo as respectivas constituições e fazem também parte da virtude de religião. De um bem: só é possível estabelecer um compromisso com Deus quando se trata de algo intrinsecamente bom. Ninguém pode, por exemplo, prometer matar outra pessoa, como o fez Jefté (cf. Jz 11, 29-40). Possível: não se deve comprometer a praticar algo que não se é capaz de cumprir. Assim, poderia ser temerário prometer nunca pecar, pois, para alguns, isto não deveria ser feito sem consulta ao confessor ou diretor espiritual. Melhor: aquilo que se promete deve ser mais perfeito do que a situação atual. No caso da pobreza, ela é mais perfeita do que a propriedade, pois a pessoa se desprende de bens materiais por amor a Deus. Seria contraditório a pessoa que pratica a pobreza prometer a Deus renunciá-la e se dedicar à conquista de bens materiais. De igual modo em relação à castidade perfeita que, de certa forma, assemelha os homens aos Anjos, por amor a Deus, e é um bem melhor que a castidade no estado matrimonial; seria incoerente prometer a continência e abandoná-la para constituir família.

Classes dos votos religiosos

Além de variados carismas, existe na Igreja uma grande diversidade de famílias religiosas. Antigamente se lhes dava o nome de ordens religiosas e congregações. Assim são os franciscanos, os beneditinos, os dominicanos, dentre outras.

Primeira Comunhão de
São Luís de Gonzaga,
Igreja dos Jesuítas, Paris

Na atualidade elas ficam incluídas dentro dos institutos de vida consagrada, os quais compreendem os institutos religiosos e os institutos seculares. A eles se assemelham as sociedades de vida apostólica, que podem contemplar ou não a possibilidade de emitir os votos.

A maior distinção entre os institutos de vida religiosa, de um lado, e as sociedades de vida apostólica e outros institutos de vida consagrada, de outro, diz respeito aos votos. Nos primeiros o voto é sempre público, podendo ser solene; nos demais, é privado e simples. Quando se fala em voto público e solene não significa que é realizado diante de muitas pessoas, na paróquia ou na matriz da diocese, com muita pompa. Quer dizer, isto sim, que é recebido em nome da Igreja, por seu superior legítimo. Já o voto privado e simples é aquele que não exige tais requisitos.11

Há, pois, menos mérito nos votos privados? De maneira alguma! Diante de Deus, que vê as intenções do coração (cf. Rm 8, 27), o mérito está na perfeição e no amor com que se assume e pratica a obediência, a pobreza e a castidade, e não na sua formalidade.

Assim, o voto em geral, seja ele privado em um instituto ou o voto religioso público, em sua essência, obriga por força da virtude de religião, variando só em suas circunstâncias e consequências.

Aprimoramento da obediência: a incondicionalidade

Como Corpo Místico de Cristo, e a seu exemplo, a Igreja está continuamente crescendo em graça e santidade (cf. Lc 2, 40) em suas instituições. E sendo a fonte de onde brotam as vocações religiosas, é natural que suas formas de vida consagrada também se elevem diante de Deus.

Seria possível, todavia, aperfeiçoar os conselhos evangélicos, proferidos pelos lábios da Sabedoria Encarnada, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade? Não se trata de aperfeiçoar, muito menos de modificar as palavras do Salvador (cf. Ap 22, 18-19), cuja hipótese se aproxima da blasfêmia, mas sim de crescer em graça e santidade na prática de tais conselhos, requintando-os.

Nessa matéria, que supõe um caminho ou via de perfeição, encontramos vários graus, como explanaremos a seguir.

O primeiro grau seria a prática dos tão referidos conselhos evangélicos: castidade, pobreza e obediência. Estes podem ser assumidos por qualquer fiel, de modo privado, mediante propósitos, promessas ou outros vínculos espirituais. Nesta prática haverá também diferentes graus, pois a castidade pode ser vivida conforme o estado – solteiro ou casado –, a pobreza e a obediência, de acordo as circunstâncias e, também, consoante ao estado. São exemplos disso a obediência praticada dentro do matrimônio ou a de um fiel com relação a seu confessor ou diretor espiritual, e em geral a todo superior legítimo, seja na Igreja ou na vida civil.

Um segundo grau seria a formalização desta prática por meio de votos: privados, públicos ou aqueles que alguns denominam, bem ou mal, semipúblicos, quer dizer, os que são formulados nos institutos de vida consagrada que não são institutos religiosos, ou nas sociedades de vida apostólica. Todos estes estão submetidos a um superior, pelas constituições da instituição – as antigas regras –, e também à vida fraterna em comum, com exceção dos institutos seculares.

Outro grau na procura da perfeição espiritual poderia ser a escravidão de amor a Jesus Cristo, pelas mãos de Maria Santíssima, como ensinou São Luís Maria de Grignion de Montfort,12 em seu Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. Trata-se de um vínculo espiritual que, de alguma maneira, pode ser considerado mais abrangente do que um voto, conforme as disposições de quem o abraça, enquanto doação inteira e indivisa a Deus. Tal escravidão de amor pode se concretizar nas mãos de um fundador ou de um superior,13 tornando-se, espiritualmente, um requinte do voto.

Num grau a mais – ou chamemos de outro requinte – encontramos a incondicionalidade na obediência, tal como a apresenta Santo Inácio de Loyola14 em sua Carta aos padres e irmãos de Portugal, também conhecida como Carta sobre a obediência. Esta incondicionalidade demanda, como é óbvio, a existência de um superior, a quem o súdito se submete com toda a radicalidade, por obediência. E Santo Inácio se refere a quem pretende fazer a oblação inteira e perfeita de si mesmo. Neste caso, o subalterno oferece, ademais de sua vontade, seu entendimento, de modo a ter não apenas um querer, senão também um mesmo sentir com o superior, sujeitando a ele seu próprio juízo.15 Isto poderá estar ou não expresso nas constituições, uma vez que se trata de um movimento pessoal e espiritual da inteligência e da vontade do sujeito. E o Divino Espírito Santo, por meio de graças especiais, poderá conceder ao súdito a troca de vontades, de corações e outras formas de conúbios místicos.16 Santo Inácio faz ressalvas, como é lógico, nas coisas que a evidência da verdade conhecida não obriga. 

Então, poder-se-ia perguntar: esta incondicionalidade tem algum limite? Para evitar equívocos convém assinalar que o limite está na lei natural e na Lei Divina positiva: o superior nunca poderá mandar com legitimidade algo que constitua pecado, seja mortal ou venial, ainda que materialmente; o superior não poderá mandar nada que seja contra a própria e reta consciência do súdito, como algo contra a Revelação, contra o Magistério ou contra a Tradição. Isto não costuma estar nas regras, pois não são princípios jurídicos, senão morais, os quais, não obstante, podem ter implicações jurídicas. E se um superior mandasse algo contrário ao bem comum da comunidade, com a intenção ou efeitos de destruí-la, segundo sua reta consciência o súdito poderia resistir.

Sempre buscando uma perfeição maior, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, fundador dos Arautos do Evangelho e das duas sociedades de vida apostólica que nasceram em seu seio – Sociedade Clerical de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli e Sociedade Feminina de Vida Apostólica Regina Virginum17 –, quis levar essa obediência incondicional ao extremo da radicalidade na prática da devoção a Nossa Senhora, pelo método de São Luís Grignion.

Uma das irmãs da Sociedade de
Vida Apostólica Regina Virginum
assina seu compromisso diante da superiora

Como Mons. João mesmo conta, ao reler pela enésima vez o Tratado de São Luís Grignion, deparou-se com uma afirmação que lhe chamou a atenção: “Aquele que se entrega como escravo à Sabedoria Eterna e Encarnada, pelas mãos de Maria, participa de todos os seus dons, virtudes e graças como se Ela própria passasse a viver nele”.18

Almas sempre prontas a responder: “Præsto sum!”

A partir dessas cogitações, na sua caminhada espiritual, germinava na alma de Mons. João uma semente de via religiosa que mais tarde desembocaria nas sociedades de vida apostólica por ele fundadas. Nelas, a escravidão de amor, segundo o método de São Luís Grignion, se tornaria o caminho mais seguro para praticar os votos com perfeição e a incondicionalidade exigida pela obediência a Deus e aos superiores que O representam.

Deste modo, a Providência procurava atender aos anseios que Ela mesma incutira na alma de São Luís Maria Grignion de Montfort, quem, numa prece profética, suplicara: “Que Vos peço eu? […] Liberos: almas sempre à vossa mão, sempre prontas a obedecer-Vos, à voz de seus superiores, como Samuel: præsto sum […].

“Liberos: verdadeiros servos da Santíssima Virgem, que, como outros tantos São Domingos, vão por toda parte, com a tocha lúcida e ardente do Santo Evangelho na boca, e o Santo Rosário na mão, a ladrar como cães, a arder como fogos e a iluminar como sóis as trevas do mundo; e que, por meio de uma verdadeira devoção a Maria Santíssima, isto é, interior sem hipocrisia, exterior sem crítica, prudente sem ignorância, terna sem indiferença, constante sem volubilidade e santa sem presunção, esmaguem, por todos os lugares onde forem, a cabeça da antiga serpente, a fim de que a maldição que sobre ela lançastes seja inteiramente cumprida: inimicitias ponam inter te et mulierem, inter semen tuum et semen ipsius, et ipsa conteret caput tuum”.19

Não menos encorajadora a essa entrega é a fogosa doutrina de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, de quem afirmou o Papa Pio XI: “Quem atentamente considera a vida de Inácio sentirá, antes de tudo, admiração pela magnanimidade com que aquele varão buscou com todas as veras a glória de Deus. […] Mas, quem perscrutar mais a fundo reparará com facilidade que o que Inácio teve de mais insigne foi seu espírito de obediência, e que recebeu de Deus, como obra a ele especialmente encomendada, a missão de induzir os homens a praticar com maior empenho esta mesma virtude”.20

Com efeito, na já mencionada Carta aos padres e irmãos de Portugal o santo fundador escrevia: “A obediência é um holocausto no qual, pela mão de seus ministros, o homem se oferece por inteiro, sem nada excluir, no fogo da caridade a seu Criador e Senhor. E por ser uma entrega total de si mesmo – pela qual a pessoa se despoja de tudo para ser possuída e governada pela Divina Providência por meio do superior –, não se pode dizer que ela abrange apenas a execução para efetivar-se e a vontade para satisfazer-se: ela inclui também o juízo para sentir o que o superior ordena, tanto quanto este pode inclinar-se pelo vigor da vontade”.21

Por isso, àqueles fiéis que se entregam com toda a integridade ao serviço de Deus, como reza o Prefácio das Santas Virgens e Religiosos, o Senhor chama novamente “à santidade original e a experimentar, já aqui na terra, construindo o vosso Reino, os dons reservados para o Céu”.22

Isto é unir o Céu à terra, é viver na terra como no Céu…(Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2018, n. 200, p. 16-21)

1 Cf. SÃO GREGÓRIO MAGNO. Vida de San Benito, c.VII. Santiago: Abadía de la Santísima Trinidad de Las Condes, 1993, p.31-32. 2 SÃO BOAVENTURA. Vida de São Francisco de Assis. Legenda Maior, c.II, n.4. Braga: Editorial Franciscana, 2001, p.20. 3 Idem, ibidem. 4 Cf. CEPARI, Virgilio. Vida de São Luiz de Gonzaga, da Companhia de Jesus. Roma: Officina Poligrafica, 1910, p.50-51. 5 SÃO JOÃO PAULO II. Exortação apostólica Vita consecrata, n.18. 6 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 17 set. 1989. 7 BENTO XVI. Angelus, 27/6/2010. 8 Cf. CCE 2101-2103. 9 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.88, a.5. 10 CIC, cân. 1191, § 1. 11 Cf. CIC, cân. 1192. 12 Cf. SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.75. In: Œuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.534. 13 Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2016, v.IV, p.84. 14 Cf. SANTO INÁCIO DE LOYOLA. Carta a los padres y hermanos de Portugal. Roma, 26/3/1553. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1952, p.833-843. 15 No que tange à obediência, a lei da Igreja obriga a submeter a própria vontade aos superiores legítimos, que fazem as vezes de Deus quando mandam algo segundo as constituições (cf. CIC, cân. 601). Submeter a vontade com a radicalidade propugnada por Santo Inácio implica um requinte dessa obediência, mas não obriga por virtude do voto. 16 Cf. GIUNGATO, Silvana. Cambio del cuore. In: BORRIELLO, OCD, Luigi; CARUANA, OCarm, Edmondo; DEL GENIO, Maria Rosaria; DI MURO, Raffaele (Eds.). Nuovo Dizionario di Mistica. Città del Vaticano: LEV, 2016, p.402-403. 17 Tanto nos Estatutos da Associação Privada de Fiéis Arautos do Evangelho, como nas Constituições das Sociedades de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli e Regina Virginum, está previsto que todos os seus membros se consagrem como escravos à Sabedoria Eterna e Encarnada, pelas mãos de Maria, segundo o método e a espiritualidade de São Luís Maria Grignion de Montfort. 18 CLÁ DIAS, op. cit., p.83. 19 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Prière Embrasée, n.7; 10; 12. In: Œuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.678-679. 20 PIO XI. Carta apostólica Mediantibus nobis, 3/12/1922: AAS 14 (1922), 628. 21 SANTO INÁCIO DE LOYOLA, op. cit., p.838. 22 RITO DA MISSA. Oração Eucarística: Prefácio das Santas Virgens e Religiosos. In: MISSAL ROMANO. Trad. portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. São Paulo: Paulus, 2015, p.455.

 
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