No primeiro domingo da quaresma, a liturgia da Igreja nos apresenta um tema muito comum na vida dos homens: a tentação! Mas por que somos tentados? Há muitos que desconhecem ou não tem presente ao espírito a verdadeira natureza e o caráter das tentações. Todos têm suas tentações, e muitas. E, entre os diversos caminhos pelos quais Deus conduz as almas escolhidas, está a vereda das tentações.
Assim disse o sábio: “Filho, se queres servir a Deus, conserva-te na justiça e no temor e prepara-te para a tentação (Eclo 2,1).” E ainda: “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra? (Jó 7,1)”.
Depois do pecado de Adão o homem só descansará das guerras espirituais no Céu, pois no dizer de São Jerônimo sobre a passagem “Tempo de guerra e tempo de paz” (Eclo 3,8), enquanto habitamos neste mundo é tempo de guerra, quando passarmos ao outro, será tempo de paz. (1) Assim, nesta terra haverá sempre pelejas enquanto a morada do homem for uma tenda corruptível e mortal.
No entanto, as tentações constituem matéria prima para a glória; saber governá-las é tão importante quanto governar um império e requer vigilância ainda maior.(2) Por grandes que sejam as aflições e os desgostos que as tentações possam causar à alma, é, em geral, dom de Deus não ser preservada delas.
Por três vezes implorou São Paulo que lhe fosse tirado o aguilhão que o atormentava. Contudo, a resposta recebida de Deus, “basta-te a minha graça” (Cf. 2Cor. 12,7-10), mostra quão precioso é o dom da tentação, ou a permissão divina pela qual somos tentados.
Contudo, muitas são as pessoas que se queixam amargamente de suas tentações, visto que elas se apresentam sob as formas mais diversas: atração, desejo, repulsa, desagrado, lentidão, omissão, negligência e precipitação. Em virtude disso, afetam todas as ordens: deveres de estado, classes sociais, orgulho, pureza, justiça, piedade etc.
As tentações podem ser interiores, quando nascem dos sentidos livres e indisciplinados, quer das paixões ardentes e desregradas da concupiscência desordenada pelo pecado original; exteriores, quando por ação diabólica ou não, causam deleitações as riquezas, as honras, as afeições mal concebidas e as distrações; ou uma e outra ao mesmo tempo. Quanto às que participam das duas naturezas, possuem os atrativos de ambas.
Vistas, porém, sob certo aspecto, todas as tentações consistem numa aliança entre o que está dentro e o que está fora do homem. Nem todas as tentações provêm do demônio, todavia deve-se receá-lo e ter uma ideia clara das funções terríveis e malignas que lhe atribui a Escritura, pois, como diz São Pedro: “Sede sóbrios e vigilantes! Eis que o vosso adversário, o diabo, vos rodeia como leão a rugir, procurando a quem devorar” (1Pd. 5,8).