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Espiritualidade


A saudação angélica nos mares da Sicília
 
AUTOR: GUY DE RIDDER
 
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Arrebatou imaginações com seus romances de capa e espada, mas foi arrebatado, por sua vez, pela beleza de uma oração ao pôr-do-sol...

Alexandre Dumas, literato francês do século XIX, não teve uma vida caracterizada pela piedade. Entretanto, exercitando os dons de discernimento que Deus lhe deu, conseguiu captar e descrever de modo cativante situações e fatos . reais ou imaginários . com uma vivacidade e um realismo dignos de nota.

Dele conhecemos sobretudo a obra que mais concorreu para torná-lo célebre: Os Três Mosqueteiros. Mas compôs também inúmeras outras obras igualmente agradáveis e atraentes. Entre elas, Le Speronare, nome da embarcação que o levou às ensolaradas costas da Sicília.

Oferecemos ao leitor um trecho selecionado desta obra, em que, com maestria e grande sensibilidade, consegue ele pôr em palavras os imponderáveis maravilhosos da reza do Ângelus naquelas partes da costa italiana. Alexandre Dumas encontrava-se a bordo da referida embarcação, nas imediações de Messina, quando presenciou a cena descrita a seguir.

– A Ave-Maria . disse o capitão em alta voz.

A estas palavras, cada qual saiu das escotilhas e dirigiu-se ao convés.

De um extremo ao outro da Itália, essa oração, que cai em uma hora solene, encerra o dia e abre a noite. [Na Itália, o Ângelus não é rezado necessariamente em hora fixa, às 18:00 horas, mas ao anoitecer.] Esse momento do crepúsculo, em toda parte cheio de poesia, no mar é acrescido de uma santidade infinita. Essa misteriosa imensidade do ar envolvente e das ondas, esse sentimento profundo da fraqueza humana comparada ao poder onipotente de Deus, essa escuridão que avança, e durante a qual o perigo, sempre presente, vai crescer ainda mais, tudo isso predispõe o coração a uma melancolia religiosa, a uma confiança santa que soergue a alma nas asas da fé. Essa tarde, sobretudo o perigo do qual acabáramos de escapar e que nos era lembrado de tempos em tempos por uma onda encapelada ou mugidos longínquos. Tudo inspirava à tripulação e a nós mesmos um profundo recolhimento.

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No momento em que nos juntávamos no convés, a noite começava a tornar-se mais espessa no oriente; as montanhas da Calábria e a ponta do cabo de Pelora perdiam sua bela cor azul para se confundir em uma tintura acinzentada que parecia descer do céu, como se estivesse caindo uma fina chuva de cinzas. Enquanto no ocidente, um pouco à direita do Arquipélago de Lipari, cujas ilhas de formas extravagantes destacavamse com vigor sobre um horizonte de fogo, o sol alargado e listrado de longas faixas violetas começava a embeber a orla de seu disco no Mar Tirreno, que, cintilante e movimentado, parecia rolar ondas de ouro derretido.

Nesse momento, o piloto levantou-se, tomou em seus braços o filho do capitão, que pôs de joelhos sobre o teto da cabine; e, abandonando o leme como se a embarca ção estivesse suficientemente dirigida pela oração, sustentou o menino para que o balanço não lhe fizesse perder o equilíbrio.

Esse grupo singular destacou-se logo sobre um fundo dourado, semelhante a uma pintura célebre; e com uma voz tão fraca, que apenas chegava até nós, e que, entretanto, acabava de subir até Deus, começou o menino a recitar a prece virginal que os marinheiros escutavam de joelhos e nós inclinados.

Eis uma dessas lembranças para as quais o pincel é fácil e a pena insuficiente. Eis uma dessas cenas que narração alguma pode descrever, que nenhum quadro pode reproduzir, porque sua grandeza está inteira no sentimento íntimo dos atores que a realizam. Para um leitor de viagens ou um amante das coisas do mar, não será senão uma criança que reza, homens que respondem e um navio que flutua.

Mas, para qualquer pessoa que tiver assistido a uma cena parecida, será um dos mais magníficos espetáculos que ela tenha visto, uma das mais magníficas lembran ças que ela tenha guardado; será a fraqueza que reza, a imensidade que olha, e Deus que escuta.

(Revista Arautos do Evangelho, Julho/2003, n. 19, p. 24-25)

 
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