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Espiritualidade


A sublime escala da oração
 
AUTOR: EP
 
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Depois do Batismo, necessitamos da oração contínua para entrar no Céu. Ascendendo nos diversos graus da oração, prelibaremos, ainda nesta vida, o que será o eterno convívio com Deus, face a face.

A oração, segundo a clássica definição de São João Damasceno, é “a elevação da mente a Deus ou o pedido a Deus dos bens convenientes”.1 Já o frescor da inocência da Santa da Pequena Via a define com termos singelos, mas cheios do fogo da caridade: “Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar que se lança para o Céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no seio da provação, como no meio da alegria”.2

oraçãoNecessidade da oração humilde

  Se com as águas batismais recebemos a graça santificante e nos tornamos filhos de Deus, “depois do Batismo, o homem precisa da oração constante para entrar no Céu”,3 adverte o Doutor Angélico. Por isso, afirma Santo Afonso Maria de Ligório: “Quem reza, certamente se salva e quem não reza, certamente será condenado”.4 É, pois, mister fazer uso de tão poderoso tesouro para nos aproximarmos de Deus.

  Todavia, o que garante que Ele ouvirá propício nossas súplicas, sendo nós tão insuficientes enquanto criaturas humanas? Quais as condições necessárias para tornar nossa oração agradável ao Senhor?

  A mais importante delas, sem dúvida, é a humildade. E isto foi revelado pelo próprio Redentor, ao narrar a parábola da oração do fariseu e do publicano no Templo. Enquanto um enaltecia suas pretensas virtudes, o outro reconhecia sua miséria. “Este voltou para casa justificado, e não o outro” (Lc 18, 14), diz Jesus. Daí decorre o amor, que “é fruto da oração fundada na humildade”,5 pelo qual nos colocamos nas mãos de Deus com verdadeira submissão, restituindo a Ele todos os benefícios que por meio da oração recebemos.

Nove degraus que conduzem à visão beatífica

  Nós, por nós mesmos, “não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26). É Ele quem nos inspira e nos leva, pelos diversos graus da oração, ao esplendor perfeitíssimo da união com Deus. Na oração, afirma a grande Santa Teresa de Jesus, “as delícias das almas são como as que no Céu devem ter os eleitos”.6

  Os mestres de vida espiritual dividem a oração em nove graus. São eles: a oração vocal, a meditação, a oração afetiva, a oração de simplicidade, o recolhimento infuso, a oração de quietude, a união simples, a união extática e a união transformante, grau este tão elevado que prenuncia a visão beatífica.

  Cada um deles comportaria uma extensa explicação. Sem embargo, o exíguo espaço de um artigo nos impede de esmiuçá-los com vagar, pelo que nos limitaremos a apresentar alguns laivos desta sublime escala que nos faz prelibar, ainda nesta vida, o que será o eterno convívio com Deus.

Um primeiro degrau ao alcance de todos

Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz
Igreja do Mosteiro da Anunciação,
Alba de Tormes (Espanha)

  Os graus da oração representam um progresso rumo ao Reino dos Céus. O primeiro degrau desta hierarquia, que está ao alcance de qualquer um, é a oração vocal. O próprio Divino Mestre, quando seus discípulos pediram que os ensinasse a rezar, ditou o Pai-Nosso (cf. Lc 11, 2-4). Também o Anjo São Gabriel e Santa Isabel compuseram a primeira parte da Ave-Maria (cf. Lc 1, 28.42). E a Santa Igreja, em seu Magistério infalível, recolhendo os ensinamentos de Cristo aos Apóstolos, fixou o Credo Apostólico,7 no qual professamos a integridade de nossa Fé. São estes alguns exemplos consagrados de oração vocal.

  Este tipo de oração é, portanto, expresso por palavras e, por tal motivo, é a única forma de oração pública ou litúrgica. Para que tenha eficácia, ela possui duas condições: deve ser feita com atenção e profunda piedade. “Com a atenção, aplicamos nossa inteligência em Deus. Com a piedade colocamos a vontade e o coração em contato com Ele”.8

  Ensina São Tomás9 que na oração vocal deve-se estar atento às palavras para pronunciá-las com exatidão, ao sentido delas e ao seu fim último, isto é, ao próprio Deus, objeto da oração. Sobre a importância desta atenção, escreveu Santa Teresa: “Para ser oração é necessária a reflexão. Não chamo oração mexer com os lábios sem pensar no que dizemos, nem no que pedimos, nem quem somos nós, nem quem é Aquele ao qual nos dirigimos. […] Porém, o costume de falar à Majestade de Deus como quem fala a um estranho, dizendo o que lhe vem à cabeça, sem reparar se está certo, por ter decorado ou repetido muitas vezes, a isso não tenho em conta de oração”.10

  A oração vocal não é uma prática facultativa, sendo de suma importância na vida espiritual exercitá-la com fervor. Estando com saúde ou agonizante, na consolação ou na aridez, mesmo nos mais altos patamares da santidade, jamais poderá o homem abandonar esta prática diária, pois do contrário poderia comprometer sua salvação eterna.

Meditação e oração afetiva

  A meditação constitui o segundo grau da oração e nela as almas “percebem melhor os chamamentos e convites diversos que faz o Senhor”.11 Ensina-nos a teologia que a meditação consiste na “aplicação racional da mente a uma verdade sobrenatural, a fim de nos convencermos dela e nos movermos a amá-la e praticá-la, com a ajuda da graça”.12 Neste grau será essencialmente utilizada a razão, sem a qual a meditação não poderá efetivar-se. Por isso, proclama o Apóstolo: “Orarei com o espírito, mas orarei também com o entendimento; cantarei com o espírito, mas cantarei também com o entendimento” (I Cor 14, 15).

  Esta forma de orar é um dom particularíssimo de Deus, no qual as almas são introduzidas e inebriadas no amor divino. À alma absorta e embevecida não resta ocasião para pensar em si mesma, pois só se ocupa do que diz respeito ao Amado. São Francisco de Sales13 ensina que para bem meditar devemos nos colocar na presença de Deus, invocando-O e considerando seus mistérios, entregando-Lhe nossos afetos e tomando firmes resoluções.

  Já a oração afetiva ocupa o terceiro grau da oração. É ela uma espécie de meditação simplificada e orientada ao coração, na qual predominam os afetos da vontade sobre o discurso do entendimento. Ela representa um profundo descanso para a alma, uma vez que diminui o rude labor da meditação discursiva. Em relação a este pormenor, incomparáveis são as vantagens espirituais concedidas neste terceiro grau: uma união mais íntima e profunda com Deus, pela qual nos aproximamos cada vez mais do objeto amado; um desenvolvimento especial das virtudes infusas em conexão com a caridade, além de consolos e suavidades sensíveis que servem de estímulo e alento para a prática das virtudes cristãs.

  Os frutos da oração afetiva não são medidos pela quantidade de consolações sensíveis, mas pelas manifestações cada vez mais intensas das virtudes.

Simplicidade e recolhimento infuso

oração
Desponsório espiritual de Santa Catarina
de Sena, por Giovanni di Paolo –
Metropolitan Museum of Art, Nova York

  Simples visão, olhar amoroso a Deus ou às coisas divinas que acende na alma o fogo do amor, eis o quarto grau, conhecido como oração de simplicidade. Os três primeiros graus da oração pertencem à ordem ascética, na qual se sobressai o esforço. Já este quarto representa a transição progressiva e gradual à mística, que é ação direta da graça.

  Neste estágio, a alma é levada por um ardente desejo de glorificar a Deus e de buscá-Lo em pequenos afazeres, unindo-se a Ele com um olhar carregado de amor, como afirma Santa Teresa: “para aproveitar neste caminho e subir às moradas desejadas, o essencial não é pensar muito – é amar muito. Escolhei de preferência o que mais vos conduzir ao amor. Talvez nem saibamos o que é amar, o que não me espanta. Não consiste o amor em ser favorecido de consolações. Consiste, sim, numa total determinação e desejo de contentar a Deus em tudo, em procurar, o quanto pudermos, não ofendê-Lo e em rogar-Lhe pelo aumento contínuo da honra e glória de seu Filho e pela prosperidade da Igreja Católica”.14

  O recolhimento infuso é o quinto grau da oração, sendo o primeiro da escala contemplativa. Ele se caracteriza pela união do entendimento com Deus, na qual se abandona as coisas exteriores para entrar no íntimo da alma. A pessoa sente “um recolhimento suave que a chama ao interior”,15 desejando estar a sós com Deus.

  Rompendo com todas as bagatelas que a prendem à Terra, a alma se entrega à vida interior, mortificando os sentidos e insistindo no amor ardente a Deus. Recebe ela nesta etapa uma “admiração deleitosa que dilata a alma e a enche de gozo e alegria ao descobrir em Deus tantas maravilhas de amor”.16 Ademais, penetra, sem esforço, os mistérios divinos contidos nas palavras do Evangelho, o que com anos inteiros de estudo não poderia conseguir.

Oração de quietude

  Um dos mais célebres graus é o sexto, a oração de quietude, na qual a alma toca o sobrenatural. Consiste em um sentimento íntimo da presença de Deus que cativa a vontade e enche o corpo de suavidade e deleites inefáveis. “A alma fica suspensa de tal sorte que parece estar fora de si”.17

  A diferença fundamental entre a oração de quietude e o recolhimento infuso é que este último é um convite de Deus para reconcentrar-se no interior da alma, onde quer Ele comunicar-Se. “A quietude vai mais longe: começa a dar à alma a posse, o gozo fruitivo do soberano Bem”.18

  Nesta fase, a alma encontra o perfeito equilíbrio entre ação e contemplação, pois, embora tenda ao silêncio e ao repouso, por não encontrar obstáculos no entendimento, pode perfeitamente praticar obras ativas. Admiráveis são os efeitos santificadores que a oração de quietude produz: grande liberdade de espírito que deixa a alma generosa no serviço das coisas divinas, temor filial de Deus, inteira confiança na salvação eterna, amor à mortificação, profunda humildade, desprezo dos deleites terrenos e crescimento em todas as virtudes.19

Os três graus de união

  As almas que chegam a tal patamar, continuam a subir a montanha sagrada da oração, atingindo o sétimo grau: a união simples. É este um grau intensíssimo da oração contemplativa, na qual todas as potências humanas estão cativadas e absortas em Deus. A alma goza da certeza inquebrantável de estar unida plenamente a Deus, acompanhada de uma total ausência de distrações.

  Fortíssimos e inesperados impulsos invadem o espírito, abrasando-o nas chamas do divino amor, a ponto de, ao escutar o nome de Deus, subitamente se lhe acender um ímpeto insaciável e devorador. “A alma arde de desejos de que lhe rompam as ataduras do corpo para voar livremente a Deus”.20

 oração
Imagem de Nossa Senhora das Graças
venerada numa das Casas dos Arautos,
em São Paulo

  O oitavo grau é a união extática. Nele a magnitude da união mística ultrapassa os limites da fragilidade humana e, como consequência, sobrevêm os êxtases, os quais consistem numa fraqueza corporal que suspende os sentidos internos e externos. Em tais arroubamentos, é impossível resistir, tornando-se patente que: “não somos senhores do corpo nem capazes, por conseguinte, de o deter quando Sua Majestade assim quer. Ao contrário, verificamos, por muito que nos pese, que existe acima de nós alguém mais poderoso, e que tais graças são dádivas suas, enquanto de nossa parte nada, absolutamente nada, podemos fazer. Imprime-se, então, muita humildade na alma”.21

  Os êxtases místicos produzem uma energia sobrenatural que leva a alma à prática heroica das virtudes. “É preciso que a alma seja resoluta e corajosa, muito mais do que nos estados precedentes, para arriscar tudo – venha o que vier – e, entregando-se a Deus, deixar-se guiar de bom grado por suas mãos aonde Ele quiser”.22

  A união transformante é o último grau da oração, também conhecida como união consumada. É ela um prelúdio antecipado e preparação imediata para a glória celeste. São João da Cruz define esta oração como a plena transformação no Amado: “a alma, então, mais parece Deus que ela mesma, e se torna Deus por participação, embora conserve seu ser natural, tão distinto de Deus quanto antes, nessa ­atual transformação; assim como o vidro continua sempre distinto do raio que nele reverbera”.23

  Magníficos dons concede à alma este orvalho celeste: a morte total do egoísmo, levando-a a preocupar-se somente com a glória de Deus, sentindo grande desejo de ser crucificada com Cristo, gozo por ser perseguida e caluniada, paz e quietude imperturbáveis, nas quais o ­demônio não consegue penetrar. O Doutor Místico considera ser este “o mais alto estado a que nesta vida se pode chegar”.24

Uma escala para todos

  Ao contrário do que se pode pensar, este percurso da oração, que santifica a alma, não é privilégio apenas de alguns. Sem negar que há vocações especiais, não podemos nos esquecer de que alcançar a santidade própria a seu estado de vida deveria ser a finalidade de todo batizado.

  Contudo, poucos são aqueles que buscam atingir a perfeição… “Ó almas criadas para estas grandezas, e a elas chamadas! Que fazeis? Em que vos entretendes? Baixezas são vossas pretensões e tudo quanto possuís não passa de misérias. Oh! Miserável cegueira dos olhos de vosso espírito! Pois para tanta luz estais cegas; para tão altas vozes, sois surdas; não vedes que, enquanto buscais grandezas e glórias, permaneceis miseráveis e vis, sendo ignorantes e indignas de tão grandes bens!”,25 lamenta ainda São João da Cruz.

  Na verdade, sem a graça não seremos capazes de nos desapegarmos das coisas concretas deste mundo, para elevar as vistas e ascender nesta sublime escala da oração. Recorramos, pois, à Mãe da Divina Graça, que sempre guardou e meditou em seu coração tudo o que o Altíssimo Lhe manifestou (cf. Lc 2, 19.51). (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2016, n. 179, p. 16-20)

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