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Espiritualidade


A via dos prediletos
 
AUTOR: PE. ANTONIO JAKOŠ ILIJA, EP
 
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Deus pede a seus filhos mais amados a participação nas perplexidades sofridas por Jesus nesta Terra. Assim fez com São José, com Santa Joana d’Arc e com tantos outros Santos. E a recompensa não será pequena…

Uma pergunta que talvez possa causar estranheza é se Nosso Senhor era passível de Se surpreender. À primeira vista, a resposta seria um categórico não, pois, sendo Ele Deus, nada escapa a seu conhecimento. Afirmar o contrário seria negar a onisciência divina. Como poderia Jesus desconhecer qualquer detalhe passado, presente ou futuro do que Ele mesmo criou, governa e cuja existência sustenta a cada instante?

Crucifixão, por Lorenzo Monaco – Museu do Louvre (Paris)

  Consideremos, entretanto, que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade não possui apenas natureza divina, mas também humana. Nesta, Deus adquire possibilidades de si impossíveis para Ele, como sentir fome, frio, dor ou incerteza.

  Cristo Se encarnou para sofrer por suas criaturas. Fez-Se “semelhante a nós em tudo, com exceção do pecado” (Hb 4, 15). Esta faceta humana e criada de Nosso Senhor vai dar a clave para a nossa resposta.

Dores mais intensas do que as sentidas na Paixão

  Quando evocamos os sofrimentos de Cristo, pensamos principalmente nas brutais chicotadas recebidas no Pretório, na dor lancinante da coroação de espinhos ou nos seus inenarráveis tormentos ao ser pregado à Cruz. Esses suplícios impactam poderosamente nossa imaginação, mas não foram os que mais fizeram sofrer o Cordeiro Divino.

  Mais lancinantes do que os tormentos físicos foram as dores por Ele sentidas em sua Alma humana e criada. Estes padecimentos afetaram- No muito mais. Seu Coração transbordante de amor sofria inenarráveis tormentos ao ver a rejeição dos homens ante seu desejo de salvá-los. “Quæ utilitas in sanguine meo? – Qual é a utilidade do meu sangue?” (Sl 29, 10), poderia Jesus perguntar.

  Conhecendo de forma pormenorizadamente divina os pecados de cada homem, desde Adão e Eva até o fim do mundo, Jesus os assumira e perdoara. Esse oferecimento certamente não começou aos 30 anos de idade, com o início de sua pregação, mas desde seu nascimento: na Gruta de Belém já estava presente de algum modo a Paixão de Nosso Senhor.

Quatro tipos de conhecimento

  Para melhor compreender como Nosso Senhor sofria, é necessário considerar os quatro tipos de conhecimento que conviviam harmônica e maravilhosamente no Redentor. Enquanto Deus, é Ele onisciente e onipotente, infinitamente feliz e impassível de sofrimento. Em sua humanidade sacratíssima, possui Alma com todas as características da alma humana: inteligência, vontade e sensibilidade.

  Enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tinha Jesus um conhecimento divino de todas as coisas. Sua Alma humana, criada na visão beatífica, gozava do mesmo tipo de conhecimento concedido aos Santos e aos Anjos. E Ele possuía também a ciência infusa, assim chamada porque se comunica à alma por uma só infusão, não sendo adquirida experimentalmente. Era o caso de Adão no Paraíso.

  Em Jesus, esses três conhecimentos conviviam com o conhecimento adquirido pelo uso natural das faculdades mentais, através dos sentidos. Por causa do discursivo deste conhecimento, Nosso Senhor tomava contato com realidades e fatos que, para a natureza humana, não são passíveis de serem conhecidos por outros meios.

  De forma maravilhosa conviviam n’Ele esses quatro conhecimentos, sem se chocarem. De um modo misterioso, o conhecimento divino, a visão beatifica e a ciência infusa, presentes n’Ele, não interferiam no seu conhecimento experimental, a ponto de Ele poder dizer: “Mas do dia e da hora, ninguém sabe, nem os Anjos do Céu, nem o Filho, mas apenas o Pai” (Mc 13, 32). Algumas coisas, por desígnio infinitamente perfeito, somente Deus Pai conhecia, e Nosso Senhor, em sua humana e prodigiosa humildade, ignorava.

Surpresas, desgostos e desilusões

Sonho de São José – Santuário da Santa
Casa de Loreto (Itália)

  Como o conhecimento adquirido de Jesus não era infinito, era no tomar contato com a realidade que o sofrimento d’Ele se fazia presente, à medida que surgiam as surpresas, decepções e perplexidades.

  Assim, logo depois de nascer, tendo já uma lucidez e inteligência prodigiosas, grande dor deve ter padecido ao considerar como o Esperado das Nações estava abandonado numa fria gruta de Belém, deitado em pobre manjedoura, adorado apenas pelos Anjos e pelos pastores.

  Ali o Menino Deus pode ter- -Se surpreendido ao constatar a indiferença do povo eleito diante d’Aquele que os profetas haviam anunciado ao longo dos séculos. Teria isso acontecido se esse povo estivesse, como era sua obrigação, na espera santa, orante e confiante do Redentor prometido por Deus a Adão e Eva ao expulsá-los do Paraíso?

  E o que dizer da infância do Menino Deus? Se, de um lado, a sua presença majestosa provocava nos bons admiração, de outro, nos maus gerava temor e ódio. Se assim acontece com qualquer criança boa, por exemplo, num colégio, como não seria com Aquele que é a própria Bondade? Na medida em que Nosso Senhor progredia em sabedoria, graça e santidade diante de Deus e dos homens (cf. Lc 2, 52), ia compreendendo o grande abismo que se abria entre Ele e o seu povo.

  O acúmulo das surpresas, das perplexidades, dos desgostos, das desilusões foi dando origem a uma tristeza profunda, que chegou ao seu auge no momento pungente em que o Divino Redentor exclama: “Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?” (Mc 15, 34).

Angústia no Horto das Oliveiras

 
Santa Joana d’Arc a caminho do suplício, por Isidore
Patrois – Museu de Belas Artes de Rouen (França)

  Após celebrar a última Páscoa, Jesus, tendo-Se retirado ao Horto das Oliveiras, tomou consigo Pedro, Tiago e João “e começou a ter pavor e a angustiar-se” (Mc 14, 33). Ora, a angústia não existe a não ser quando uma ameaça iminente paira sobre alguém…

  Sem dúvida, o Redentor considerava os acontecimentos e concluía que o povo por Ele amado O trairia. Previa o que iria acontecer, inclusive a perseguição dos discípulos. Depois da morte do Cordeiro, o sumo pontífice já não seria mais nem sumo, nem pontífice; os doutores da Lei, os escribas, as autoridades a respeito das quais, pouco antes, havia dito: “Obedeçam a eles, mas não façam suas obras, pois falam uma coisa e fazem outra” (Mt 23, 3), perderiam toda legitimidade. A sinagoga já não mais teria o munus docendi, e o Templo deixaria de ser a morada do Altíssimo.

  Antevia Ele que os discípulos, desorientados no início, continuariam a frequentar as sinagogas, pois não havia ainda igrejas católicas onde praticar o culto. Calculava o desconcerto deles ao entrar no Templo: que sensação estranha não iriam sentir. As penumbras outrora cheias de bênçãos, agora pareciam trevas. O incenso já não exalava mais um suave perfume. Os sacrifícios de novilhos e cordeiros no altar os chocavam! E os Anjos já não mais estavam lá para acompanhar as oferendas levadas a Deus.

A via de Cristo e dos seus eleitos

  Tudo isso Ele o pressentia e previa, enquanto rezava e abençoava a via das perplexidades, o caminho pelo qual as almas de escol mais se assemelhariam a Nosso Senhor ao longo dos séculos e comprariam graças extraordinárias para a Igreja.

  Deus pede para esses seus filhos mais eleitos participarem de alguma forma nas suas perplexidades. Assim fez com São José, que jamais suspeitou de Maria Santíssima, ou com Santa Joana d’Arc, que morreu exclamando: “As vozes não mentiram!”. Na mesma via se insere a morte aparentemente prematura de uma Santa Teresinha do Menino Jesus e a de tantos outros Santos.

  É arquitetônico que a vida de Nosso Senhor de alguma forma se repita na Igreja, Esposa Mística de Cristo. Ela vai crescendo sempre em graça e santidade, mas não faltam ao longo de sua história momentos de terrível perplexidade que a levam a bradar como seu Fundador: “Senhor, Senhor, por que me abandonaste?”.

  Do flanco traspassado de Nosso Senhor nasceu a Igreja. Se Ela algum dia se encontrar em uma situação similar, aparentando estar morta, não nos preocupemos. Perguntemo- nos, pelo contrário, que novas maravilhas surgirão em seu interior, uma vez superados os momentos de incerteza, de perplexidade e de desconcerto.

  O Reino de Maria profetizado por São Luís Maria Grignion de Montfort pode muito bem nascer depois de uma provação inaudita sofrida pela Santa Igreja. Para os que, durante essa provação, tiverem confiado no triunfo do Imaculado Coração de Maria e tiverem perseverado, a recompensa será demasiadamente grande. (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2016, n. 179, p. 36-38)

 
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