Na segunda metade do século XVI, Veneza era uma das cidades mais populosas da Europa: 175 mil habitantes compartilhavam sua beleza, encanto e vivacidade cultural.
Detentora de uma das maiores frotas marítimas do Ocidente, os cais serviam-lhe de valioso instrumento para a constituição de sua glória e riqueza. Mas essa via aberta à prosperidade podia, por vezes, converter-se em ocasião de iminente perigo: a peste negra rondava as cidades portuárias e manifestava especial atrativo pelas grandes aglomerações urbanas.
No século XIV a Sereníssima República havia já sido tragicamente dizimada pela mortal epidemia, que voltou a açoitá-la mais uma vez em 1575, estendendo por toda parte seu terrível cortejo de mortes e sofrimentos.
Apresentava-se ela sob diversas formas, mas em todos os casos o óbito ocorria rapidamente. Escassas eram as chances de sobrevivência, e enormes as possibilidades de contágio. Nessa sua segunda irrupção, a peste negra ceifou a vida de mais de um terço dos venezianos.
Ante a magnitude da catástrofe, o Senado da Sereníssima República deliberou, em setembro de 1576, que o Doge Alvise I Mocenigo fizeste voto de erigir uma igreja dedicada ao Santíssimo Redentor, com a finalidade de implorar à Misericórdia Divina o fim da incontrolável epidemia.
Em 3 de maio do ano seguinte, lançou-se na Ilha da Giudecca a pedra fundamental do templo votivo, a ser construído sob a direção do célebre Andrea Palladio. Entrementes, a doença continuava a provocar numerosas mortes.
Porém, setenta dias depois, em meio ao júbilo geral, a peste negra era declarada definitivamente extinta. Cheios de gratidão para com a Divina Providência, os venezianos decidiram rememorar anualmente essa data.
Desde então, há mais de quatro séculos, celebra-se no terceiro domingo de julho a festa do Redentor, uma das mais belas e populares da Cidade dos Doges. Inicia-se no dia anterior, com a abertura da “Ponte Votiva”, formada por barcos, que liga o Zattere à Ilha da Giudecca, cobrindo uma d i s t â n c i a de 330 metros. E culmina com a solene Missa celebrada pelo Patriarca na Igreja do Santíssimo Redentor.
Na noite de sábado, dá-se durante cerca de 45 minutos um espetáculo de singular beleza: uma queima de fogos de artifícios que tem como palco cênico o inigualável e poético Bacino di San Marco.
Nessa hora, dezenas de milhares de espectadores elevam seus olhos aos céus para contemplar, extasiados, a deslumbrante exibição pirotécnica. Em sua cromática féerie, ela evoca a majestosa figura do Redentor da humanidade, sempre disposto a derramar em cascatas de luz e de graça os tesouros indizíveis da sua divina misericórdia.
Igreja do Santíssimo Redentor |
(Revista Arautos do Evangelho, Set/2011, n. 117, p. 50-51)