Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Espiritualidade


Finalidade da música sacra: a glória de Deus e a santificação dos fiéis
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
0
0
 

“Quanto chorei ouvindo vossos hinos, vossos cânticos, os acentos suaves que ecoavam em vossa Igreja! Que emoção me causavam! Fluíam em meu ouvido, destilando a verdade em meu coração. Um grande elã de piedade me elevava, e as lágrimas corriam-me pela face, mas me faziam bem” (Santo Agostinho, Confissões). Este testemunho de Santo Agostinho nos mostra como a música sacra pode ter um papel importante na santificação dos fiéis. E, por isso, os Papas promovem tão empenhadamente o desenvolvimento desta arte, que desde os primeiros tempos do Cristianismo era usada na Liturgia. São Paulo, numa de suas epístolas recomendava: recitai “uns com os outros salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor em vosso coração” (Ef. 5, 19).

Para comemorar o centenário do “Motu Proprio” de São Pio X, “Tra le sollecitudini”, o Papa João Paulo II escreveu um documento sobre o tema, no qual recorda os critérios para a escolha do estilo musical mais adequado para a Liturgia.

Impelido por um profundo desejo “de manter e de promover o decoro da Casa de Deus”, o meu Predecessor São Pio X emanava, há cem anos, o “Motu Proprio” Tra le sollecitudini, que tinha como objetivo a renovação da música sacra nas funções do culto. (…)

O centenário desse documento oferece-me ocasião para destacar a importante função da música sacra, que São Pio X apresenta como um meio de elevação do espírito a Deus e como ajuda para os fiéis na “participação ativa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja”.

A santidade como ponto de referência

A especial atenção que é preciso reservar à música sacra, recorda o Santo Pontífice, deriva do fato de que, “como parte integrante da solene Liturgia, ela participa da finalidade geral desta: a glória de Deus e a santificação e a edificação dos fiéis”. (…) Este delineamento foi retomado pelo Concílio Vaticano II, no capítulo VI da Constituição Sacrosanctum Concilium (…).

Nessa perspectiva, à luz do magistério de São Pio X e dos meus outros Predecessores, e considerando em particular os pronunciamentos do Concílio Vaticano II, desejo novamente propor alguns princípios fundamentais para este importante setor da vida da Igreja, com a intenção de fazer com que a música sacra corresponda cada vez mais à sua função específica.

Em conformidade com os ensinamentos de São Pio X e do Concílio Vaticano II, é preciso sublinhar, acima de tudo, que a música destinada aos sagrados ritos deve ter como ponto de referência a santidade: ela, de fato, “será tanto mais santa quanto mais estreita for sua vinculação com a ação litúrgica”. Por este exato motivo, “não é indistintamente tudo aquilo que está fora do templo (profanum) que é apto a transpor-lhe os umbrais”, afirmava sabiamente meu venerável Predecessor Paulo VI (…). Por outro lado, o próprio conceito de “música sacra” recebeu hoje um alargamento de significado, a ponto de incluir repertórios que não podem entrar na celebração sem violar o espírito e as normas da Liturgia.

A reforma realizada por São Pio X visava especificamente purificar a música de igreja da contaminação da música profana teatral, que em muitos países tinha poluído o repertório e a prática musical litúrgica. Também nos nossos tempos é preciso considerar atentamente, como evidenciei na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, que nem todas as expressões de artes figurativas e de música são capazes de “expressar adequadamente o Mistério acolhido na plenitude da fé da Igreja” Conseqüentemente, nem todas as formas musicais podem ser consideradas aptas para as celebrações litúrgicas. (…)

Os cantos e as músicas exigidos pela reforma litúrgica – é bom sublinhá-lo – devem corresponder também às legítimas exigências de adaptação e de inculturação. Porém, cada inovação nesta delicada matéria deve evidentemente respeitar critérios peculiares, como a procura de expressões musicais capazes de proporcionar a participação necessária de toda a assembléia na celebração, sem fazer qualquer concessão à leviandade e à superficialidade. É necessário, portanto, evitar, em última análise, as formas elitistas de “inculturação”, que introduzem na Liturgia composições antigas ou contemporâneas as quais possuam talvez valor artístico, mas usam uma linguagem realmente incompreensível.

Neste sentido – utilizando o termo universalidade – São Pio X indicou um ulterior requisito da música destinada ao culto: “Embora autorizando qualquer nação a introduzir nas composições religiosas as formas particulares que constituem o caráter específico de sua própria música, esta deve estar de tal maneira subordinada aos caracteres gerais da música sacra, que nenhum fiel de outra nação experimente, ao ouvi-la, uma impressão negativa.” Em outros termos, o âmbito sagrado da celebração litúrgica jamais deve tornar-se um laboratório de experiências ou de práticas de composição e de execução introduzidas sem uma verificação atenta.

Canto gregoriano, polifônico e popular

Entre as expressões musicais que mais correspondem às qualidades requeridas pela noção de música sacra, particularmente a litúrgica, o canto gregoriano ocupa um lugar particular. O Concílio Vaticano II reconhece-o como “canto próprio da Liturgia romana” ao qual é preciso reservar, em igualdade de condições, o primeiro lugar nas celebrações litúrgicas cantadas em língua latina. São Pio X explicou que a Igreja “o herdou dos antigos Padres (…) guardou-o ciosamente durante os séculos nos seus códigos litúrgicos (…) e continua propondo-o aos fiéis” como seu, considerando- o “como supremo modelo de música sacra”. Portanto, o canto gregoriano permanece até hoje um elemento de unidade na Liturgia romana.

Como São Pio X, também o Concílio Vaticano II reconhece que “na celebração dos ofícios divinos, não se excluem de modo algum outros tipos de música sacra, especialmente a polifonia”. Portanto, é preciso avaliar com atenção as novas linguagens musicais, para recorrer à possibilidade de expressar também com elas as inextinguíveis riquezas do Mistério reproposto na Liturgia e favorecer assim a participação ativa dos fiéis (…).

Tendo a Igreja sempre reconhecido e favorecido o progresso das artes, não deve causar admiração o fato de ela, além do canto gregoriano e da polifonia, admitir nas celebrações também a música mais moderna, desde que esta respeite o espírito litúrgico e os verdadeiros valores da arte. Portanto, permite-se às Igrejas nas diversas nações valorizarem, nas composições destinadas ao culto, “as formas particulares que constituem de certo modo o caráter específico da música que lhes é própria”. (…) O século passado, com a renovação realizada pelo Concílio Vaticano II, conheceu um desenvolvimento especial do canto popular religioso, do qual a Sacrosanctum Concilium diz: “Promova-se com empenho o canto popular religioso, para que os fiéis possam cantar, tanto nos exercícios de piedade como nos próprios atos litúrgicos”. (…)

No tocante às composições musicais litúrgicas, faço minha a “regra geral” formulada por São Pio X nestes termos: “Uma composição religiosa é tanto mais sagrada e litúrgica quanto mais se aproxima – no andamento, na inspiração e no sabor – da melodia gregoriana; e é tanto menos digna do templo quanto mais se distancia desse modelo supremo”. Não se trata, evidentemente, de copiar o canto gregoriano, mas sim de fazer com que as novas composições estejam impregnadas do mesmo espírito que suscitou e, pouco a pouco, modelou esse canto. (…)

É importante, de fato, que as composições musicais utilizadas nas celebrações litúrgicas correspondam aos critérios enunciados por São Pio X e sabiamente desenvolvidos, quer pelo Concílio Vaticano II quer pelo sucessivo Magistério da Igreja. Nesta perspectiva, estou persuadido de que também as Conferências episcopais examinem cuidadosamente os textos destinados ao canto litúrgico e dediquem especial atenção em avaliar e promover melodias que sejam verdadeiramente aptas para o uso sagrado.

O órgão e outros instrumentos musicais

Ainda no plano prático, o “Motu Proprio” cujo centenário se celebra aborda também a questão dos instrumentos musicais a serem utilizados na Liturgia latina. Dentre eles, reconhece sem hesitação a prevalência do órgão de tubos e estabelece oportunas normas sobre o seu uso. O Concílio Vaticano II acolheu plenamente a orientação do meu Predecessor, determinando: “Tenha-se grande apreço, na Igreja Latina, pelo órgão de tubos, tradicional instrumento musical cujo som é capaz de conferir às cerimônias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito a Deus e às coisas celestes”.

Deve-se, porém, reconhecer que as composições atuais utilizam com freqüência modos musicais diversificados, não-desprovidos de dignidade. Na medida em que servem de ajuda para a oração da Igreja, podem constituir um precioso enriquecimento. É preciso, porém, vigiar para que os instrumentos sejam adequados ao uso sacro, correspondam à dignidade do templo, possam sustentar o canto dos fiéis e favoreçam sua edificação. (Revista Arautos do Evangelho, Janeiro/2004, n. 25, p. 16 à 19)

 
Comentários