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Espiritualidade


O que é a verdade?
 
AUTOR: DIÁC. WINSTON DE LA CONCEPCIÓN SALAZAR ROJAS, EP
 
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O homem vive à procura da verdade. Ama-a quando ela se lhe manifesta, e pode chegar a odiá-la quando ela o repreende... Tal é o espírito humano, sem o auxílio da graça divina.

Conta-se que, certa feita, querendo pregar uma peça em São Tomás de Aquino, alguns frades começaram a chamá-lo com insistência:

– Vem ver um burro voando!

E aguardaram ansiosos sua reação, prontos a rir-se do irmão de hábito. Acorreu o santo ao local e pôs-se a perscrutar os ares à procura do inusitado fenômeno, enquanto os outros desatavam em gargalhadas, criticando- o:

– Mas, homem de Deus! Como podes ser tão ingênuo? Tu, que pareces conhecer tudo, deverias saber que é impossível burros voarem.

A brincadeira cessou de modo imprevisto, quando Frei Tomás respondeu com seriedade:

– É que me parece coisa mais possível ver um burro voar do que religiosos mentirem…1

Essa curiosa história nos introduz em um apaixonante tema: mentira, verdade… o que é a verdade?

Se considerarmos com atenção, veremos tratar-se do problema mais elementar que todo homem se põe no íntimo de

o que e verdade_1.JPG
“O que é verdade? Foi esta pergunta,
carregada de ironia, feita por Pilatos Àquele
que afirmou de Si: “Eu nasci e vim ao mundo
para isto: para dar testemunho da verdade.
Todo aquele que é da verdade escuta
Minha voz” 
Jesus diante de Pilatos – Mosaico italiano
da Igreja Ortodoxa do Sangue Derramado,
São Petersburgo, Rússia)

seu ser. A todo momento, em tudo quanto observa ou pensa, em tudo aquilo que sente, o homem tem uma propensão, uma aspiração ou uma inclinação a buscar uma certeza, uma verdade na qual se basear.

Daí vem o famoso “Por quê?” das crianças, que querem saber de tudo; em sua inocência, elas se admiram e se encantam diante de um mundo novo que oferece, às suas mentes ansiosas de conhecer, uma infinidade de atraentes questões.

Conformidade entre a realidade e o pensamento

Em vista disso, o que é a verdade? Foi esta a pergunta, carregada de ironia, feita por Pilatos Àquele que afirmou de Si: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a Minha voz” (Jo 18, 37).

A mesma indagação, muitos a fazem hoje, sem encontrar resposta satisfatória. Habitualmente, conceitua- se a verdade como a conformidade entre o que se pensa e a realidade. Assim a entenderam fundamentalmente a Filosofia clássica e a escolástica, desde Aristóteles, para quem a verdade consiste em afirmar o que é e negar o que não é; e São Tomás a define como a adequação da coisa e do intelecto: “veritas est adæquatio rei et intellectus”.2

A humildade, primeiro requisito para alcançar a verdade

De sua parte, com seu característico estilo, Santa Teresa de Jesus vincula estreitamente a verdade à virtude da humildade. Assim escreve ela em seu famoso livro As Moradas ou Castelo:

Certa vez estava eu refletindo sobre a razão pela qual Nosso Senhor é tão amigo desta virtude da humildade, e logo ocorreu-me o seguinte: é porque Deus é a suma verdade, e a humildade consiste em andar na verdade”. Depois de explicar que “anda na verdade” quem não faz bom conceito de si mesmo, mas reconhece que, de si, é nada e miséria, a grande doutora da Igreja acrescenta: “Quem não entende isso, anda na mentira. E a quem mais entende isso, mais agrada a suma verdade, porque anda nela”.3

Desse modo, a mística de Ávila nos ensina a atitude que devemos assumir diante de nosso Deus e Criador. É necessário aceitar Sua soberania e onipotência, o que implica reconhecer em nós – e nos outros – tanto as qualidades, virtudes e dons que o Criador nos tenha outorgado em Sua infinita liberalidade, quanto nossos pecados, defeitos e erros, que devemos não somente detestar, mas procurar corrigir. Ou seja, quem ama e pratica a virtude da humildade, não tergiversa nem manipula a verdade de acordo com sua própria conveniência, mas encara a realidade como ela é, objetivamente.

Com razão afirma o Papa Bento XVI, na introdução de sua Encíclica Caritas in veritate:

“Defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhála na vida são formas exigentes e imprescindíveis de caridade. Esta, de fato, ‘rejubila com a verdade’ (I Cor 13, 6). Todos os homens sentem o impulso interior para amar de maneira autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo neles, porque são a vocação colocada por Deus no coração e na mente de cada homem. Jesus Cristo purifica e liberta das nossas carências humanas a busca do amor e da verdade e desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projeto de vida verdadeira que Deus preparou para nós. Em Cristo, a caridade na verdade torna-se o Rosto da Sua Pessoa, uma vocação a nós dirigida para amarmos os nossos irmãos na verdade do seu projeto. De fato, Ele mesmo é a Verdade (cf. Jo 14, 6)”.

São Tomás de Aquino, o “apóstolo da verdade”

É conhecida a afirmação do Aquinate: “Omne verum, a quocumque dicatur, a Spiritu Santo est” – “toda verdade, dita por quem quer que seja, vem do Espírito Santo”.4 Com isto nos ensina que, “para o conhecimento de uma verdade, de qualquer ordem que seja, alguém precisa do auxílio divino para que o intelecto seja movido por Deus ao seu ato”.5 Este anelo da verdade mereceu ao Doutor Angélico o reconhecimento de vários Papas, entre os quais Paulo VI:

 

SANTA TERESA DE AVILA.JPG
“Por que Nosso Senhor é tão amigo da virtude
da humildade? Porque Ele é a suma verdade,
e a humildade consiste em andar na verdade.”  
Santa Teresa de Ávila – Basílica de São Pedro
Vaticano

“Esse afã de procurar a verdade, entregando-se a ela sem regatear qualquer esforço – afã que São Tomás considerou a missão específica de toda a sua vida, e cumpriu eximiamente em seu magistério e em seus escritos – faz com que se possa denominá-lo com toda razão ‘apóstolo da verdade’, e propô-lo como exemplo a todos quantos desempenham a função de ensinar. Contudo, ele brilha a nossos olhos também como admirável modelo de erudito cristão que, para captar as novas preocupações e dar resposta às novas exigências do progresso cultural, não sente necessidade de sair das vias da Fé, da Tradição e do Magistério, que as riquezas do passado e o selo da verdade divina lhe proporcionam”.6

O princípio de não-contradição

Um princípio fundamental da Filosofia se encontra na base da verdade: o princípio de não-contradição, segundo o qual uma coisa não pode ser e não ser, sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo. Como princípio, é evidente e dispensa demonstração, pois, por assim dizer, a inteligência pode apreendê-lo intuitivamente. Para alcançar a verdade, o homem deve construir seu pensamento tendo como base este princípio, pois do contrário cairá no erro e na confusão. Princípio proclamado pela própria Sabedoria Eterna e Encarnada, ao advertir os discípulos: “Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não. O que passa disso vem do Maligno” (Mt 5, 37). De forma mais categórica ainda, o livro do Apocalipse manifesta quanto o Senhor aprecia a veracidade e a coerência: “Ao Anjo da igreja que está em Laodiceia, escreve: ‘Assim fala o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus: Conheço a tua conduta. Não és frio, nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitarte de Minha boca'” (Ap 3, 14-16).

É obrigação moral manter-se na verdade

Para esclarecer o assunto de como pode a razão humana conhecer a verdade e de que, uma vez conhecida esta, tem-se o dever moral de segui-la, o conceituado filósofo espanhol Jaime Balmes aborda o tema de como o caráter racional do homem requer que suas ações possuam um fundamento na razão, por ser esta a mais importante de suas faculdades:

“É claro que a inteligência não pode ficar indiferente ante a verdade e o erro, e sua perfeição consiste no conhecimento da verdade; por isso temos o dever de buscá-la. E quando não empregamos a inteligência nesse objetivo, abusamos da melhor de nossas faculdades. O objeto da inteligência é a verdade, porque a verdade é o ser; e o nada não pode ser objeto de nenhuma faculdade. Quando conhecemos o ser, conhecemos a verdade; por conseguinte, temos o dever de procurar o conhecimento da realidade das coisas. Se, por indolência, paixão ou capricho, extraviamos nossa inteligência, fazendo- a consentir no erro – seja por criar como existentes objetos que não existem, ou como não existentes os existentes; seja por atribuir-lhes relações que não têm, ou negar-lhes as que têm -, cometemos uma falta contra a lei moral, porque nos afastamos da ordem prescrita à nossa natureza pela sabedoria infinita. O amor à verdade não é uma simples qualidade filosófica, mas um verdadeiro dever moral. Procurar ver nas coisas o que existe, e nada mais do que aquilo que existe, que é no que consiste o conhecimento da verdade, não é apenas um conselho da arte de pensar: é também um dever prescrito pela lei do agir bem”.

De onde se compreende a advertência feita pelo Divino Mestre aos que não querem andar nos caminhos da verdade: “O vosso pai é o diabo, e quereis cumprir o desejo do vosso pai. Ele era assassino desde o começo e não se manteve na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele fala mentira, fala o que é próprio dele, pois ele é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44).

A unidade da verdade: postulado fundamental da razão humana

Assim, pois, já que toda verdade, todo bem e toda beleza provêm de Deus como de sua fonte, é impossível haver contradição na verdade. O que pode variar é o caminho para se chegar a ela, a partir da Fé, da Filosofia ou da ciência. Mas, como ocorre em toda a Criação, há uma hierarquia e uma ordem admiráveis também na esfera do conhecimento.

Somos criaturas especialmente complexas, tendo algo de espiritual e algo de material. Pois bem, o espírito é superior à matéria, a ordem sobrenatural é superior à ordem natural, de maneira que o estudo daquilo que se refere a Deus é superior, pelo seu próprio objeto, a qualquer outro. Isso não tira nem diminui a importância, a utilidade e a necessidade do estudo do universo. Para isso, o ser humano – criatura racional feita à imagem e semelhança de Deus – possui a inteligência, que o leva a querer investigar o universo. Bem ordenada, essa inteligência, por si só, pode e deve conduzir a seu Criador; iluminada pela luz da Fé, chegará inclusive a discernir os mistérios e as verdades da ordem sobrenatural:

NSJC.JPG
“Seja o vosso sim, sim, e o vosso  não, não.
O que passa disso vem do Maligno”.       
Cristo Rei – Igreja de Santo André,
Bayone – França

“Esta verdade, que Deus nos revela em Jesus Cristo, não está em contraste com as verdades que se alcançam filosofando. Pelo contrário, as duas ordens de conhecimento conduzem à verdade na sua plenitude. A unidade da verdade já é um postulado fundamental da razão humana, expresso no princípio de não contradição. A Revelação dá a certeza desta unidade, ao mostrar que Deus criador é também o Deus da história da salvação. Deus que fundamenta e garante o caráter inteligível e racional da ordem natural das coisas, sobre o qual os cientistas se apoiam confiadamente, é o mesmo que Se revela como Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta unidade da verdade, natural e revelada, encontra a sua identificação viva e pessoal em Cristo, como recorda o Apóstolo Paulo: ‘A verdade que existe em Jesus’ (Ef 4, 21; cf. Cl 1, 15-20). Ele é a Palavra eterna, na qual tudo foi criado, e ao mesmo tempo é a Palavra encarnada que, com toda a Sua pessoa, revela o Pai (cf. Jo 1, 14.18). Aquilo que a razão humana procura ‘sem o conhecer’ (cf. At 17, 23), só pode ser encontrado por meio de Cristo: de fato, o que nEle se revela é a ‘verdade plena (cf. Jo 1, 14-16) de todo o ser que, nEle e por Ele, foi criado e, por isso mesmo, nEle encontra a sua realização (cf. Cl 1, 17)”.7

A verdade impõe deveres

Por isso, a razão humana, quanto mais se aprofunda no estudo do universo, mais se admira ao conhecer sua perfeição, sua harmonia e sua beleza, que nunca podem ser produto do acaso, do mesmo modo como não pode acontecer que milhares de letras lançadas por uma janela componham, ao cair, a Divina Comédia, de Dante. De onde podemos concluir que sábio e inteligente não é somente quem muito conhece ou entende, mas sobretudo quem, admirando a obra de arte que é a criação, remonta ao Criador. Pois ninguém é tolo a ponto de, contemplando uma maravilha da técnica ou uma obra de arte, acreditar que não teve autor ou causa.

Não obstante, quando o homem orgulhosamente viola esse natural afã pela verdade, instala-se em seu espírito a desordem; na sua mente, a confusão; em suas ideias, o caos; e cairá mais tarde em crises psicológicas, morais e espirituais que podem atingir todos os âmbitos de sua existência. De maneira que, quem erige “sua” verdade, constrói sua alma sobre a areia movediça do individualismo e do egoísmo mais exacerbado, com as trágicas sequelas que derivam de quem se coloca como origem e medida da verdade. De outro lado, quem adere à Verdade alcança, junto com ela, a liberdade: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres” (Jo 8, 32). O Papa Bento XVI, na Missa Crismal da Quinta- Feira Santa deste ano, explica os deveres que a verdade impõe:

“Ser imersos na verdade e, deste modo, na santidade de Deus significa para nós também aceitar o caráter exigente da verdade; contrapor- se, tanto nas coisas grandes como nas pequenas, à mentira, que de modo tão variado está presente no mundo; aceitar a fadiga da verdade, porque a sua alegria mais profunda está presente em nós. Quando falamos de ser consagrados na verdade, também não devemos esquecer que, em Jesus Cristo, verdade e amor são uma coisa só. Ser imersos nEle significa ser imersos na Sua bondade, no amor verdadeiro”.8

De maneira que o homem, tendo conhecido a verdade, deve segui-la, e aceitar seus conselhos como se tratasse de seu melhor amigo, de acordo com a famosa frase atribuída ao Estagirita: “Amicus Plato, sed magis amica veritas – Platão é amigo, porém, mais amiga é a verdade”.9 Esse caminho em busca da verdade exige do homem uma atitude de aceitação dela e de rejeição do erro, como explica João Paulo II:

“‘Todos os homens desejam saber’ (Aristóteles, Metafísica, I, 1) e o objeto próprio deste desejo é a verdade. A própria vida cotidiana demonstra o interesse que tem cada um em descobrir, para além do que ouve, a realidade das coisas. Em toda a criação visível, o homem é o único ser que é capaz não só de saber, mas também de saber que sabe, e por isso se interessa pela verdade real daquilo que vê. Ninguém pode sinceramente ficar indiferente quanto à verdade do seu saber. Se desc

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“Toda verdade, dita por quem quer
que seja, vem do Espírito Santo”  
Glória do Espírito Santo – Museu
Arquidiocesano de Arte Sacra,
Rio de Janeiro

obre que é falso, rejeita- o; se, pelo contrário, consegue certificar- se da sua verdade, sente-se satisfeito. É a lição que nos dá Santo Agostinho, quando escreve: ‘Encontrei muitos com desejos de enganar outros, mas não encontrei ninguém que quisesse ser enganado’ (Confissões, X, 23, 33: CCL 27,173). Considerase, justamente, que uma pessoa alcançou a idade adulta, quando consegue discernir, por seus próprios meios, entre aquilo que é verdadeiro e o que é falso, formando um juízo pessoal sobre a realidade objetiva das coisas. Está aqui o motivo de muitas pesquisas, particularmente no campo das ciências, que levaram, nos últimos séculos, a resultados tão significativos, favorecendo realmente o progresso da humanidade inteira”.10

A verdade engendra o ódio

Diante desse panorama, como se pode explicar o fato de Jesus Cristo – o Caminho, a Verdade e a Vida – ter sido perseguido por aqueles que diziam procurar a verdade, a ponto de crucificá-Lo entre dois ladrões?

A isso responde o imortal Doutor da Graça. Comentando a famosa frase de Terêncio, “Veritas odium parit” (A verdade engendra o ódio), Santo Agostinho se pergunta como explicar fato tão absurdo. Com efeito, pondera ele, o homem ama naturalmente a felicidade e, dado que esta consiste na alegria nascida da verdade, seria uma aberração alguém tomar como inimigo quem prega a verdade em nome de Deus. Enunciado assim o problema, passemos à explicação. A natureza humana é tão tendente à verdade que, quando o homem ama algo contrário à verdade, deseja que esse algo seja verdadeiro. Com isso engana-se a si mesmo, convencendo-se de que é verdadeiro o que na realidade é falso. É preciso, pois, que alguém lhe abra os olhos. Ora, como o homem muitas vezes não admite que se lhe demonstre que se enganou, tampouco tolera que se lhe demonstre o erro no qual se encontra. E a Águia de Hipona conclui:

“Assim, odeiam a verdade porque amam aquilo que supõem ser a verdade. Amam-na quando ela brilha, e a odeiam quando ela os repreende. […] Mas a verdade sabe retribuir: como eles não querem ser por ela revelados, ela os denunciará contra a vontade deles, e não mais se revelará a eles. Assim é o espírito humano: cego e preguiçoso, torpe e indecente; deseja permanecer escondido, mas não quer que nada lhe seja ocultado. E sucede-lhe o contrário: ele não se esconde da verdade, mas é esta que se lhe oculta”.11

Relativismo

Ao discorrer sobre a verdade, não se pode deixar de tratar também de um fenômeno tão atual como a globalização, e muito ligado a ela, o relativismo. Este último, tão em moda hoje, propugna, em última análise, que: não existe uma verdade, mas sim verdades; não se pode afirmar nada como tendo uma validez eterna e universal; as diversas e variadas circunstâncias históricas, culturais, sociais ou temporais podem modificar os conceitos e as coisas.

De acordo com essa concepção relativista, se justifica uma série de comportamentos e situações que até há pouco eram considerados reprováveis, mas que hoje reputam-se aggiornatti, uma vez que “os tempos mudaram”, como se costuma dizer. Embora os tempos mudem, sabemos e cremos que a Palavra de Deus não muda (como também o homem é sempre o mesmo em essência), pois mais facilmente “passarão o céu e a terra do que se perderá uma só letra da Lei” (Lc 16, 17).

A Igreja, coluna e sustentáculo da verdade

Concluindo estas reflexões, não podemos senão admirar e ponderar como é maravilhoso haver Deus dotado a Igreja

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A estrela  que  nos  guia  até o
Porto da Verdade é a Virgem
Imaculada 
“Nossa Senhora da Luz” –
Convento da Luz – São Paulo

de uma voz infalível, que transmite a verdade cristalina, evitando- lhe naufragar na tempestade de opiniões e de pareceres pessoais desordenados e desarmônicos, que acontece quando não se segue a verdade. Alguém dirá que isto constitui uma amarra, e outro mais atrevido dirá que o dogma cerceia a liberdade. Nada mais contrário à realidade. Qual o insensato capaz de afirmar que as leis de trânsito escravizam os motoristas e lhes coarctam a “liberdade” de colidir com outros veículos ou de atropelar os pedestres? E quem não vê a utilidade do corrimão na escada para evitar acidentes?

Por isso, dignou-Se Deus ornar Sua Igreja, “coluna e sustentáculo da verdade” (I Tm 3, 15), com a preciosa joia que é a infalibilidade papal, graças à qual sabemos e cremos que o Sumo Pontífice, assistido diretamente pelo Espírito Santo, não se equivoca em matéria de Fé e moral. Isso dá à Igreja um fundamento sólido como uma rocha. Ainda que as tempestades ameacem submergi-la, podemos confiar em sua continuidade, pois não se deixará de cumprir a palavra do Senhor segundo a qual as portas do inferno não prevalecerão contra ela (cf. Mt 16, 18).

Quem nos conduz à verdade é o Espírito Santo

Somente na Verdade e no Amor – em uma palavra, somente em Deus – pode a criatura humana saciar a fome e sede de plenitude que leva em si. Distante de Deus só se encontram trevas, erro e confusão. Precisamos reconhecer que somos seres débeis, limitados e contingentes; nossa inteligência, com o pecado original, ficou obscurecida e nossa vontade, inclinada ao mal. Contudo, Deus, em Sua misericórdia, dispôs a solução e nos concedeu com infinita generosidade todos os meios de que necessitamos para alcançar a felicidade à qual anelamos. Sem embargo, enquanto o coração dos homens não se voltar para seu Criador e Senhor, não encontrará a paz, a tranquilidade, a felicidade; pois, como disse Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti”.12 Quem nos há de conduzir à Verdade é o Espírito Santo, segundo a promessa de Cristo aos Apóstolos: “Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a verdade, porque não falará por Si mesmo, mas dirá o que ouvir, e anunciar-vos-á as coisas que virão” (Jn 16, 13).

E a estrela que nos guia até o Porto da Verdade é a Virgem Imaculada. Ela nos indica como proceder, do mesmo modo como nas bodas de Caná, quando disse aos serventes: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Essa singela frase resume todo o itinerário cristão. Fazer o que Jesus nos diz, como Maria, que guardava todas as Suas palavras e as meditava em Seu coração (cf. Lc 2, 19.51). ?

1 Cf. SILVEIRA, Pablo da. Historias de filósofos. Buenos Aires: Ed. Alfaguara, 1997, p. 88.
2 Cf. AQUINO, São Tomás. De Veritate q. 1a. 1; Summa Theologica I, q. 16, a. 1, Resp.
3 Sexta morada, cap. X.
4 AQUINO, São Tomás de. Summa Theologica. I-II, q. 109, a. 1, ad 1.
5 Idem, ibidem.
6 Carta Apostólica Lumen Ecclesiæ, 20/11/1974, n. 10.
7 JOÃO PAULO II. Encíclica Fides et ratio, 14/9/1998, n. 34.
8 Homilia, 9/4/2009.
9 Frase atribuída a Aristóteles por Ammonio em sua obra La vida de Aristóteles.
Apud FRAILE, Guillermo.
Historia de la Filosofia. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1975, p. 417.
10 JOÃO PAULO II, Op. cit., n. 25.
11 SANTO AGOSTINHO. Confissões, livro X, cap. XXIII.
12 Idem I, 1, 1.

 (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2009, n. 95, p. 18 à 23)

 
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