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Espiritualidade


Um soneto que fala da vocação de cada um
 
AUTOR: SANTIAGO VIETO RODRÍGUEZ
 
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Não incidamos mais no erro apontado pelo grande poeta. Escutemos hoje a voz d’Aquele que com tanto amor nos chama. Sejamos fiéis à nossa vocação de filhos de Deus.

No soneto ¿Qué tengo yo que mi amistad procuras?, o grande Lope de Vega,1 com sua singular arte cheia de piedade e genialidade, nos convida a meditarmos por um prisma todo especial sobre o chamado que Deus faz a cada um de nós.

“Que há em mim, que minha amizade procuras? / Que interesse Te move, ó meu Jesus, / para, coberto de orvalho à minha porta, / passares do inverno as noites escuras?”

Ao lermos esse poema, escrito há mais de quatro séculos, somos convidados a meditar num Deus que, com insistente e paciente suavidade, bate à porta do nosso espírito. Ele deseja ser nosso amigo, mas Se depara, muitas vezes, com corações de pedra, apegados às coisas efêmeras, sem capacidade de transcender e encontrar-se com seu Senhor. Seu chamado recebe com frequência a gélida recusa de quem fecha os ouvidos à voz da vocação.

Ora, em que consiste esse chamado? Como se manifesta e qual é sua importância?

É loucura querermos fechar os ouvidos

A palavra vocação vem do verbo latino vocare, que significa convocar, chamar. Deus convida todos os homens à santidade, mas dá a cada ser humano uma vocação individual e insubstituível: refletir de forma única a luz do Criador, e dar-Lhe uma glória específica que nenhuma outra criatura poderá Lhe dar.

Entretanto, nem sempre procuramos seguir essa vocação; pelo contrário, muitas vezes tentamos fugir dela por todos os meios.

“Oh! Quanto foram minhas entranhas duras, / pois não Te abri! Que estranho desvario, / se de minha ingratidão o gelo frio / secou as chagas de tuas plantas puras!”

É realmente um estranho desvario – atrevo-me a dizer: uma completa loucura – fazer-se de surdo ao chamado de Deus. Essa atitude decorre da falsa ideia de que, fazendo nossa vontade, obteremos a felicidade nesta vida, a qual, se bem analisada, não passa de um conjunto de satisfações efêmeras nascidas do egoísmo e do capricho.

Enganados desse modo por nossa concupiscência e por agentes externos que nos conduzem à perdição, descemos loucamente rumo à morte eterna, proclamando que somos livres quando, na realidade, nos tornamos repugnantes escravos de nossas paixões e do pai da mentira.

Não existe vocação para a mediocridade

Quão diferente seria se, em vez de nos perguntarmos: “O que quero fazer com minha vida?”, nos questionássemos: “Qual é o plano de Deus para minha vida?”

A verdadeira felicidade, nós a encontraremos se fizermos a vontade de Deus: “Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, o resto vos será dado por acréscimo” (Mt 6, 33). Se tivermos por meta a santidade, um belo panorama se abrirá ante nossos olhos. O que antes parecia ser a finalidade de nossa existência: os sombrios e confusos matagais do materialismo, a idolatria do dinheiro, da fama, dos vis prazeres, que não nos permitiam avançar nem discernir a meta, tudo isso desaparecerá. Tornar-se-á assim desimpedida a via rumo à perfeição espiritual; seremos capazes de contemplar o glorioso cume da montanha da santidade, ou seja, da entrega total a Deus.

Árdua será, por certo, a ascensão. Para nenhum homem é cômodo galgar a rampa do seu próprio calvário! Mas não nos faltará o auxílio da graça divina, sobretudo se recorrermos à Medianeira de todas as graças; além disso, seremos reconfortados ao contemplar os magníficos panoramas que a fé e a esperança desdobrarão aos olhos de nossa alma; e sentiremos a suma consolação de estar cada vez mais perto do Divino Redentor. 

Dizia o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira que “não há um homem criado para um destino apagado ou medíocre. Ele pode não ser célebre aos olhos dos outros homens – isto é diferente –, mas ele é chamado para o Céu, e no Céu nada é medíocre. O Céu é um palácio de um Rei, onde todos são gentis-homens e, portanto, todos foram criados para ser um astro, para brilhar por seu grande valor de alma”.2

E o Céu, só o conquistam aqueles que sabem ser alpinistas de si mesmos e usar de sábia e santa intransigência contra suas próprias fraquezas.

“Serei Eu mesmo a tua recompensa”

Finaliza o mestre Lope de Vega:

“Quantas vezes o Anjo me dizia: / ‘Assoma-te agora, ó alma, à janela, / verás com quanto amor a chamar porfia!’ / E quantas vezes – arrogante escapadela! – / ‘Abri-la-ei amanhã’, eu respondia, / para amanhã repetir a mesma balela!”

Não incidamos mais nesse erro. Escutemos hoje a voz d’Aquele que com tanto amor nos chama. Sejamos fiéis à nossa vocação de filhos de Deus e à nossa vocação específica. Quão tolos seremos se não Lhe abrirmos! Quanto, quanto perderemos!

Aprendamos a ouvir também a voz de nosso Anjo da Guarda e de tantos bons conselheiros enviados por Deus para indicar-nos o caminho que a Ele conduz. Não fazê-lo torna-nos facilmente merecedores do castigo eterno!

E se nos sentimos sem as forças necessárias, devido à nossa grande miséria, recorramos com toda confiança à nossa Mãe Celestial. Ela nos dará vigor para vencer os obstáculos, abrirá para nós a porta e nos levará até junto de seu Divino Filho.

“Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e Me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, Eu com ele e ele comigo” (Ap 3, 20). E qual será nosso prêmio? Responde-nos o Senhor: “Serei Eu mesmo a tua recompensa demasiadamente grande” (cf. Gn 15, 1).

Jesus bate à porta da alma
Cemitério da Consolação, São Paulo

Que há em mim, que minha amizade procuras? Que interesse Te move, ó meu Jesus, para, coberto de orvalho à minha porta, passares do inverno as noites escuras?

Oh! Quanto foram minhas entranhas duras, pois não Te abri! Que estranho desvario, se de minha ingratidão o gelo frio secou as chagas de tuas plantas puras!

Quantas vezes o Anjo me dizia: “Assoma-te agora, ó alma, à janela, verás com quanto amor a chamar porfia!”

E quantas vezes – arrogante escapadela! “Abri-la-ei amanhã”, eu respondia, para amanhã repetir mesma balela!

Félix Lope de Vega

(Revista Arautos do Evangelho, Julho/2018, n. 199, p. 34-35)

1 Peça-chave do Século de Ouro Espanhol, Félix Lope de Vega y Carpio (1562- 1635) foi um dos mais prolíficos poetas e dramaturgos da História. É autor de inúmeras outras obras literárias, entre as quais três mil sonetos e centenas de comédias. 2 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 23 abr. 1973.

 
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