Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Espiritualidade


Uma manifestação do amor divino
 
AUTOR: IR. MARIA CECÍLIA LINS BRANDÃO VEAS, EP
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
1
0
 
Privilégio de Deus, os milagres encerram em si um fim altíssimo: a salvação eterna dos homens, pelo fato de os elevarem à consideração de seu fim sobrenatural.

Depois de ter feito inumeráveis milagres por onde passava, Jesus chegou a Nazaré. Estando num sábado na sinagoga, deram-lhe o Livro do Profeta Isaías. Desenrolou, escolheu com segurança uma passagem e leu: “O Espírito do Senhor repousa sobre Mim, porque o Senhor consagrou-Me pela unção; enviou-Me a levar a Boa-nova aos humildes, curar os corações doloridos, anunciar aos cativos a redenção, e aos prisioneiros a liberdade; proclamar um ano de graças da parte do Senhor” (Is 61, 1-2).

Terminada a leitura, enrolou o livro, “deu-o ao ministro e sentou-Se; todos quantos estavam na sinagoga tinham os olhos fixos n’Ele. Ele começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir” (Lc 4, 20-21).

Da admiração à rejeição mais completa

Num primeiro momento, o Divino Mestre despertou um surto de admiração em seus ouvintes, mas logo “sobreveio a desconfiança e, em seguida, o ódio mortal”. Tendo ouvido suas palavras, os nazarenos lançaram-No para fora da cidade, conduziram-No até o alto do monte e tentaram precipitá-Lo daí para baixo (cf. Lc 4, 29).

As palavras de Nosso Senhor não podiam ter sido mais claras: encontrava-Se diante deles o Esperado das Nações previsto pelos profetas, uma nova era cheia de bênçãos e espiritualidade despontava no horizonte. Aqueles judeus, porém, não desejavam a vinda de um Homem-Deus. Não havia lugar em seus corações para o ensinamento novo dotado de autoridade (cf. Mc 1, 27) que Cristo vinha trazendo. Ansiavam por um líder sócio-político capaz de obter-lhes a vitória e a prosperidade no plano material. Se queriam que fossem feitos milagres em Nazaré era apenas como meio para obter vantagens terrenas. E “por causa da falta de confiança deles, operou ali poucos milagres” (Mt 13, 58).

Algo semelhante se passa no mundo contemporâneo. Imerso numa enorme crise que afeta todos os campos da existência humana, ele renega quem poderia salvá-lo. Hoje, quando se fala de Nosso Senhor procura-se apresentá-Lo como um personagem histórico, que estabeleceu princípios éticos e humanitários, não como a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, hipostaticamente unida à humanidade na Pessoa Divina de Jesus, fundamento da Igreja, Cabeça do Corpo Místico por Ele fundado.

A fim de lutarmos contra o convite ao ceticismo que encobre as verdades de Fé com os véus do materialismo, será útil conhecermos qual o papel dos milagres nos desígnios de Deus: são instrumentos de amor destinados a abrir nossas almas para o encontro com Ele.

Sinais e símbolos que falam da verdade de Deus

Se prestarmos atenção no misterioso jogo dos fenômenos naturais, veremos como os astros, os minerais, os vegetais e os animais agem sempre de acordo com as regras divinas, produzindo e buscando ordenadamente aquilo que é próprio à sua espécie e natureza.

Deus Se serve dessa engrenagem para entrar em comunicação com o ser humano que, por ser também uma criatura “ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais por meio de sinais e de símbolos materiais”.

E assim como os homens se utilizam da palavra para comunicar-se, Deus Se vale das criaturas para falar-lhes, fazendo delas um subsídio eficaz para saciar a sede de infinito que Ele próprio imprimiu nas almas, à maneira de um instinto sobrenatural, o qual as leva a estar constantemente em busca da verdade de todas as coisas.

Um recurso efetivo, sim, mas não uma via segura, dado que o pecado original tornou o intelecto humano passível de engano. “A transmissão fidedigna de uma verdade e, sobretudo, sua interpretação e conservação constituíam problemas já para os povos da Antiguidade. Mais difícil ainda era explicitar, sem erro, questões metafísicas e sobrenaturais. Nem os tão admirados gregos, romanos e egípcios, com toda a sua sabedoria e ciência, escaparam a esse mal”.

Assim, embora beneficiados pelo Criador com uma sabedoria natural, acabaram mergulhando num triste ocaso, pela falta de visão sobrenatural que lhes proporcionasse uma noção do Deus verdadeiro.

Os milagres levam a conhecer as coisas da Fé

Havendo chegado a plenitude dos tempos e para cumprir as promessas e profecias feitas no Antigo Testamento, a Majestade Divina enviou seu Filho ao mundo, a fim de dar a conhecer os mistérios de seu imenso amor. “Ao revelar-Se, Deus quer tornar os homens capazes de  responder-Lhe, de conhecê-Lo e de amá-Lo bem além do que seriam capazes por si mesmos”.

Ao auxílio do Divino Espírito Santo, manancial da salvação, quis Deus acrescentar “os argumentos externos de sua Revelação, isto é, os fatos divinos, e sobretudo os milagres e as profecias, que, por demonstrarem luminosamente a onipotência e a ciência infinita de Deus, são da Revelação Divina sinais certíssimos e adaptados à inteligência de todos”.

E do mesmo modo como o homem, guiado pela razão natural, pode chegar a algum conhecimento de Deus por meio de signos e efeitos sensíveis, também “por meio de certos efeitos sobrenaturais, chamados milagres, ele será levado a um certo conhecimento sobrenatural das coisas da Fé”.

É mister, portanto, entender bem exatamente o que é o milagre.

Uma ação de Deus cujas causas desconhecemos

Santo Agostinho define como milagre “tudo o que, sendo árduo e insólito, parece ultrapassar as esperanças possíveis e a capacidade daquele que o contempla”. Já São Tomás, sempre preciso, observa que certos fenômenos poderão ultrapassar as capacidades de algumas pessoas, todavia não as de outras. Um eclipse de Sol, por exemplo, terá causa desconhecida para os leigos no assunto, o que não ocorre aos astrônomos. Por isso ele prefere definir o milagre como aquilo que “é cheio de admiração, no sentido de que a causa fica absolutamente oculta para todos. Esta causa é Deus. Portanto, as coisas feitas por Deus fora das causas por nós conhecidas são chamadas de milagres”.

O milagre é, assim, um privilégio divino e “Deus escapa às nossas medidas, uma vez que atua à sua medida”. Sem embargo, os milagres não são uma manifestação de algo sem sentido ou que contrarie a natureza. Na verdade, eles desvendam a ação divina,  sendo “sinais do poder e da liberdade de Deus. Eles representam uma perfeição desejada e, em muitos casos – notadamente as curas –, um desenlace da natureza”.

Ponto de encontro com uma grandeza de ordem superior

Ora, não podemos imaginar que, ao realizar um milagre, Deus tenha apenas por intenção corrigir uma lacuna na ordem dos seres criados. Seria equipará-Lo a um inábil artista, que tendo pintado de modo imperfeito um quadro quisesse aperfeiçoá-lo, para não cair em descrédito a obra de suas mãos. Ou, ainda, a um compositor que quisesse mudar suas melodias de acordo com o bel-prazer de sua vontade, a cada instante. Evidentemente tais atitudes são incabíveis em Deus.

A atuação de Deus nos acontecimentos não se dá como a de um ator que, de inesperado, surge no cenário da História, senão como um Ser que, por sua onipotência, tudo rege desde que plasmou o universo. Nesse sentido, afirma o Doutor Angélico que “Deus está em tudo por seu poder, porque tudo está submetido a seu domínio. Ele está em tudo por sua presença, porque tudo está descoberto e à mostra de seus olhos. Ele está em tudo por sua essência, porque está presente em todas as coisas como causa do ser de todas elas”.

Logo, como regulador do mecanismo dos seres, “Deus pode suspender ou alterar milagrosamente, em dado momento, qualquer das leis físicas ou naturais que Ele mesmo impôs à natureza”. Só a Ele cabe, portanto, realizar prodígios que ultrapassam as leis naturais, ou seja, os milagres.

O milagre é, pois, o ponto onde a natureza, por vezes imperfeita e necessitada, encontra-se com a grandeza de uma ordem superior: a ação de Deus, que a completa e embeleza. É por tal motivo que os milagres também encerram em si um fim altíssimo: a salvação eterna dos homens, pelo fato de os elevarem à consideração de seu fim último sobrenatural. A Divina Providência, não contente em dar a conhecer os ensinamentos de seu amor, concede-nos ainda esses sinais, para que neles creiamos e A amemos ainda mais.

Para efetuar a ação milagrosa e atingir sua finalidade, Deus costuma usar suas criaturas como instrumento, sejam elas Anjos, homens ou até mesmo animais, dando-lhes a honra de participarem na execução de seus insondáveis desígnios. As Sagradas Escrituras nos narram inúmeros fatos que o testemunham, como é o caso da cura de Tobit pelo Arcanjo São Rafael (cf. Tb 3, 25), ou da vitória de Sansão sobre os filisteus com uma simples queixada de burro (cf. Jz 15, 14-15), ou ainda da mula de Balaão que o increpou com palavras humanas, por não fazer a vontade divina (cf. Nm 22, 28).

Importantíssimo papel nos primórdios da Igreja

O caráter salvífico do milagre é especialmente visível nos primórdios da Igreja. Antes mesmo de sua Paixão, aprouve a Cristo dispensar aos Apóstolos o carisma de fazer milagres, para que, por meio deles, pudessem converter as almas e firmá-las na crença do Evangelho (cf. Mt 10, 7-8).

Comentando os milagres feitos pelos Apóstolos, Santo Agostinho realça seu importantíssimo papel para o estabelecimento dos fundamentos da Igreja Católica. Eles revelavam seu caráter divino e imortal, e a necessidade de acatar seus ensinamentos para chegar à Verdade, que é Deus. E conclui: “não podemos mais duvidar de que é preciso crer naqueles que, quando pregavam coisas acessíveis apenas a alguns poucos, conseguiram persuadir a todos os povos de que eles possuíam a verdade que devia ser abraçada. A questão, agora, é saber a que autoridade convém
submeter-se, enquanto somos inaptos para alcançar as coisas divinas e invisíveis”.

Quem recebe o carisma dos milagres não age, portanto, conforme a virtude de sua natureza, senão pela de Deus. Do contrário, não realizariam obras que excedem as capacidades naturais. E o mesmo acontece com todos os outros carismas, pois, como diz o Apóstolo: “Há diversidade de dons, mas um só Espírito. Os ministérios são diversos, mas um só é o Senhor. Há também diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum” (I Cor 12, 4-7).

Eleva as almas e as conduz à salvação

O milagre não é, pois, “uma pura demonstração de poder, senão um gesto de amor: uma obra comum do Pai e do Filho, nascida de seu mútuo amor. Deste modo, o milagre revela sua verdadeira natureza quando é considerado do ponto de vista de Deus, e não do ponto de vista do homem”.

Por conseguinte, ele requer de nossa parte uma profunda adesão, como fruto da virtude da fé. Tal adesão, explica o padre Scheeben, “depende essencialmente da clareza, da vivacidade, da força de nossas disposições morais, sobretudo de nosso amor à verdade, de nosso respeito pela autoridade de Deus, de nossa confiança em sua bondade e em sua providencial sabedoria”.

E como o milagre “situa-se na ordem da Religião, porque Deus convida o homem a uma comunicação de vida com Ele”, estimulando-o a trilhar a via da santidade, é necessário que o beneficiário do milagre esteja cheio da unção da fé para crer naquilo que lhe transmite o ato. E embora não demonstre diretamente nenhuma verdade, o milagre, quando é autêntico, manifesta a força incriada. Por isso fortifica e confirma na fé aqueles que o presenciam.

A virtude da fé “nos facilita penetrar além dos umbrais de nossa acanhada natureza, e tomar consciência das profundezas dos liames que unem o universo a Deus”;  como está dito na Carta aos Hebreus: “é uma certeza a respeito do que não se vê” (11, 1). Assim, pois, “os milagres têm um papel importante na gênese da fé” e, segundo o Angélico Doutor, é porque “as coisas que pertencem à fé são superiores à razão humana e por isso não se podem provar com razões humanas; é preciso que se provem com demonstrações do poder divino”.

Quantas conversões produziram os milagres! Médicos calejados e indiferentes às verdades da Fé, homens ateus e empedernidos no mal que, em presença de fatos desse gênero, ao perceberem não ter havido “ilusão ou erro dos sentidos, que existe uma desproporção evidente entre o efeito produzido e as forças da natureza, físicas, psíquicas ou espirituais, que facilmente se supõe em ação”, se perguntaram: — Onde está o teu Deus?

Foram os milagres, pois, que como num flash lhes mostraram a verdadeira Religião. É a misericórdia insondável e amorosa de Deus que quer atrair as almas, mesmo as que estão imersas no erro e na descrença, para elevá-las ao panorama de seu fim sobrenatural e conduzi-las à salvação.

 
Comentários