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As parábolas de Nosso Senhor Jesus Cristo: Vencem e convencem doutos e ignorantes
 
AUTOR: PE. FERNANDO NÉSTOR GIOIA OTERO, EP
 
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Singelas e profundas, as parábolas de Nosso Senhor Jesus Cristo brilham como singulares joias de espírito no Evangelho. Elas foram um dos mais belos pilares da divina pedagogia e têm sido objeto de meditação para os fiéis de todos os tempos.

Com o objetivo de estimular a inteligência vivaz e notável capacidade imaginativa dos orientais, e assim mover-lhes a vontade, o Divino Mestre apresentava com arte, por meio de parábolas, os temas de mais difícil compreensão para o povo eleito.

   Nos lábios sagrados do Salvador, elas floresciam singelas e profundas, cheias de beleza e colorido, merecendo de conceituados exegetas títulos tão enaltecedores como: joias do Evangelho, admiráveis fragmentos literários ou inesgotáveis tesouros de doutrina.

Ensinar com bondade a gente simples

   Jesus falava para um público composto, em sua maioria, de gente simples: pescadores, artesãos, agricultores ou pastores, pessoas preocupadas com os problemas miúdos da vida cotidiana.

   Pregava nas sinagogas, mas também em ambientes do povo, marcados por um certo toque poético da natureza. Podia fazê-lo no alto do Monte das Bem-aventuranças, sentado numa pedra; ou de pé às margens do Lago de Tiberíades, com a branca espuma quase Lhe osculando os divinos pés; ou usando como púlpito a barca de Pedro, que balouçava docemente nas águas tranquilas. Os homens grandiosos têm o dom de conferir algo de sua grandeza às pequenas coisas das quais se servem. Pode haver cátedra mais augusta do que aquela barca?

   Nesse contexto, o recurso às parábolas denotava uma forma de ensinar cheia de bondade, que amenizava o discurso doutrinário, incentivava o interesse, apelava aos sentimentos dos ouvintes. “Por sua natureza atrativa e animada, pelas suas variadas cores e pelos seres que põe em cena, a parábola excita a atenção, atiça a curiosidade e incita a inteligência a procurar oportunamente seu significado”,1 comenta o célebre Pe. Louis-Claude Fillion.

Prudência perante ouvintes mal-intencionados

   Na Antiga Lei, seu uso era habitual e delas se valiam frequentemente os rabinos. A palavra hebraica para designá-las era לָ ׁשָ מ – mashal –, que significa semelhante, e tinha também o sentido de enigma. Acentuando este último aspecto, no Livro de Ezequiel encontramos a curiosa ponderação: “Ah! Senhor Javé, dir-se-á de mim que falo sempre por parábolas!” (21, 5).

   Também Natã e Isaías fizeram uso delas em suas profecias. Nenhuma daquelas narrações, todavia, se equiparava às de Nosso Senhor, no Novo Testamento! E o sentido mais profundo de suas parábolas, a maior parte das vezes, ficava coberto por um manto de mistério…

   Isto porque dentre as multidões que seguiam o Filho do Homem contavam-se amiúde personagens hostis, como os fariseus, escribas, saduceus e herodianos. Ao ocultar-lhes a doutrina que pairava por cima daquelas singelas histórias, precavia-Se contra suas más intenções. Evitava Ele também atirar pérolas aos porcos (cf. Mt 7, 6), ou seja, fazer com que seus divinos ensinamentos chegassem até aqueles que iriam calcá-los aos pés e voltar-se com ódio contra quem só queria beneficiá-los.

   Era preciso agir com sábia prudência para formar os que tinham o coração aberto para o Reino dos Céus, sem dar motivo aos que O espiavam cheios de desejo de prejudicá-Lo.

Parábola dos vinhateiros
Museu Arquiepiscopal de Arte Religiosa, Cuzco (Peru)

O que é exatamente uma parábola?

   Podemos definir as parábolas como curtas histórias simbólicas das quais se extraem ensinamentos morais ou religiosos.

   A palavra que hoje usamos para designá-las tem origem grega. Está formada pelo advérbio παρά – pará –, que significa ao lado, e o verbo βάλλω – bállo –, que significa eu ponho. Literalmente parábola tem o sentido de eu ponho ao lado. Cícero, entretanto, “chamava-as de collatio, que quer dizer ‘comparação’, e Tertuliano, de similitudo, ‘semelhança’”.2

   Fillion, por sua parte, a considera “como um composto de corpo e alma” no qual “o corpo é a própria narração, em seu sentido óbvio e natural; a alma é uma série de ideias paralelas às primeiras, que seguem a mesma ordem, mas num plano superior, obrigando a ter cuidado e atenção para poder alcançá-las”.3

   Embora a parábola tenha uma ou outra analogia com a fábula, difere desta em dois pontos importantes. Primeiro: não põe em cena seres cujas ações ultrapassam as leis da natureza, como, por exemplo, uma árvore que se move ou um cordeiro que fala. Segundo: por seu objetivo moral ou religioso é muito superior à fábula, pois esta não se eleva acima do âmbito natural. Diferencia-se também da alegoria, a qual “é uma metáfora prolongada, complicada, que personifica diretamente as ideias”.4

Sutileza que incita à reflexão

   O número das parábolas do Salvador registradas nos Evangelhos pode ser maior ou menor, segundo os critérios que sejam aplicados. Certos autores incluem entre elas as breves cenas alegóricas incluídas no texto de São João, elevando o número total a quase cem; outros falam de apenas setenta e duas; e para os mais exigentes, seu número não chegaria a trinta. Fontes recentes elencam trinta e nove parábolas, todas elas nos sinópticos.5

   Em São Mateus, o Evangelista que mais fala do Reino dos Céus, encontramos vinte e uma, dez das quais inéditas. São Lucas apresenta vinte e nove no total; e dezessete delas não se encontram nos outros sinópticos. São Marcos seria o único a narrar a pará- bola da semente que brota silenciosa (cf. Mc 4, 26-29), entre as oito que apresenta.

   O Divino Mestre recolhe nessas narrações aspectos de diversas atividades de seus ouvintes: pastoril, agrícola, doméstica, política, religiosa. Pondo em cena personagens ricos e pobres, judeus e samaritanos, fariseus e publicanos, sacerdotes e levitas, filhos de reis e simples criados, Ele compõe episódios de majestosa candura. Por sua graça, sua variedade, sua originalidade e seus inapreciáveis ensinamentos, as parábolas de Jesus “são verdadeiras obras-mestras que ocupam lugar à parte na literatura universal”.6

   Elas se destacam pela simplicidade de expressão, saudável realismo e autêntica poesia. E por sua forma de apresentar realidades de teor moral ou religioso, valendo-se de coisas ou situações da vida corrente, as parábolas têm o poder de penetrar mais a fundo na mentalidade dos que as ouvem e, com isso, de fixar-se mais facilmente na memória. Além do mais, quando saídas dos próprios lá- bios de Nosso Senhor Jesus Cristo, sua divina voz, seu olhar, seus gestos conferiam-lhes um poder de penetração muito maior.

   As parábolas evangélicas são, sem dúvida, válidas para todas as gentes, tempos e lugares; de modo especial, porém, para o povo semítico, que tem a mente muito aberta para este tipo de ensinamento. Ao contrário dos gregos, os hebreus eram transportados por meio de analogias às regiões mais elevadas do pensamento e, inclusive, manifestavam certa preferência pelas obscuridades das parábolas, do enigma formulado com sutileza, incitando a refletir ou, em último caso, a pedir explicações.

Por que Jesus ensinava por meio de parábolas?

   Naquele tempo, como foi dito, Nosso Senhor encontrava-Se habitualmente diante de pessoas simples, às quais não era fácil pregar a Boa-nova. Tinham elas desejo de ser instruídas, todavia era preciso uma especial capacidade pedagógica para penetrar em suas mentalidades rudes e pouco dadas ao raciocínio.

   Uma mera exposição doutrinária não seria por elas compreendida, embora tivessem o espírito aberto à consideração das coisas celestes. Ao mesmo tempo, a bela e densa doutrina do Mestre exigia ouvidos atentos e boa disposição do coração para recebê-la.

   No primeiro ano de sua vida pública, Jesus pregava às multidões sem velar seus pensamentos. O povo O entendia sem necessidade de metáforas, como no Sermão da Montanha. Quando pessoas mal-intencionadas passaram a assediá-Lo, Ele decidiu operar uma estratégica mudança em seu método pedagógico: passou a apresentar seus ensinamentos sobre o Reino revestidos da roupagem parabólico-enigmática, o que não fez sua pregação perder em nada a força persuasiva; muito pelo contrário…

Castigo para uns, misericórdia para outros

   O uso da parábola, no entanto, acarretou durante muito tempo dificuldades para os exegetas. Uns as analisaram pelo prisma da misericórdia, outros, pelo da justiça. Os primeiros defendem que visavam beneficiar os homens rudes do povo eleito, que teriam assim mais facilidade em compreender; os segundos as viam como um castigo para aquela “geração adúltera e pecadora” (Mc 8, 38), que exigia sinais.

   É o que afirma o conceituado teólogo dominicano Pe. Manuel de Tuya: “Para uns, Cristo lhes fala desta maneira por castigo, ou seja, por não terem escutado com a devida atenção sua pregação, Ele os castigaria velando sua doutrina – tese da justiça. Outros sustentam que o uso de parábolas como método pedagógico tem uma finalidade docentetese da misericórdia”.7

   Já o Pe. Juan de Maldonado pensa que “Cristo Se valeu de parábolas não para que os ouvintes entendessem melhor, mas para que aqueles que não queriam crer quando Ele lhes falava aberta e claramente, ouvindo-O falar em parábolas não O compreendessem, mesmo se quisessem”.8

Bem-aventurados os que veem!

   À pergunta dos discípulos, “Por que lhes falas em parábolas?” (Mt 13, 10), Jesus responde: “Porque a vós é dado compreender os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não. Ao que tem, se lhe dará e terá em abundância, mas ao que não tem será tirado até mesmo o que tem. Eis por que lhes falo em parábolas: para que, vendo, não vejam e, ouvindo, não ouçam nem compreendam” (Mt 13, 11-13).

   E, para deixar bem claro o sentido das suas palavras, o Divino Mestre ainda acrescenta: “Assim se cumpre para eles o que foi dito pelo profeta Isaías: ‘Ouvireis com vossos ouvidos e não entendereis, olhareis com vossos olhos e não vereis, porque o coração deste povo se endureceu: taparam os seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para que seus olhos não vejam e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração compreenda; para que não se convertam e eu os sare’. Mas, quanto a vós, bem-aventurados os vossos olhos, porque veem! Ditosos os vossos ouvidos, porque ouvem!” (Mt 13, 14-16).

   As palavras de Nosso Senhor ressoam em nossos ouvidos como dura reprovação. Sem embargo, elas denotam sua misericórdia para com os que têm coração reto e delas se aproveitam. Servem de castigo apenas para os espíritos empedernidos, que fecharam os ouvidos à voz da graça e delas não quiseram tirar proveito, pois Ele “não veio para perder as vidas dos homens, mas para salvá-las” (Lc 9, 56); basta para isso lembramos da parábola da ovelha desgarrada (cf. Mt 18, 12-13).

Linguagem eminentemente divina

   É oportuno ressaltar, por fim, que mesmo estando muito coladas aos ambientes da época, as parábolas evangélicas têm sido de enorme benefício espiritual para os fiéis ao longo dos séculos. Figuras como a do Bom Pastor (cf. Jo 10, 14-16), que convida a uma confiança ilimitada, ou a das dez virgens (cf. Mt 25, 1-13), que incita à vigilância, proporcionarão às pessoas de fé matéria para meditação em todos os tempos.

   Com efeito, fácil é deixar-se levar pela admirável naturalidade da parábola do semeador (cf. Mt 13, 4-9; Mc 4, 3-9; Lc 8, 5-15), na qual Jesus explica como é acolhida a Palavra de Deus por diversas categorias de ouvintes: os que não a entendem, os inconstantes, os amigos dos bens mundanos, os que a compreendem e põem em prática.

   O mesmo acontece com a do joio e do trigo (cf. Mt 13, 24-30), pela qual Ele explica como serão divididos fiéis e réprobos no fim dos tempos: assim como o joio é jogado ao fogo, os pecadores serão lançados na fornalha ardente do inferno, e os justos resplandecerão como o sol, no Céu.

   Para dar mais um exemplo, consideremos a parábola do comprador de pérolas (cf. Mt 13, 45-46) e a do tesouro encontrado no campo (cf. Mt 13, 44): com tão poucas palavras, o Divino Mestre inculca na alma dos fiéis a infinita vantagem de renunciar aos bens terrenos e trabalhar com alegria para conquistar o Reino dos Céus.

   A linguagem das parábolas se torna eminentemente divina nos lábios de Nosso Senhor Jesus Cristo. Atemporal, participando em alguma medida do Eterno, ela cruza os séculos ensinando, encantando e advertindo. “É ao mesmo tempo compreensível para os ignorantes e fonte de meditação aos doutos. Literariamente está privada de todo artifício, ainda que supere pelo poder emocional os mais elaborados engenhos literários. Não atordoa, mas persuade; não só vence, senão convence”.9 (Revista Arautos do Evangelho, Maio/2018, n. 197, p. 26-29)

1 FILLION, PSS, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, v.II, p.192-193. 2 Idem, p.179, nota 3. 3 Idem, p.180. 4 Idem, ibidem. 5 Cf. GRUEN, Wolfango; RAVASI, Gianfranco. Piccolo vocabolario della Bibbia. 4.ed. Milano: San Paolo, 1997, p.54. 6 FILLION, op. cit., p.183. 7 TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V, p.306. 8 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v.II, p.103. 9 RICCIOTTI, Giuseppe. Vita di Gesù Cristo. 16.ed. Verona: Arnoldo Mondadori, 1965, p.402.

 
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