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Jesus Cristo


“Onde está, ó morte, a tua vitória?”
 
AUTOR: EP
 
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Se não houvesse vida depois da morte, não haveria motivo para praticar a virtude. Com a sua Ressurreição, Cristo comprou a nossa, dando-nos a certeza de que com Ele reinaremos eternamente.

Um grande silêncio reina no salão. De vez em quando, ele é interrompido por soluços e lamentações de dor pela perda de alguém que ontem mesmo estava entre nós e já não está mais…

Morte de Santa Margarida da Hungria, por József
Molnár – Coleção privada; na página anterior,
Cristo Ressurrecto – Igreja do Sagrado Coração de
Jesus, Tampa (EUA)

   Uma senhora acerca-se do caixão com gesto compungido, um amigo do falecido chora desconsolado, outro faz o sinal da Cruz. A tristeza pervade os que tiveram maior convívio com o defunto ou foram por ele beneficiados. Não poucos se afastam do ataúde com fisionomia abatida, consternados pelo contato com seu corpo sem vida, pálido e frio. É preciso enterrá-lo em poucas horas, caso contrário, o mau odor contaminará todo o ambiente.

   Do lado de fora, conversa-se à meia voz. Alguns questionam o porquê daquele trágico acontecimento, outros recordam fatos da vida de quem agora jaz inerte. Prestígio, honrarias, riqueza… ou quiçá miséria e sofrimento… Tudo passou!

   Quem conheceu seu bisavô? E seu tataravô? Na maior parte dos casos, a resposta será negativa, pois já morreram há tempos. Morreram… E, mais dia menos dia, o mesmo se dará conosco. Que tremenda perspectiva!

   Entretanto, a impostação de espírito católica é toda feita de esperança ante esta realidade inevitável para todos nós, pois cremos que Nosso Senhor Jesus Cristo venceu a morte com a sua Ressurreição gloriosa: “Estive morto, e eis-Me de novo vivo pelos séculos dos séculos; tenho as chaves da morte e da região dos mortos” (Ap 1, 18).

Uma evidência incontestável

   Desde a mais remota antiguidade até a época presente muito se tem falado sobre o fim da vida humana, e talvez nenhuma realidade seja tão universal quanto esta: a morte.

   Os homens podem contestar e pôr em dúvida verdades duras de serem ouvidas. Contra a evidência da morte, todavia, ninguém é capaz de se levantar, pois, ainda que seja para todos uma incógnita, dela não se escapa. “A sentença de morte foi escrita para todo o gênero humano. O homem deve morrer”,1 assevera o grande moralista Santo Afonso Maria de Ligório.

   “A primeira verdade absolutamente certa de nossa existência, para além do fato de existirmos, é a inevitabilidade da morte. Perante um dado tão desconcertante como este, impõe-se a busca de uma resposta exaustiva. Cada um quer, e deve, conhecer a verdade sobre o seu fim. Quer saber se a morte será o termo definitivo da sua existência, ou se algo permanece para além da morte; se pode esperar uma vida posterior, ou não”.2

   O tempo passa depressa. A morte se aproxima de todos como um ladrão, sem avisar da hora, dia e momento de sua chegada. Ela não pede licença, não respeita planos, não faz acordos. Por isso canta o salmista: “Reduzis o homem à poeira, e dizeis: ‘Filhos dos homens, retornai ao pó’, porque mil anos, diante de vós, são como o dia de ontem que já passou, como uma só vigília da noite” (Sl 89, 3-4).

O que é a morte?

   Assim como os biólogos não conseguem formular uma definição exata do que é a vida, difícil é para qualquer homem explicitar o que é a morte. São Tomás nos dá algumas breves noções: “A morte é a ruína da vida”.3 Ou “a morte em nós é a separação da alma do corpo”.4 Separação violenta, pois a unidade substancial da pessoa humana, matéria e espírito, se desfaz de maneira dramática nesse momento.

   Deus tirou o corpo de Adão do barro desta terra material e nele insuflou a vida, dando-lhe alma espiritual: “O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2, 7). Por ser material, o corpo é corruptível; se lhe faltam os princípios vitais ele entra em decomposição. Já a alma tem outra vida, que é eterna, sobrevivendo, portanto, ao corpo que falece.

   Para que estes dois elementos, contraditórios entre si, não se opusessem, o Criador deu ao primeiro homem o dom preternatural da imortalidade, que harmonizava sua natureza composta. Tendo sido cometido o pecado, porém, Deus retirou o dom concedido e entregou o ser do homem às suas leis meramente naturais, condenando o corpo a voltar à terra de que foi tirado, “porque és pó, e em pó te hás de tornar” (Gn 3, 19). No entanto, a alma, por ser incorruptível em sua natureza, subsiste separadamente.

   Ao desfazer-se a unidade do seu ser, na hora da morte, o homem sofre uma dor atroz. Para termos uma pálida ideia, imaginemos alguém nos arrancando ao mesmo tempo, com alicates, todas as unhas das mãos e dos pés. Isto nos traria um sofrimento tremendo, mas muito menor do que aquele que se tem ao ocorrer a separação entre alma e corpo, intimamente unidos como matéria e forma!

Introduzida na História pelo pecado

   Em estado de inocência original, como vimos, pelo dom da imortalidade o homem não morreria. Contudo, ao se deixarem enganar pela serpente, Adão e sua mulher caíram na falsa promessa do demônio. E como este nunca dá o que promete – pelo contrário, é isto o que ele tira! –, eles perderam os dons preternaturais e o domínio que ­possuíam sobre a natureza.

Cristo Crucificado
Casa Monte Carmelo, Caieiras (SP)

   As penas às quais foram submetidos afetaram todos os seus descendentes. A maior delas foi a privação do estado de graça no qual haviam sido criados. Suas almas, que antes eram imaculadas, ficaram tisnadas pelo pecado. O drama da morte passou a fazer parte do seu dia a dia.

   Imaginemos o que deve ter sentido Eva, expulsa do Paraíso Terrestre, ao se deparar com o fratricídio perpetrado por Caim. A primeira pessoa da História em morrer era seu próprio filho, Abel, a quem o irmão havia assassinado por inveja. Só aí ela compreendeu o fim terrível que aguardaria toda a humanidade, até a consumação dos tempos.

   Foi o pecado que fez a morte surgir na História, pois, conforme ensina Santo Agostinho, com a queda de nossos primeiros pais entrou em seu corpo “uma espécie de enfermidade originada por aquela corrupção súbita e pestífera, perderam eles o vigor inalterável da juventude, na qual foram criados por Deus, para ir ao encontro da morte através das vicissitudes das idades. E ainda que os homens tenham vivido muitos anos depois, começaram a morrer no dia em que receberam esta lei da morte, que os condena à decadência senil”.5

   É nesse sentido que podemos entender a Escritura, quando lemos: “Deus não é o autor da morte” (Sb 1, 13). Foi por culpa do homem, portanto, que a morte passou a existir para si, embora haja nela “alguma razão de bem, ou seja, uma pena justa”6 pela falta cometida.

Em Cristo, todos reviverão

   Está consignado, também, que foi “por inveja do demônio que a morte entrou no mundo” (Sb 2, 24). Triunfou, pois, satanás, introduzindo entre os homens o pecado e, por consequência, a morte? Nunca! Muito elucidativas são as palavras do mesmo autor sagrado, ao afirmarem que “a morte não é a rainha da terra” (Sb 1, 14).

   Ora, quem seria capaz de vencê-la com uma reparação à altura? Que ato de um homem mortal poderia reparar uma ofensa praticada contra Deus, infinito e imortal? Ao mesmo tempo que a reparação teria que vir de parte da natureza humana pecadora, somente uma reparação infinita poderia satisfazer a justiça para com Deus…

   Quem, então, seria capaz de ressuscitar e triunfar da morte? O Homem-Deus! “Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão” (I Cor 15, 22), afirma São Paulo.

   Tal é grandeza de amor manifestada na Encarnação, pois, “se não tivesse tomado da nossa natureza a carne mortal, Cristo não teria possibilidade de morrer por nós”.7 “Carregou os nossos pecados em seu Corpo sobre o madeiro para que, mortos aos nossos pecados, vivamos para a justiça” (I Pd 2, 24). Só “deste modo o imortal pôde morrer e dar sua vida aos mortais. Fez-Se participante de nossa morte para nos tornar participantes da sua vida”.8

   Sendo Deus, Jesus tem o “poder de dar sua vida e depois retomá-la; nós, pelo contrário, não vivemos quanto queremos, e morremos mesmo contra a nossa vontade. Ele, morrendo, matou em Si a morte; nós, por sua Morte, somos libertados da morte”.9

A mais espetacular das vitórias

São Tomás de Aquino –
Convento Sancti Spiritus, Toro (Espanha)

   No Evangelho lemos como Caifás, ao tramar a Morte de Cristo, profetiza misteriosamente: “Convém que um só homem morra em lugar do povo” (Jo 18, 14). E é o mesmo texto sagrado que esclarece este mistério: “Aquele que fora colocado por pouco tempo abaixo dos Anjos, Jesus, nós O vemos, por sua Paixão e Morte, coroado de glória e de honra. Assim, pela graça de Deus, a sua Morte aproveita a todos os homens” (Hb 2, 9).

   Entregando-Se a um suposto fracasso, estava o Salvador obtendo a mais espetacular vitória sobre o demônio e a morte. “A aparente catástrofe da Paixão e Morte de Nosso Senhor marca a ­irremediável e estrondosa derrota de satanás. Este, insuflando os piores tormentos contra Jesus, iludia-se, julgando que caminhava para um êxito extraordinário contra o Bem encarnado. Em sua loucura não percebia como estava contribuindo para a glorificação do Filho de Deus e para a obra da Redenção”.10 Com efeito, a Morte e Ressurreição de Jesus não foram senão para que Ele “mostrasse seu poder, com o qual venceu a morte, e também nos desse a esperança de ressurgir dos mortos”.11

   “‘Ó morte onde está a tua vitória? Ó morte onde está teu aguilhão?’ (I Cor 15, 55), indaga desafiante o Apóstolo. Morrendo na Cruz, o Divino Redentor vencia não só a morte mas também o mal, e deixava fundada sobre rocha firme uma instituição divina, imortal – a Santa Igreja Católica, seu Corpo Místico e fonte de todas as graças –, que enfraqueceu e dificultou a ação da raça da serpente, privando-a do poder esmagador e ditatorial que exercera sobre o mundo antigo”.12

   Se não houvesse ressurreição, não haveria razão para deitar esforços em praticar a virtude. Se a morte fosse o fim de tudo, nada justificaria renunciar a uma vida de gozo desenfreado. Com a sua Ressurreição, Cristo comprou a nossa, dando-nos a certeza de que com Ele reinaremos eternamente. Assim, a tragédia da morte e a pena atroz que assolavam toda a humanidade transformaram-se em instrumentos de vitória. Com a Ressurreição de Cristo, a morte, que parecia ser um fim terrível, passou a ser a porta da glória para todos aqueles que O seguem e n’Ele nascem para a verdadeira vida. 

A imortalidade da alma exige a ressurreição

   Diz o Doutor Angélico que sendo a alma essencialmente a forma do corpo, “é contrário à natureza da alma estar fora do corpo. Ora, nada do que é contra a natureza pode perpetuar-se. Logo, as almas não ficarão para sempre sem os corpos. Por conseguinte, permanecendo elas para sempre, devem unir-se novamente aos corpos. E nisso consiste a ressurreição. Por isso, parece que a imortalidade da alma exige a futura ressurreição dos corpos” (SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma contra os gentios. L.IV, c.79, n.10). (Revista Arautos do Evangelho, Abril/2017, n. 184, pp. 36 à 39)

1 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Preparação para a morte. Considerações sobre as verdades eternas. Consideração IV, p.1. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1956, p.29.
2 SÃO JOÃO PAULO II. Fides et ratio, n.26.
3 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.53, a.1, ad 1.
4 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Super Sent. L.III, d.21, q.1, a.3.
5 SANTO AGOSTINHO. De peccatorum meritis et remissione. L.I, c.16, n.21. In: Obras. Madrid: BAC, 1952, v.IX, p.231.
6 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.164, a.1, ad 5.
7 SANTO AGOSTINHO. Sermo Guelferbytanus 3. In: COMISSÃO EPISCOPAL DE TEXTOS LITÚRGICOS. Liturgia das Horas. Petrópolis: Vozes; Paulinas; Paulus; Ave-Maria, 2000, v.II, p.376.
8 Idem, ibidem.
9 SANTO AGOSTINHO. In Ioannis Evangelium. Tractatus LXXXIV, n.2. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC, 1965, v.XIV, p.379.
10 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Até na hora da aparente derrota, o Sumo Bem sempre vence. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2012, v.V, p.263.
11 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.50, a.1.
12 CLÁ DIAS, op. cit., p.263.

 
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