Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Plinio Corrêa de Oliveira


Fidelidade às verdades supereminentes
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 04/02/2019
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
0
0
 
Em meio às inúmeras provações que ornaram sua vida, Dona Lucilia manteve-se sempre fiel às verdades que orientavam e fundamentavam sua existência.

Por vezes acontece que entre pessoas destinadas a manterem um relacionamento mais intenso, profundo e elevado se estabelece uma certa confusão, que quanto mais se tenta esclarecer, mais confusa ela se torna. O verdadeiro nessa situação é não falar, e sim esperar. É preciso confiar.

Incompreensões dentro de um convívio

Tive experiência disso em algumas ocasiões nas quais procurei ajudar determinadas pessoas em assuntos de vida espiritual. Acontecia, às vezes, eu entrar no tema por um lado, e a sensação da pessoa era de que eu deveria ter entrado por outro. O jeito era parar, rezar e esperar passar o tempo. Não se podia fazer nada.

Como é duro isso: queremos fazer o bem, mas o outro é como alguém que está com o corpo inteiro queimado. Onde se põe o dedo, ele geme. Isso é duro como tudo!

Quando a pessoa se coloca numa relação errada, fica impossível o entendimento. Pode acontecer por culpa própria ou por uma provação, mas é uma dilaceração muito séria, pois a vida fica truncada num ponto fundamental.

Qual a razão pela qual Deus permite isso?

Nossa Senhora e São José, exemplos de fidelidade às certezas supereminentes

As certezas não são autônomas umas das outras. Há algumas certezas supereminentes que garantem o todo, ainda que as “bombardas” estejam estourando nas convicções inferiores.

Um exemplo claro disso é a perplexidade de São José (cf. Mt 1, 19- 24). Ele não podia ter dúvida sobre a integridade de Nossa Senhora. Ele tinha a respeito d’Ela uma certeza supereminente. O demônio deve ter atuado, fazendo de tudo para perturbá-lo, mas ele conservou a paz de alma. Fez o clássico raciocínio: “Não decifro, mas quando decifrar vou ver que isso ocultava uma maravilha.” Ele não desconfiou porque era fiel às certezas supereminentes.

Em geral, quando a pessoa é tentada, ela tem uma espécie de amnésia em relação às certezas supereminentes.

Outro exemplo: Nossa Senhora e São José quando perderam o Menino Jesus (cf. Lc 2, 43-50). Como podiam ter dúvidas em relação ao Menino Jesus? Eles viam bem que Nosso Senhor quis prová-los. Aquele episódio foi um pouco como a crucifixão para Nossa Senhora.

Anna Catarina Emmerich1 conta que, antes desse episódio, a Santíssima Virgem começou a notar que seu Divino Filho A tratava com certa frieza. Por humildade, julgou ter culpa. Foi um tormento! O mais curioso é o fato de Maria Santíssima não ter perguntado nada ao Menino Jesus. Há horas em que é melhor não perguntar…

Encontro do Menino Jesus entre os doutores

Isso acontece na vida de família também. Há um desentendimento entre duas pessoas, e para que ele não aumente, os familiares fingem não notar. A vida é assim.

Quando falta essa fidelidade…

Toda espécie de nervosismo é inevitável quando as verdades supereminentes não estão bem colocadas.

Consideremos os Apóstolos no episódio da tempestade no Mar da Galileia (cf. Mc 4, 37-40). Era uma verdade supereminente que o barco onde estava Nosso Senhor não podia afundar. Eles foram homens de pouca fé.

Outro exemplo eloquente nessa matéria é o de São Pedro afundando, depois de ter andado sobre as ondas (cf. Mt 14, 28-31). A desconfiança o mais das vezes é uma sensação. Quando São Pedro sentiu as ondas se moverem debaixo de seus pés, as certezas supereminentes fracassaram.

No sono dos Apóstolos no Horto (cf. Mt 26, 40-45), qualquer coisa das certezas supereminentes estava toldada. Era um sono cheio de mal-estar. Três vezes foram acordados, três vezes disseram “não”! Estavam num estado de infâmia moral. Se as certezas supereminentes tivessem ficado, a coisa teria sido outra.

Provações que ornaram a vida de Dona Lucilia

Há imponderáveis que a observação não consegue catalogar bem. Por exemplo, mamãe. Ela, que alcançou viver o Brasil de Dom Pedro II, não chegava a ter ideia da Causa Católica com toda a articulação existente contra ela. Sabia haver inimigos da Igreja, mas eram como matilhas de cachorros bravos, que invadem um jardim e são expulsos. Por isso Dona Lucilia não compreendia o Movimento fundado por mim. Não era uma incompreensão hostil. Ela possuía uma noção meio vaga a respeito das forças que atuavam contra a civilização cristã, tinha apenas vislumbres sobre isso.

Em consequência, ela não compreendia a distância tomada por mim em relação a ela por causa do apostolado que eu desenvolvia junto aos meus seguidores.

Em certa ocasião tive que me preparar, de uma hora para outra, para uma viagem ao Uruguai. Por razões especiais, precisei vender alguns objetos da estima dela para obter dinheiro, e não podia dizer a ela. Se eu fosse explicar as razões, criaria uma situação de intranquilidade que permaneceria até o fim de sua vida. Ela não teve a explicação, mas percebi ter-se dado conta da operação feita por mim. Entretanto, não perguntou nada.

Ela deveria achar que eu fiz porque precisei, e tinha um fim honesto. O que teria ela pensado? “É um filho tão bom, honesto… Mas se é honesto, por que não me conta? Ele percebeu que eu vi, mas não conta! Alguma razão deve ter. Olho para ele, está o mesmo…”

Ela acreditou nas verdades supereminentes que moravam tranquilamente em sua alma, até o fim. Isso foi exigido pela Providência. Não é verdade que essas provações ornam a vida de Dona Lucilia?

Que a Providência possa exigir de nós padecimentos semelhantes, é uma glória! Devemos sofrer coisas dessas como uma provação.

Discernimento, confiança e desvelo de uma mãe amorosa

Quando viajei para a Europa em 1952, não revelei a mamãe minha viagem para não a traumatizar. Antes de partir, deixei uma carta para ela, com uma tia com quem combinei que a missiva só devia ser entregue quando ela recebesse um telegrama enviado por mim da Europa. Quando essa minha parente, de posse do telegrama, foi avisar mamãe, encontrou-a aflita, dirigindo-lhe a seguinte pergunta: “Onde está Plinio? Porque meu coração o procura e não o encontra em nenhum lugar. Procura-o no Rio, em Santos, no interior, e não o encontra!”

Minha tia então lhe contou que eu já havia chegado à Europa, e deu-lhe a carta. Depois mamãe me escreveu agradecendo todas as atenções, e dizendo estar passando muito bem.

Oração de Jesus no Horto das Oliveiras

Quando cheguei de viagem, minha mãe abraçou-me e beijou-me. Em seguida, recuou um pouco e, olhando-me, disse: “Você é sempre o mesmo!” Depois me abraçou e beijou-me de novo. Ela possuía os elementos para discernir o que se passava comigo.

Isso indica bem o contexto geral dentro do qual se deu a venda dos objetos a que me referi, e me facilitou quando necessitei tomar essa decisão tão dura.

Às noites, quando eu chegava do restaurante Giordano, onde me reunia, por razões de apostolado, com membros do nosso Movimento, por vezes ela estava rezando junto à imagem do Sagrado Coração de Jesus. Eu entrava em casa, ela não interrompia a oração. Tinha um invariável rito: fazia cruzes no coração da imagem e depois na fronte dela, pedindo por ela e por todos por quem rezava. Enquanto não tivesse terminado todas as cruzes, não vinha me cumprimentar.

Em seguida, sempre com aquela calma, da qual quem não a conheceu não pode ter ideia, vinha até mim e dizia: “Filhão!” Então começávamos a conversar sobre as coisas mais minúsculas, até às maiores.

Quando eu lhe perguntava por que não ia dormir mais cedo, ela dizia: “Não vou enquanto você não chega, porque com você em casa não pode acontecer nada.” No fundo era porque eu estava perto dela…

Derradeiro ato de fé com um amplo Sinal da Cruz

Essas verdades supereminentes não podem ser apenas “verdades”, têm que ser uma união, uma consonância supereminente.

No caso de Dona Lucilia, vejam como agiu a Providência: deixá-la chegar ao outono, ao inverno da vida para pedir o lance heroico. Olha- -se para o Quadrinho2 , parece já ter passado tudo. Ninguém sabe… No fim da vida, não se sabe o que a Providência cobra.

Quando mamãe morreu, tinha passado uma noite regular. De manhã, enquanto eu lia o jornal, o médico que a assistia me chamou: “Venha depressa porque ela está morrendo!” Eu estava me recuperando de uma cirurgia no pé e não estava com as muletas naquela ocasião. Então fui o mais rapidamente possível, apoiado em duas vassouras, para o quarto dela. Quando cheguei, ela tinha morrido…

Podia ser que o demônio apagasse as certezas, para ela passar pela tentação. Nesse caso, ela teria que fazer um ato de fé na memória. Se ela duvidasse, quiçá poria em risco a salvação dela, pois poderia pensar: “Se isso é assim, o que é ser católico? De que vale a Igreja?”

O amplo Sinal da Cruz que ela fez antes de expirar indicava a sua certeza nas verdades supereminentes. (Extraído de conferência de 12/8/1978) – (Revista Dr. Plinio, Março/2017, n. 228, pp. 6 a 9)

1) Freira Agostiniana favorecida por muitas revelações místicas a respeito da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo.
2) Quadro a óleo, que muito agradou a Dr. Plinio, pintado por um de seus discípulos, com base nas últimas fotografias de Dona Lucilia. Ver Revista Dr. Plinio n. 119, p. 6-9.

 
Comentários