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Plinio Corrêa de Oliveira


Suavidade e firmeza
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 22/05/2019
 
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Nesta seção tem sido fácil notar a grande solicitude de Dª Lucilia e seu desejo de fazer o bem. Por estas duas qualidades, sua vida foi repleta de episódios como os que veremos hoje, nos quais sua bondade incide até sobre uma ninhada de gatos.

Em sua casa da rua Itacolomy, a sala de jantar dava para uma entrada de automóvel que conduzia aos fundos da residência. Separando-a do terreno vizinho havia um muro, não muito alto, junto ao qual tinham sido plantadas umas heras, para dar um aspecto mais agradável à área. Um dia, durante o almoço, Dr. Plinio notou na parte de cima do muro um movimento estranho debaixo da folhagem. Surpreso, disse a Dª Lucilia:

– Mamãe, veja que coisa esquisita aquele movimento lá.

Ela não disse nem sim, nem não, e esquivou-se à resposta. Mas seu filho queria saber o que era e voltou a insistir. Dª Lucilia apenas disse:

– É, eu já tinha notado alguma coisa.

– Mas eu estou notando só agora respondeu ele, mais categórico.

Dirigindo-se à empregada que servia à mesa, Dr. Plinio disse:

– Ana, vá olhar o que há naquele muro.

Dª Lucilia ficou silenciosa. A criada riu e disse com seu sotaque português:

– Seu doutôire, o senhor não percebeu o que é? Dª Lucilia está a esconder-lhe uma coisa.

–  O que Dª Lucilia está escondendo de mim?

– É uma gata que tem uns filhotinhos ali.

A idéia de um muro cheio de gatinhos andando de um lado para o outro não foi das mais sorridentes para Dr. Plinio. Daí a pouco os gatos estariam crescidos e o quintal ficaria superpovoado desses simpáticos animais. Quando menos se esperasse, começariam a esgueirar-se para dentro de casa. Se fosse um ou dois ainda ia, mas uma ninhada inteira…

Imediatamente disse ele à criada, com decisão:

– Pegue uma vassoura, ou uma mangueira de regar o jardim, e ponha a gata com todos os gatinhos fora do terreno da casa.

Dª Lucilia, com pena da gata, voltou-se para o filho e ligeiramente aflita lhe disse:

– Ah! coitada! Não faça isso. Você não vê que ela pode perder um dos filhotes e nunca mais o encontrar?

Era o maternal coração de Dª Lucilia sentindo-se como que arranhado perante tal perspectiva. Porém seu filho tentou argumentar:

– Mamãe, ela não tem raciocínio. Ela perde um filhote como um de nós perde um fio de cabelo.

Mas Dª Lucilia queria, mais do que fazer um silogismo, tocar-lhe no sentimento:

– Coitada! Não faça isso.

Coitada era dito com tanta bondade e tanta pena, que Dr. Plinio não resistiu e disse à criada:

– Ana, cuide dessa gata e leve todo dia leite para ela. Aquela gata, como ser irracional, não podia ter conhecimento da própria existência. Mas, uma vez que sobre ela tinha baixado a compaixão de Dª Lucilia… em vez de um esguicho, haveria leite para a gataria toda.

Suaves repreensões

Sempre pronto a perdoar e acolher o pecador arrependido, foi o Sagrado Coração de Jesus o modelo perfeito com o qual Dª Lucilia sempre procurou se identificar. Assim, em suas atitudes, palavras e gestos iam transparecendo de modo crescente, com o correr dos anos, a extrema suavidade e doçura de trato que tanto refulgiram na figura do Divino Mestre.

Já seu filho, exposto a rudes pelejas apostólicas, além da infinita Bondade, adorava de maneira particular a Nosso Senhor enquanto intransigente com o mal que se mostrava empedernido. Essa dualidade de aspectos do Divino Modelo fazia desprender do convívio mãe-filho uma melodia de notas opostas, mas sempre harmônicas. Dr. Plinio era tendente a manifestar categoricamente as próprias opiniões, até nas menores coisas, e Dª Lucilia procurava refrear um pouco este expansivo modo de ser, às vezes por demais contundente segundo os padrões dela.

Certo dia a empregada não acertou na compra da manteiga. Após ter untado abundantemente uma fatia de pão, Dr. Plinio, ao prová-la, logo sentiu um gosto desagradável, indicativo de que o alimento não estava fresco. Dª Lucilia percebeu de imediato sua repulsa.

– Meu bem disse ele essa manteiga que a empregada comprou não serve nem para engraxar os trilhos dos bondes!

Dª Lucilia ficou com a fisionomia um tanto penalizada. Mesmo em se tratando de um alimento de qualidade inferior, não era bondoso um comentário tão forte, pelos seus critérios. Mas, como admoestar um filho já homem feito, professor universitário? Era uma situação para a qual só ela podia encontrar uma boa saída.

Estando sentada à mesa, ao lado dele, tocou-lhe suave e repetidamente com a ponta dos dedos no dorso da mão, como que a lhe dizer: Meu filho… Meu filho!…

E sempre que Dr. Plinio dizia o que pensava a respeito deste ou daquele, Dª Lucilia, quando não tinha mais como defender o atingido por ser indefensável apelava para este último e mudo recurso: discretos toques no dorso da mão dele. Era bem provável que Dr. Plinio tivesse vontade de acrescentar outro comentário, para que ela lhe proporcionasse mais uma suave repreensão…

Autoridade e senso de justiça

A bondade de Dª Lucilia não tinha limites para com o faltoso arrependido. Entretanto, se discernisse que o melhor remédio para erradicar o mal era impor sua autoridade, ainda que esta pudesse ser desagradável, não hesitava em exercê-la. As características dela nos fazem lembrar o belo ensinamento de São Boaventura: Se eu te amo e te dou dignidade ou liberdade, e tu hás de usar mal dela, se eu ta der, não seria benigno, mas sim maligno.

Às vezes tornava-se indispensável tomar atitudes enérgicas, sobretudo no tocante ao governo da casa. Por exemplo, em relação às criadas. Para Dª Lucilia, em primeiro plano, estava o cumprimento do dever, e ela sabia fazer valer sua posição com a naturalidade de quem exerce um senhorio, sem ter necessidade de humilhar ou de pisar seus subordinados.

Quando se tratava de censurar uma empregada por algum serviço mal feito, ou grave omissão, fazia-o sempre com suas maneiras brandas e nunca diante de outros, para que a admoestação não ferisse a sensibilidade da faltosa. Um bom conselho, uma palavra de estímulo, davam por encerrado o assunto.

Porém as circunstâncias exigiam, noutras ocasiões, medidas mais drásticas. Difíceis situações em que a bondade parece entrar em conflito com o senso de justiça. Nada disso perturbava sua paz interior. Após refletir, tomava serenamente a decisão: era imperioso despedir a empregada. Então fazia as contas e verificava quanto lhe devia pelos dias de trabalho. Escrevia o total, a lápis, numa notinha e prendia o dinheiro à tira de papel com um alfinete ornamental. Depois mandava chamar a empregada e, de modo amável, lhe dizia:

– Fulana, é melhor você sair…

Explicava-lhe então com toda a calma os motivos que a levavam a demiti-la. Era um pequeno julgamento. Porém, nunca faltava uma palavra de consolo, um gesto de caridade, que movessem a culpada ao arrependimento e lhe deixassem uma profunda saudade na alma.

Concluído o acerto, dizia com igual benevolência:

– Vamos nos despedir agora. Eu desejo que você seja feliz, e que Deus a acompanhe.

A criada partia para continuar sua existência por outros caminhos. Nesse dia, certamente, Dª Lucilia haveria de fazer por ela especiais orações, para que o Sagrado Coração de Jesus a amparasse nas incertezas da vida… (Transcrito, com adaptações, da obra Dona Lucilia, de Monsenhor João S. Clá Dias)(Revista Dr. Plinio, Março/2002, n. 48, pp. 10 a 13).

 
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