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Voz dos Papas


Sacerdócio e santidade
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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Ai do presbítero que não sabe comportar-se à altura de sua dignidade, que desonra o santo nome de Deus perante o qual deve ser santo! A corrupção dos melhores é a mais grave entre todas.

Começamos nossa exortação, caros filhos, conclamando-vos à santidade exigida pela dignidade de vosso cargo, pois quem é elevado ao sacerdócio exerce o ministério não só para si, mas também para os outros: “Todo pontífice é escolhido entre os homens e constituído a favor dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus” (Hb 5, 1).

O que está corrompido não pode conferir a saúde

Este mesmo pensamento exprimiu Cristo quando, para explicar a função própria dos presbíteros, os comparou à luz do mundo e ao sal da terra.

São Pio X..jpg

Ao sacerdote compete-lhe a tarefa de
arrancar  as más ervas, lançar as boas
sementes, irrigar  e vigiar para que
o inimigo não semeie entre elas o joio

São Pio X fotografado por Felici

Todos sabem que eles o são, em primeiro lugar, pela missão de transmitir a verdade cristã a eles encomendada. Como ignorar, porém, que a nada conduzirão seus ensinamentos se não os confirmarem com o exemplo? Neste caso, com irreverência, mas não sem razão, poder-lhes-iam objetar seus ouvintes: “Proclamam que conhecem a Deus, mas na prática o renegam” (Tt 1, 16); e lhes rechaçar a doutrina pregada, sem beneficiar-se de sua luz. Por isso Cristo, modelo dos sacerdotes, ensinou primeiro pelo exemplo e depois pela palavra: “Jesus fez e ensinou” (At 1, 1).

Sem santidade de vida, deixará o sacerdote de ser sal da terra, pois o que está corrompido e contaminado não pode conferir a saúde, e onde falta a santidade é inevitável que habite a corrupção. Daí que, valendo-Se da mesma figura, o Mestre qualifique tais ministros de sal insípido que “para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens” (Mt 5, 13). […]

Muito oportunamente insistia São Carlos Borromeu em seus discursos para o clero: “Se recordássemos, irmãos caríssimos, quantas e quão preciosas coisas colocou Deus em nossas mãos, como esta consideração nos estimularia a levar uma vida digna de sacerdotes! Que coisa deixou Deus de pôr em minhas mãos, se nelas pôs seu próprio Filho Unigênito, eterno e consubstancial a Si mesmo? Em minhas mãos depositou os seus tesouros, todos os Sacramentos, todas as suas graças: pôs as almas por Ele amadas como a pupila dos olhos, as quais amou mais do que a Si mesmo e remiu com seu Sangue; pôs o Céu, que posso abrir e fechar aos demais… Como poderia eu, à vista de tantas honrarias e tamanho amor, ser ingrato a ponto de pecar contra Ele, de ofendê-Lo e de conspurcar este corpo que Lhe pertence, de profanar esta dignidade, esta vida consagrada a seu serviço?”.1 […]

Cristo não muda no decorrer dos séculos

Vejamos agora em que consiste esta santidade, da qual o sacerdote não pode estar privado sem grave desonra, porque se expõe a grande perigo quem a ignora ou entende de forma equivocada.

Pensam alguns, e até claramente professam, que o mérito do sacerdote consiste apenas em entregar-se por inteiro ao bem dos outros. Negligenciando quase totalmente as virtudes que visam ao aperfeiçoamento pessoal – por eles chamadas de virtudes passivas -, apregoam a necessidade de empregar todos os esforços em adquirir e exercitar as virtudes denominadas ativas.

Esta doutrina é, sem dúvida, falaz e desastrosa. A respeito dela assim se exprime, com sua habitual sabedoria, nosso predecessor de feliz memória: “A ideia de que as virtudes cristãs não são oportunas em todos os tempos, só pode ocorrer a quem tenha se esquecido destas palavras do Apóstolo: ‘Os que Ele distinguiu de antemão, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho’ (Rm 8, 29). A Cristo, mestre e modelo de toda forma de santidade, devem-se adaptar todos quantos almejam ser acolhidos no Reino dos Céus. Ora, Cristo não muda no decorrer dos séculos, mas ‘é sempre o mesmo: ontem, hoje e por toda a eternidade’ (Hb 13, 8). Portanto, aos homens de todos os tempos se dirige esta palavra: ‘Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração’ (Mt 11, 29); a todo momento Ele Se apresenta como ‘obediente até a morte’ (Fl 2, 8); e vale para todas as épocas a sentença do Apóstolo: ‘Os que são de Jesus Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências’ (Gal 5, 24)”.2 […]

Insistindo vivamente nesse dever, não podemos, entretanto, deixar de advertir, que tendo sido contratado por Cristo como operário “para sua vinha” (Mt 20, 1), o sacerdote não pode santificar-se apenas para si. Compete-lhe também a tarefa de arrancar as más ervas, lançar as boas sementes, irrigar e vigiar para que o inimigo não semeie entre elas o joio.

Cuide, pois, o presbítero de não se deixar arrastar por um irrefletido desejo de perfeição interior que o leve a negligenciar qualquer uma das obrigações de seu ministério relativas ao bem dos fiéis: pregar a Palavra de Deus, atender Confissões, prestar assistência aos enfermos, sobretudo aos moribundos, instruir os ignorantes das coisas da Fé, consolar os aflitos, reconduzir os extraviados e em tudo imitar a Cristo, o qual “andou fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo demônio” (At 10, 38).
E, ao mesmo tempo, grave em sua mente esta advertência de São Paulo: “Nem o que planta é alguma coisa nem o que rega, mas só Deus, que faz crescer” (I Cor 3, 7). […]

Somente a santidade nos torna acordes com nossa vocação

Na verdade, uma só coisa serve para unir o homem a Deus, torná-lo agradável a seus olhos e ministro não indigno de sua misericórdia: a santidade de vida e de costumes. Se faltar ao sacerdote esta santidade, que é a supereminente ciência de Jesus Cristo, faltar-lhe-á tudo. Pois sem esta ciência, a própria vastidão de uma requintada cultura – que nós mesmos nos empenhamos em promover entre o clero -, bem como a destreza e solércia nas atividades, mesmo quando produzam algum benefício à Igreja ou a alguns fiéis, são amiúde deplorável causa de prejuízos.

Ordenação sacerdotal nas catacumbas.jpg
Grande é a dignidade dos sacerdotes, maior, porém, é sua ruína se pecam.
Alegremo-nos por termos sido elevados, mas tenhamos
pavor de cair

Ordenação sacerdotal nas catacumbas Gravura do início do
séc. XX publicada por Gérard Desgodets

Por outro lado, numerosos exemplos de todos os tempos comprovam o quanto pode empreender e levar a bom termo, no povo de Deus, o homem ornado de santidade, ainda que pertença ao grau inferior da hierarquia eclesiástica. Basta recordar, entre os mais recentes, o Cura d’Ars, João Batista Vianney, que tivemos a alegria de beatificar.

Somente a santidade nos torna acordes com as exigências da nossa vocação divina. Ela faz de nós homens crucificados para o mundo, e para os quais o mundo ­está crucificado; homens que caminham numa nova vida e que, como ensina São Paulo, “nas vigílias, nas privações; pela pureza, pela ciência, pela longanimidade, pela bondade, pelo Espírito Santo, por uma caridade sincera, pela palavra da verdade” (II Cor 6, 5-7) demonstram ser autênticos ministros de Deus, voltados exclusivamente para as coisas celestes e empenhados por inteiro em conduzir a elas as almas dos demais.

O sacerdote precisa ser exímio na oração

Como todos sabem, a santidade de vida é fruto de nossa vontade, fortalecida pela graça, da qual Deus nos provê largamente para que nunca nos falte. Basta apenas que a queiramos e a peçamos por meio da oração.

Oração e santidade estão tão intimamente relacionadas que uma não pode subsistir sem a outra. Assim, é decerto verdadeira esta sentença do Crisóstomo: “Julgo ser evidente para todos que sem auxílio da oração é impossível viver virtuosamente”.3 E com fina argúcia conclui Santo Agostinho: “Sabe de fato viver bem quem sabe rezar bem”.4

Estes ensinamentos, o próprio Cristo os confirmou com suas palavras e mais ainda com seu exemplo: retirava-Se sozinho nos desertos ou subia ao cume dos montes, passava noites inteiras orando, ia com frequência ao Templo, e até mesmo quando rodeado pelas multidões, elevava os olhos ao Céu e rezava diante de todos. Por fim, cravado na Cruz, em meio às dores da morte, dirigiu ao Pai a última prece, com lágrimas e um alto brado.

Tenhamos, pois, por certo e comprovado que, para estar à altura de sua dignidade e da tarefa a ele encomendada, o sacerdote precisa ser exímio na prática da oração. Com demasiada frequência temos a lamentar preces feitas mais por hábito do que por devoção; que em determinados momentos o Ofício seja rezado distraidamente ou substituído por algumas curtas orações; a ausência de momentos ao longo do dia dedicados a dialogar com Deus, elevando a alma à consideração das coisas celestes.

Mais do que qualquer outro homem, deve o sacerdote obedecer ao preceito de Cristo: “É necessário orar sempre” (Lc 18, 1). Com base nele, São Paulo insistia: “Sede perseverantes, sede vigilantes na oração, acompanhada de ações de graças” (Col 4, 2); “Orai sem cessar” (I Tes 5, 17). […]

Tenhamos pavor de cair

Ai do sacerdote que não sabe comportar-se à altura de sua dignidade, que por sua infidelidade desonra o santo nome de Deus, perante o qual deve ser santo! A corrupção dos melhores é a mais grave entre todas. “Grande é a dignidade dos sacerdotes, maior, porém, é sua ruína se pecam. Alegremo-nos por termos sido elevados, mas tenhamos pavor de cair, pois a alegria por ter estado no alto será inferior à tristeza de nos precipitarmos para baixo”.

Ai do sacerdote que se olvida de si próprio, negligencia a oração, rejeita a nutrição das leituras piedosas, nunca se recolhe para ouvir a voz da consciência que o acusa. Nem as sangrentas chagas de sua alma, nem os prantos da Igreja, sua mãe, conseguirão reerguer este infeliz, evitando-lhe ser golpeado por aquelas terríveis ameaças: “Obceca o coração desse povo, ensurdece-lhe os ouvidos, fecha-lhe os olhos, de modo que não veja nada com seus olhos, não ouça com seus ouvidos, não compreenda nada com seu espírito. E não se cure de novo” (Is 6, 10).

Que o Deus de misericórdia afaste de cada um de vós, diletos filhos, este triste presságio. Ele vê que nosso coração, inteiramente livre de rancor, é movido apenas pela caridade de pai e pastor: “Pois quem, senão vós, será a nossa esperança, a nossa alegria e a nossa coroa de glória ante Nosso Senhor Jesus, no dia de sua vinda?” (I Tes 2, 19).

Auxiliar e socorrer a Igreja em suas angústias

Vós mesmos podeis constatar, em qualquer lugar onde estejais, os tristes momentos pelos quais passa a Igreja, por impenetráveis desígnios de Deus. Considerai também o sagrado dever que tendes de assistir e socorrer em suas angústias esta Igreja que vos concedeu tão honrosa dignidade.

Hoje mais do que nunca, torna-se necessária ao clero uma virtude superior, sincera, exemplar, viva, operosa, prontíssima a tudo empreender e sofrer por Cristo. Isto é o que com mais ardor desejamos para todos e cada um de vós, e o pedimos a Deus com fervorosíssimas preces.

Floresça, pois, em vós com intemerato fulgor a castidade, exímio ornato de nosso clero. Graças a ela o sacerdote se torna semelhante aos Anjos, é considerado pelo povo cristão homem digno de todas as honras e colhe, assim, mais copiosos frutos de seu ministério.

Arvore Divina..jpg
Aliviar, defender, medicar, pacificar:
seja esta a vossa meta, sedentos de 
conquistar e conduzir almas a Cristo

A árvore divina – Gravura de finais do
séc. XIX publicada por Friedrich Pustet,
Regensburg (Alemanha)

Perene e sincera sejam em vós a reverência e a obediência solenemente prometidas àqueles que o Espírito Santo constituiu pastores da Igreja. Acima de tudo, que a submissão devida a justíssimo título a esta Sé Apostólica una a ela cada dia mais, com estreitíssimos vínculos, vossas mentes e vossos corações.

Brilhe em cada um de vós aquela caridade que em nada procura seu próprio proveito, de tal modo que, reprimidos os impulsos da inveja e da ambição próprios da humana natureza, possais unir vossos esforços, com fraterna emulação, para dar maior glória a Deus. “Um grande número de enfermos, de cegos, de coxos e de paralíticos” (Jo 5, 3), multidão tão numerosa quanto digna de piedade, espera os socorros de vossa caridade.

À vossa espera estão, sobretudo, numerosos grupos de jovens, risonha esperança da pátria e da Religião, assediados de todos os lados pelas insídias e pelos perigos morais. Sede incansáveis em fazer o bem a todos, não só ensinando-lhes o catecismo, que recomendamos de novo e com maior empenho, mas também prestando-lhes todo auxílio possível inspirado por vossa prudência e dedicação.

Não manchemos nossa glória!

Aliviar, defender, medicar, pacificar: seja esta a vossa meta, sedentos de conquistar e conduzir almas a Cristo. Considerai quão laboriosos, infatigáveis e destemidos são os inimigos de Deus em sua ação para corromper de modo irreparável as almas!

Especialmente por este esplendor da caridade a Igreja Católica se alegra e se ufana de seu clero, que anuncia o Evangelho da paz cristã, que leva a salvação e a civilização até os povos bárbaros, onde por seus esforços apostólicos, não raramente selados com o sangue, dilata-se dia a dia o Reino de Cristo e resplandece com novas vitórias a santa Fé.

Diletos filhos, se em paga de vossa caridade receberdes ódio, afrontas, calúnia, como sói acontecer, não vos deixeis tomar pelo desânimo, “não vos canseis de fazer o bem” (II Tes 3, 13). Tende diante dos olhos os esquadrões de homens fortes, insignes tanto pelo número quanto pelos méritos, que a exemplo dos Apóstolos, se alegravam em suportar as mais cruéis torturas pelo nome de Jesus Cristo. Eram insultados e abençoavam (I Cor 4, 12). Somos filhos e irmãos dos Santos, cujos nomes resplandecem no Livro da Vida, cuja glória a Igreja celebra. “Não manchemos nossa glória” (I Mac 9, 10)! ²

São Pio X. Excertos da Exortação Apostólica Hærent animo, 4/8/1908 – Tradução: Arautos do Evangelho

 
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