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Voz dos Papas


Amigos fortes para tempos árduos
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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"O mundo está a arder; querem voltar a condenar Cristo, querem fazer desabar a Igreja". Não nos resulta familiar, na conjuntura atual, uma reflexão tão luminosa e interpeladora, proposta há mais de quatro séculos pela Santa mística de Ávila?

Resplendens stella. “Uma estrela de imenso esplendor” (Livro da Vida, 32, 11). Com estas palavras, o Senhor animou Santa Teresa de Jesus a fundar em Ávila o mosteiro de São José, início da reforma do Carmelo da qual, no dia 24 do próximo mês de agosto, serão celebrados os quatrocentos e cinquenta anos. Por ocasião desta feliz circunstância, quero unir-me à alegria da querida Diocese de Ávila, da Ordem dos Carmelitas Descalços, do Povo de Deus que peregrina na Espanha e de todos aqueles que, na Igreja universal, encontraram na espiritualidade teresiana uma luz segura para descobrir que por Cristo chega ao homem a verdadeira renovação da sua vida.

A reforma do Carmelo nasce da oração e tende para a oração

Apaixonada pelo Senhor, esta mulher preclara desejava unicamente agradar-Lhe em tudo. Com efeito, um santo não é aquele que realiza grandes proezas baseando-se na excelência das suas qualidades humanas, mas aquele que permite com humildade que Cristo penetre na sua alma, que aja através da sua pessoa, que Ele seja o verdadeiro protagonista de todas as suas obras e desejos, que inspire cada iniciativa e sustente cada silêncio. Só quem leva uma intensa vida de oração pode deixar-se conduzir deste modo por Cristo. Ela consiste, segundo as palavras da Santa de Ávila, em “falar de amizade, permanecendo muitas vezes a sós com Quem sabemos que nos ama” (Livro da Vida, 8, 5). A reforma do Carmelo, cujo aniversário nos enche de júbilo interior, nasce da oração e tende para a oração.

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“Também hoje, como no século XVI,
é preciso que a oração confiante seja
a alma do apostolado”
Bento XVI em um momento
da Viagem Apostólica a Madri, 20/8/2011

Ao promover um retorno radical à Regra primitiva, afastando-se da Regra mitigada, Santa Teresa de Jesus queria propiciar uma forma de vida que favorecesse o encontro pessoal com o Senhor, para o qual é necessário “retirar-se em solidão, olhar para dentro de si e não se admirar com um hóspede tão bondoso” (Caminho de perfeição, 28, 2). O mosteiro de São José nasce precisamente com a finalidade de que as suas filhas tenham as melhores condições para se encontrar com Deus e estabelecer uma relação profunda e íntima com Ele.

Nos “tempos árduos” são necessários amigos fortes de Deus

Santa Teresa propôs um novo estilo de ser carmelita, num mundo também novo. Aqueles eram “tempos árduos” (Livro da Vida, 33, 5). E neles, segundo esta Mestra do espírito, “são necessários amigos fortes de Deus para sustentar os fracos” (Livro da Vida, 15, 5). E insistia com eloquência: “O mundo está a arder; querem voltar a condenar Cristo, querem fazer desabar a Igreja. Não, minhas irmãs, não é hora de falar com Deus sobre assuntos de pouca importância” (Caminho de Perfeição, 1, 5). Não nos resulta familiar, na conjuntura em que vivemos, uma reflexão tão luminosa e interpeladora, proposta há mais de quatro séculos pela Santa mística?

O fim último da Reforma teresiana e da criação de novos mosteiros, no meio de um mundo com escassos valores espirituais, consistia em tutelar com a oração a obra apostólica; em propor um estilo de vida evangélica que fosse modelo para quantos procuravam um caminho de perfeição, a partir da convicção de que toda autêntica reforma pessoal e eclesial passa pelo reproduzir cada vez melhor em nós mesmos a “forma” de Cristo (cf. Gal 4, 19).

Não foi outro o compromisso da Santa, nem das suas filhas. E também não foi outro o compromisso dos seus filhos carmelitas, que visavam unicamente “ir mais além em todas as virtudes” (Livro da Vida, 31, 18). Neste sentido, Teresa escreve: “Aprecia mais [Nosso Senhor] uma alma que, através do nosso esforço e oração, Lhe conquistássemos mediante a sua misericórdia, do que todos os serviços que Lhe podemos prestar” (Livro das Fundações, 1, 7).

Diante do esquecimento de Deus, a Santa Doutora anima comunidades orantes, que salvaguardem com o seu fervor quantos proclamam em toda a parte o Nome de Cristo, que supliquem pelas necessidades da Igreja, que levem ao Coração do Salvador o clamor de todos os povos.

A oração confiante deve ser a alma do apostolado

Também hoje, como no século XVI, e entre rápidas transformações, é preciso que a oração confiante seja a alma do apostolado, para que ressoe com clareza evidente e dinamismo  pujante a mensagem redentora de Jesus Cristo. É urgente que a Palavra de vida vibre nas almas de forma harmoniosa, com notas sonoras e atraentes.

Nesta tarefa apaixonante, o exemplo de Teresa de Ávila constitui uma grande ajuda para nós. Podemos afirmar que, no seu tempo, a Santa evangelizou sem tibieza, com ardor jamais apagado, com métodos distantes da inércia e com expressões cheias de luz. Isto conserva todo seu vigor na encruzilhada atual, que sente a urgência de que os batizados renovem o seu coração através da oração pessoal, centrada também, segundo o ditado da Mística de Ávila, na contemplação da Santíssima Humanidade de Cristo como único caminho para encontrar a glória de Deus (cf. Livro da Vida, 22, 1; As Moradas, 6, 7).

Só assim poderão formar-se famílias autênticas, que descubram no Evangelho o fogo do seu lar; comunidades cristãs vivas e unidas, alicerçadas em Cristo como na sua pedra angular e que tenham sede de uma vida de generoso serviço fraterno. É também desejável que a oração incessante promova a prática prioritária da pastoral vocacional, salientando peculiarmente a beleza da vida consagrada, que é necessário acompanhar devidamente como tesouro que é da Igreja, como torrente de graças, tanto na sua dimensão ativa como contemplativa.

Santa Teresa nos convida hoje à fidelidade e à radicalidade

A força de Cristo levará igualmente a redobrar as iniciativas para que o povo de Deus recupere o seu vigor da única forma possível: criando espaço dentro de nós para os sentimentos do Senhor Jesus (cf. Fl 2, 5), procurando em todas as circunstâncias uma vivência radical do seu Evangelho. E isto significa, antes de tudo, permitir que o Espírito Santo nos faça amigos do Mestre e nos configure com Ele. Significa também acolher em tudo os seus mandatos e adotar em nós critérios tais como a humildade na conduta, a renúncia ao supérfluo, não ofender os outros, comportar-se com simplicidade e mansidão de coração. Assim, quantos nos circundam sentirão a alegria que nasce da nossa adesão ao Senhor, e que nada antepomos ao seu amor, permanecendo sempre dispostos a explicar a razão da nossa esperança (cf. I Pd 3, 15) e vivendo, como Teresa de Jesus, em obediência filial à nossa Santa Mãe Igreja.

É a esta radicalidade e fidelidade que nos convida hoje esta filha tão ilustre da Diocese de Ávila. Acolhendo a sua bonita herança, nesta hora da História, o Papa exorta todos os membros desta Igreja particular, mas de maneira profunda os jovens, a levar a sério a comum vocação à santidade. Seguindo os passos de Teresa de Jesus, permiti-me dizer a quantos têm o futuro à sua frente: aspirai também vós a ser totalmente de Jesus, só de Jesus e sempre de Jesus. Não tenhais medo de o dizer a nosso Senhor, como ela fez: “Sou vossa, para Vós nasci; o que quereis fazer de mim?” (Poesia, 2). E peço-Lhe que também vós saibais responder aos seus chamamentos iluminados pela graça divina, com “firme determinação”, para oferecer “o pouquinho” que houver em vós, convictos de que Deus nunca abandona quantos deixam tudo para a sua glória (cf. Caminho de perfeição, 21, 2; 1, 2).

(Excerto da mensagem ao Bispo de Ávila por ocasião do 450º aniversário de fundação do Mosteiro de São José, em Ávila, 16/7/2012) – Revista Arautos do Evangelho, Set/2012, n. 129, p. 6 à 8)

 
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