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Voz dos Papas


Liberdade e verdade moral
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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A Igreja desempenha um papel crucial na luta contra as correntes culturais que, com base num individualismo extremo,  tentam promover conceitos de liberdade separados da verdade moral.

Prezados Irmãos Bispos: Saúdo-vos todos com afeto fraternal e rezo para que esta peregrinação de renovação espiritual e comunhão profunda, vos confirme na Fé e na dedicação à vossa tarefa de Pastores da Igreja nos Estados Unidos da América. Como sabeis, tenho a intenção de refletir convosco, ao longo deste ano, sobre alguns dos desafios espirituais e culturais da nova evangelização.

L’Osservatore Romano
Papa Bento XVI
Bento XVI recebeu em 19 de janeiro, na Sala do Consistório, um grupo de
Prelados dos Estados Unidos em visita “ad limina”

Correntes culturais hostis ao Cristianismo

Um dos mais memoráveis aspectos da minha Visita Pastoral aos Estados Unidos foi a oportunidade que ela me ofereceu de refletir sobre a experiência histórica americana da liberdade religiosa e, mais especificamente, sobre a relação entre religião e cultura. No centro de qualquer cultura, seja ou não percebido, existe um consenso sobre a natureza da realidade e do bem moral, e, portanto, sobre as condições para a prosperidade humana.

Nos Estados Unidos, esse consenso, conforme consta nos documentos de fundação da nação, fundamentava- se numa visão do mundo modelada não apenas pela Fé, mas também pelo compromisso com alguns princípios éticos derivados da natureza e do Deus da natureza. Esse consenso reduziu-se de modo significativo hoje, perante novas e potentes correntes culturais que não apenas se opõem aos ensinamentos morais centrais da tradição judaico- cristã, mas são também cada vez mais hostis ao Cristianismo como tal.

Ameaça para a própria humanidade

Por sua vez, a Igreja nos Estados Unidos é chamada a proclamar em todo tempo, oportuno e inoportuno, o Evangelho que não só propõe verdades morais imutáveis, mas as propõe precisamente como chave para a felicidade humana e a prosperidade social (cf. Gaudium et spes, n.10).

Na medida em que algumas tendências culturais atuais possuem elementos que querem limitar a proclamação dessas verdades – quer restringindo-a nos confins de uma racionalidade meramente científica, quer suprimindo-a em nome do poder político e do governo da maioria – elas representam uma ameaça não apenas para a Fé cristã, mas também para a própria humanidade e para a verdade mais profunda sobre o nosso ser e nossa vocação última, o nosso relacionamento com Deus.

Quando uma cultura tenta suprimir a dimensão do mistério último e fecha as portas à verdade transcendente, ela se empobrece inevitavelmente e se torna presa – como intuiu com tanta clareza o Papa João Paulo II – de uma leitura reducionista e totalitarista da pessoa humana e da natureza da sociedade.

O testemunho da Igreja é público por sua natureza

Com sua longa tradição de respeito pela justa relação entre Fé e razão, a Igreja desempenha um papel crucial na luta contra as correntes culturais que, com base num individualismo extremo, procuram promover conceitos de liberdade separados da verdade moral.

Nossa tradição não fala a partir de uma fé cega, mas sim de uma perspectiva racional que liga o nosso
empenho por construir uma sociedade autenticamente justa, humana e próspera à nossa certeza fundamental de que o universo possui uma lógica interna acessível à razão humana. A defesa, da parte da Igreja, de um raciocínio moral baseado na lei natural funda-se na sua convicção de que esta lei não constitui uma ameaça para a nossa liberdade, mas uma “linguagem” que nos permite compreendermos a nós mesmos e a verdade do nosso ser, e de modelar desta forma um mundo mais justo e mais humano. Ela propõe, portanto, seu ensinamento moral como uma mensagem, não de coerção, mas de libertação, e como base para construir um futuro seguro.

O testemunho da Igreja é, pois, por sua natureza, público: ela tenta convencer propondo argumentos racionais no domínio público. A legítima separação entre Igreja e Estado não pode ser interpretada como se a Igreja devesse calar sobre certos temas, nem como se o Estado pudesse escolher não se implicar, ou ser implicado, pelas vozes dos crentes empenhados em determinar os valores que deverão forjar o futuro da nação.

Tentativas de limitar a liberdade religiosa

À luz destas considerações, é fundamental que toda a comunidade católica nos Estados Unidos consiga compreender as graves ameaças ao testemunho moral público da Igreja, representadas por um secularismo radical que encontra cada vez mais expressão nos âmbitos político e cultural. A seriedade destas ameaças deve ser entendida com clareza em todos os níveis da vida eclesial. Particularmente preocupantes são algumas tentativas de limitar a liberdade mais apreciada na América, a liberdade de religião.

Muitos de vós sublinharam que foram realizados esforços concertados para negar aos indivíduos e às instituições católicas o direito de objeção de consciência no concernente à cooperação em práticas intrinsecamente más. Outros falaram-me sobre a preocupante tendência de reduzir a liberdade religiosa a uma mera liberdade de culto, sem garantir o respeito à liberdade de consciência.

Necessidade de preparar líderes leigos comprometidos

Constatamos aqui, mais uma vez, a necessidade de um laicato católico comprometido, articulado e bem formado, dotado de um forte senso crítico perante a cultura dominante e de coragem para enfrentar um secularismo redutivo que tencionaria deslegitimar a participação da Igreja no debate público sobre questões que determinam o futuro da sociedade americana.

A preparação de líderes leigos comprometidos e a apresentação de uma articulação convincente da visão cristã do homem e da sociedade continuam sendo a tarefa principal da Igreja no vosso país; como componentes essenciais da nova evangelização, essas preocupações devem modelar a visão e os objetivos dos programas catequéticos em todos os níveis.

A este respeito, gostaria de mencionar com estima vossos esforços por manter contatos com os católicos comprometidos na vida política e ajudá- los a compreender sua responsabilidade pessoal de dar testemunho público de sua Fé, sobretudo no concernente às grandes questões morais de nosso tempo: o respeito pelo dom divino da vida, a proteção da dignidade humana e a promoção dos autênticos direitos humanos.

Como observou o Concílio, e como eu quis reiterar durante a minha Visita Pastoral, o respeito pela justa autonomia da esfera secular deve tomar em consideração também a verdade de que não existe setor de questões terrenas que possa ser subtraído ao Criador e ao seu domínio (cf. Gaudium et spes, n.36). Não há dúvida de que um testemunho mais coerente das suas convicções mais profundas, da parte dos católicos da América, daria um importante contributo para a renovação da sociedade no seu conjunto.

Uma esperança que leva a renovar esforços

Queridos Irmãos Bispos, nestes breves comentários eu quis abordar algumas das questões urgentes que deveis enfrentar no vosso serviço ao Evangelho, e sua importância para a evangelização da cultura americana. Ninguém que olhe com realismo tais questões pode ignorar as autênticas dificuldades que a Igreja encontra no momento atual.

Mas, na verdade, podemos sentir-nos encorajados pela crescente consciência da necessidade de preservar uma ordem civil claramente enraizada na tradição judaico-cristã, assim como pela promessa que oferece uma nova geração de católicos, cujas experiências e convicções desempenharão um papel decisivo ao renovar a presença e o testemunho da Igreja na sociedade americana.

A esperança que nos oferecem esses “sinais dos tempos” é, de per si, um motivo para renovar nossos esforços a fim de mobilizar os recursos intelectuais e morais de toda a comunidade católica a serviço da evangelização da cultura americana e da edificação da civilização do amor.

(Discurso a um grupo de Prelados dos Estados Unidos, em visita “ad limina”, 19/1/2012 – Tradução: Arautos do Evangelho)

(Revista Arautos do Evangelho, Março/2012, n. 123, p. 06 – 08)

 
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